MORAL POSITIVA
SUA NECESSIDADE ATUAL
SEUS CARACTERES FUNDAMENTAIS E SUAS PRINCIPAIS APLICAÇÕES.
Conferência redigida
por Émile Antoine
Versão brasileira de
João Francisco de Souza
E
Antenor Rangel Filho
Rio de Janeiro – 1938
PREFÁCIO
Um importantíssimo enfoque
à cultura moral e social do Brasil e de
Portugal acaba de prestar os nossos compatrícios Drs. João Francisco de Souza e
Antenor Rangel Filho, traduzindo para o vernáculo um interessante e útil trabalho de Pierre Laffitte, sob o título “Da Moral Positiva”, constante de uma conferência feita no Havre, a 4 de Dezembro de 1878 posteriormente desenvolvida e publicada naquela mesma cidade da França.
Além de salientar, com
rara clareza, fundamentos da Moral como ciência
final, o emitente conferencista ainda assinala
sua necessidade atual e descreve-lhe a evolução até atingir ao estado positivo.
Saindo da família dos antropomorfos e destacando-se da
animalidade originária, o Homem caminha incessantemente, embora a passos lentos, para região longínqua, cujo limiar só foi divisado por espírito de escol, quando, contemplando o conjunto do passado humano e
logrando emancipar-se de preconceitos
falsos, apanhou a relação invariável segundo a qual se vai desenvolvendo essa
série.
Apreciada, até então, com o propósito obstinado de
prolongar indefinidamente um dos estados transitórios da nossa evolução, e para
esse fim rompendo-se a continuidade histórica, pela condenação e ridículo do
passado humano. A Moral ainda hoje se acha, para o vulgar dos intelectuais, sob
tutela da teologia, ou, para os menos retardados, em pleno domínio da
metafísica democrática. Conhecendo nossa evolução sob seu tríplice aspecto -
prático, intelectual e afetivo – e caracteriza o futuro para o qual tende a
nossa espécie, tais são as condições precípuas para que se possa aceitar a
Moral, não como um conjunto de preceitos divino, nem de vãos preconceituosos
populares, mas como uma ciência tão positiva qual a Astronomia, formada de leis
naturais tão incoercíveis como as que regem o movimento do nosso sistema
planetário, embora muito mais complicado e, portanto, menos precisos, mas
permitindo também a previsão.
Por meio da Astronomia podemos prever, para cada momento do futuro, a
posição dos astros na abóbada celeste, ou refaze-la para cada instante do
passado. Por meio da Moral positiva podemos determinar o estado intelectual,
afetivo e ativo da sociedade, em qualquer fase da sua evolução, sem todavia a
extrema precisão inerente à simplicidade das leis que regulam a variação
quantitativa das grandezas. Se a ciência astronômica exige preliminarmente a
elaboração matemática, a ciência moral reclama uma preparação muito mais
extensa e profunda, caracterizada principalmente pela Sociologia e pela
Fisiologia cerebral.
Dizendo Sociologia, refiro-me à Sociologia de Augusto Comte, a essa ciência eminentemente positiva, cuja base estática já havia sido
lançada pelo famoso Filósofo de Estagira - Sócrates, e cujas leis dinâmicas pressentidas
por Condorcet foram finalmente formuladas pelo inovador moderno, e não a certos
amontoados desconexos e heterogêneos de fatos e apreciações ingênuas, e não raro acacianas, pomposamente decoradas
com o título de Sociologia. Dizendo
Fisiologia cerebral, refiro-me à ousada tentativa de Gall, buscando estender ao
celebro a Fisiologia geral, considerando como funções desse aparelho não só as
faculdades intelectuais, conforme o próprio pensamento dos antigos, mas ainda a
atividade cociente e os
impulsos afetivos atribuídos até então às vísceras vegetativas. Refiro-me a
esse problema genialmente posto, apenas, por Gall, e plenamente resolvido por Augusto Comte,
e não a essas dissertações vãs,
oriundas da metafísica alemã, que trazem
a denominação de
Psicologia dada por Wof, no começo do
século XVIII, a essa pretendida ciência que se crê superior à Fisiologia e que
contraria o verdadeiro espírito
fisiológico, admitindo função sem órfão.
Se a constituição da
Fisiologia geral impõe, como preliminar, o conhecimento estático do organismo,
isto e, dá anatomia, e como complemento o do meio em que se dá a dupla troca com o ser vivo; a formação da
Fisiologia cerebral, que serve de fundamento
à Moral positiva, reclama, com razões igualmente fortes, o estudo estático do
cérebro e a análise completa do meto social que sobre ele age e dele recebe modificações
em graus diversos. Incomparavelmente
menos estável que o meio físico
e sujeito a uma evolução cujas leis só foram formuladas no começo do século XIX, o ambiente social tem exercido no homem influência tão forte,
tão patente e tão decisiva que já
se tornarem populares estas sentenças, frisando a ação do meio e a do tempo; “o
Homem é filho de seu meio; o Homem pertence o seu século, mesmo a seu
pesar”.
Laffitte põe com admirável clareza o problema da Moral Positiva, e o
que é mais, lembra que esse problema, qual o da medicina, houve de ser abeirado desde o começo da evolução humana. A sociedade não podia
aguardar o estado atual dos nossos conhecimentos para só então receber o concurso
dos homens, nem para curar-se dos
males ou sequer mitigas seus sofrimentos.
Ela tinha que resolver o problema de qualquer modo ou por qualquer
processo. Dada a insuficiência da razão abstrata, hoje que
recorrer à razão concreta,
ao puro empirismo. Assim pois, a Moral
passou sucessivamente pelos três estados – fictício, abstrato e positivo, ou
socialmente – teológico, metafísico e positivo.
O ilustre conferencista analisa com superior mestria a Moral teológica,
a Moral metafísica e a Moral Positiva, tornando-se brilhante no confronto desses três sistemas,
porque, inteiramente emancipado dos
estados preparatórios da evolução humana, ele os aprecia insuladamente e
à luz da ciência enciclopédia sob o impulso de admiração pelo passado e com o perfeito sentimento e compreensão da continuidade histórica.
Nessas condições, mostra a
justeza com que a teocracia conjurou o Homem a conhecer-se a si mesmo — nasce de inpulso que inspirou a sentença Proferida no elegante verso
de Pope :
— The
proper study
of mankind is man.
Transmitindo o ensino de A. Comte,
Laffitte justifica que o estudo do Espaço e o da Terra formam um vasto preâmbulo do estudo da Humanidade.
A
leitura desse memorável opúsculo dá uma idéia perfeitamente clara da natureza do problema moral, da complexidade de sua solução no
ponto de vista teórico,
e do modo por que foi sua solução buscada empiricamente sob
o impulso de nossa
sociabilidade crescente.
Longe de nos envaidar dos conhecimentos de hoje e de nos dispor a desdenhar o
passado, essa leitura desperta profunda admiração pelas fases anteriores da nossa evolução
e pelo conhecimento dos recursos da
razão humana suprindo com o
empirismo as
falha do dogmatismo. De modo tão belo, tão lógico e
tão científico esse opúsculo apresenta
o futuro humano, ligando-se ao passado na matéria mais eminente ao nosso espírito,
que não hesito em afirmar que felizes
são aqueles que o terem e entenderem.
Rio
de Janeiro 4 de Abril de 1938.
Agliberto
Xavier.
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MORAL
POSITIVA
Nos tempos
de revolução, a dificuldade não é cumprir o dever; é saber em que consiste o
dever.
TÁCITO
PRIMEIRA PARTE
Necessidade hodierna da moral positiva.
Capitulo Primeiro
Situação presente no ponto de vista da moral.
Resumo
O Objetivo deste trabalho. Um
sistema de Moral Positiva, isto é, cientifica por sua base, destino e meios de
realização, tornou-se imprescindível pela emancipação crescente dos espíritos e
advento da República; inevitável, pela evolução dos conhecimentos teóricos,
cujo cúpula é o positivismo.
Nosso propósito é demonstrar que o advento de um sistema completo de moral
positiva se tornou necessário, vale dizer, tão imprescindível quanto inevitável
em virtude da situação da França, da existência da República e da série dos
antecedentes históricos.
Tem o positivismo por destino o estabelecimento e a propagação deste
sistema, que, embora já exista, necessitará aperfeiçoamentos quando oportuno, estando
fadado a prevalecer pela livre aceitação dos cidadãos gradualmente convencidos.
Não faz parte de nosso projeto apresentar o conjugo desta moral, por
extremamente considerável; contentar-nos-emos com a indicação sumária de seu espírito
genérico, de suas bases indispensáveis e principais aplicações.
Que se deve entender por sistema de moral? Damos este nome ao conjunto de
regras universais, que servem à Humanidade para dirigir e aperfeiçoar a vida
individual, doméstica e social.
Encaramos a vida social em sua maior extenção, isto é, concebemos a
existência humana como ligada não a uma só pátria, mais a todas as outras.
Cujas relações apresentam, dia a dia, desenvolvimento e complexidade crescente.
Tendendo a abranger, por fim, todo o nosso planeta.
Parar conseguir semelhante universidade, deve o sistema de moral apoiar-se
numa doutrina genérica, há um tempo útil e verdadeiro, cujo conjunto seja tão homogêneo
e conexo que qualquer problema nele encontre solução.
É mistér que, em todas as circunstâncias, cada indivíduo saiba precisamente
o que deve pensar e fazer, para que os seus concidadãos, sujeitos à máxima idênticas,
possam fornecer-lhe o necessário concurso.
Todas as questões, que surgiram entre nós e os turcos, entre os indús e os
chineses, necessitam de soluções precisas e demonstráveis. Já se não trata de
invocar considerações vagas, como a Justiça.
a Fraternidade,
o Amai-vos uns aos outros!...
Amar é muito belo e em nada prejudica. Mas, não basta isto! Foi em nome dos sentimentos de humanidade que
se fizeram tantas vítimas na Bulgária!
Cumpre-nos pois, demonstrar até que ponto e de que forma se devem
satisfazer às condições de afeição e devotamento, de acordo com uma moral que indique,
em todos os casos, a conduta conveniente para os governos. Isto ainda não se
fez, mas é o que se torna necessário determinar rigorosamente à face do
conhecimento real de nossa natureza e situação.
Só o espírito científico se mostra capaz de alcançar essa meta, porque o espontâneo
deste espírito é evitar a indeterminação e o arbitrário.
Qual a orientação genérica de um sistema de moral positiva? A de só
apresentar normas puramente humanas, constituindo moral exclusivamente
científica por suas bases, destino e meios de realização.
Ser científica por suas bases, é fazer que as regras morais repousem sempre
na observação da natureza humana e do mundo em que vivemos, bem como na
evolução social que nos domina. Elimina, por conseqüência, como fictícias,
todas as soluções em que a Humanidade não intervenha como medianeira entre o
mundo e o homem, quer por se lhe negar ligações, quer por se transformarem
estas ligações em identidade. Procura documentar-se nas observações dos poetas,
dos moralistas, dos historiógrafos, intérpretes do bom senso vulgar.
Em semelhante moral, que se refere exclusivamente ao possível, as regras são sempre
demonstráveis e podem, portanto, ser aceitas por todos os indivíduos adultos.
Ser científica pelo destino, equivale a só ter em vista um fim puramente
terrestre, perceptível e verificável, sem fazer jamais intervir a consideração
de uma vida futura, hipotética, sucessora da verdadeira.
Todas as concepções que não convenham às nossas diversas necessidades morais,
intelectuais e físicas devem ser afastadas. Somos cidadãos da Terra, e não nos
interessa coisa alguma que se encontre fora dela e fora da existência da
espécie humana, sobre o nosso planeta.
Quanto aos que se preocupam com outros objetivos e se julgam cidadãos do
Céu, desde que não cuidem de sua salvação antes de ter cumprida os deveres terrestres,
que o façam à vontade. O espírito positivo é cheio de relatividade!
Só nos poderemos entender com eles, todavia, por considerações atinentes a
esta vida, que necessariamente suportarão... Seu fim ninguém conhece, mas
comporta, quanto aos meios, uma infinidade
de soluções possíveis, nas quais, entretanto, não haverá, certamente, quem
possa apoiar qualquer determinação.
Quando desejamos ir à China, podemos discutir os diversos caminhos, pois
temos em vista um escopo preciso. Há possibilidade real. Do mesmo modo, quando
trataram de construir a estrada de ferro de Paris a Dieppe, mau grado a
multiplicidade de soluções reais possíveis, não na fizeram passar pela Rússia,
porque existiam, entre os dois pontos fixos, limites determinados pelas
necessidades das populações e pela configuração e natureza do solo, vale dizer,
por condições verificáveis.
Assim acontece em moral positiva, porque nossas razões são sempre
verdadeiras e demonstráveis, sem cair na especialização acadêmica.
Só uma ciência existe: a Moral. Qualquer estudo que se não ligue, pelo
método ou pela doutrina, à existência e ao desenvolvimento da Humanidade, é,
para nós, destituído de valor.
Trata-se de moral, tendo por destino reconhecido o governo do Ocidente e da
Terra, de moral de cidadãos colocados no ponto de vista do conjunto, e que
permite compreender como a existência de cada indivíduo se liga à dos outros
habitantes do planeta, explicando como o voto pessoal pode ter influência,
ditosa ou funesta, sobre a marcha da civilização.
Ser cientifica nos, seus meios de cumprimento, é empregar, apenas, como
sanção, processos puramente humanos, sem fazer que intervenham, em caso algum,
temores ou esperanças sobrenaturais.
Não nos dirigimos aos que se servem de outros processos e que se guiam por
outros princípios; deixamo-los tranqüilos. Se necessitam de um bastão em que se
apóiem, não nos achamos absolutamente dispostos a lho arrebatar. Trata-se de um
fato íntimo e pessoal, e cada um sabe com que linhas se deve coser.
Para ganhar o Céu, os teologistas podem harmonizar-se como entenderem.
Somos incompetentes no que toca às suas vias, e se, de fato, existirem, não podemos conhecê-los.
Um dever mais piedoso, mais urgente, prende-nos a Terra. Sabemos o que buscamos e o modo de alcançá-lo, e,
para expungir os vícios, a ignorância e a miséria, estamos resolvidos a alterar as coisas modificáveis
no grau em que o puderem ser, e a só nos resignarmos diante do impossível.
Assim,
sem temor e sem esperar o socorro de qualquer poder sobrenatural, contamos,
apenas, conosco para restituir a direção dos negócios terrestres exclusivamente
aos que se interessam por eles, eliminando todos os outros.
Mas, será possível desprezar todas as considerações sobrenaturais em moral,
e atingir tão perfeita emancipação? Sem dúvida, desde a plena maturidade do
espírito humano!
Existe,
com efeito, em toda a parte; e mormente em França, grande número de espíritos
não só indiferentes, mas até hostis à moral teológica. É fato verificado pelos
que deploram o desuso crescente do teologismo.
Lamentam os interessados que, cada vez mais, a sociedade se aparte de Deus
e atribuem tal desamparo à corrupção humana. Mas é pueril semelhante asserto!
Uma vez que teen a profissão de convencer os homens, que se façam crer. Em
sendo necessários policiais para obrigar a segui-los, tornam-se, então,
inúteis, e também a polícia, porque seria preciso outra para intimidá-la.
Aliás, a perfeita emancipação é conseqüência do passado: tornamo-nos
incrédulos, porque, assim nos fizeram nossos pais. Não somos os responsáveis!
Sempre existiram espíritos emancipados; mas o sue número cresce constantemente,
há duzentos anos.
Nos salões do século XVIII, certos homens superiores desdenhavam para si a
teologia, e notavam-se, nesta época, tipos de grande valor, como os Diderots e os Frederícos, orientarem
francamente a vida sem nenhuma intervenção sobrenatural.
Os governantes imitaram-lhes o exemplo. Poderiam atuar como chefes,
utilizando as crenças da massa popular, sem embargo do desprezo que por elas
professavam. Essa religião teológica, que para si não queriam julgava-na ainda
boa para o povo.
Semelhante processo de governo hoje seria ilusório. O estado dos espíritos
é muito diverso, e os papeis já se acham substituídos.
Quando apenas existia um pequenino número de emancipados, podia pensar-se
que a moral teológica houvesse sido feita, não para a gente, mas para os
outros. Hoje em dia, este propósito não engana ninguém!
A incredulidade conquistou todo o mundo; a inteligência, o capital, o trabalho,
o próprio povo tornou-se indiferente e hostil.
Em desespero de causa, as antigas classes dirigentes não acharam outro meio
de reanimar a fé se não pelo sacrifício, deixando de ser voltairíanas para se tornarem
católicas... Em se colocando, porém, tão abaixo das necessidades mentais da
época, eliminaram-se a si
próprias do governo.
Como poderia o catolicismo, que em seu explendor não conseguiu impedir o
surto do espírito revolucionário, disciplinar os que já não temem o seu inferno
nem acham atrativos no seu paraíso; que não querem crer nas prescrições da sua
fé inconsciente, e que não mais aceitam a moral teológica, que os aborrece e
repugna?! Pode ser que estejam errados mas o fato é incontestável: o processo jesuítico
não engoda mais ninguém!
A incredulidade, que conquistou, pouco a pouco, a França e o Ocidente,
tende a tornar-se universal. Sempre houve no Oriente pessoas emancipadas de Deus; neste particular, os árabes
e os turcos teen oferecido os mais extraordinários exemplos.
Atualmente, as classes superiores e os espíritos de escol, islamitas,
indús, japoneses e chineses encaram as concepções teológicas como puerilidades,
boas, quando muito, para o povo ignorante. A necessidade da moral positiva
interessa, efetivamente, os homens de estado e as almas elevadas de toda a
Terra.
Em França, a questão está na ordem do dia desde 1789. A necessidade de u’a
moral positiva, cumpre dizê-lo, sente-se profundamente por toda à parte em
nosso pais e o advento definitivo da República emprestou-lhe um caráter de
urgência, que impressiona todos os espíritos.
Sob a ditadura monárquica, os emancipados disfarçaram a intimidade dos seus
pensamentos em fórmulas teológicas, e a situação, pelo menos oficialmente,
mantinha-se velada: no alto, o desprezo; abaixo, a credulidade.
Como a Republica, o sistema de hipocrisia transformou-se em sistema de
contemplação. Já não existia mais a necessidade de alardear crenças de que se
não participava, porque não havia a excusa de poupar aos governantes atos de
atrocidade.
A França republicana possui, à
frente do movimento, ativa massa energicamente liberta da teologia. Na
sua maioria, o povo, são as classes mais numerosas e menos instruídas, são os
eleitores. Tomaram a sério a sua função e pensam servir-se, cada vez mais, do
seu poder.
A República destruindo todas as ilusões, estabeleceu nitidamente o problema
da necessidade de uma nova direção moral.
Devemos, ainda uma vez, referir que não propomos este escopo aos que já
possuem solução e que, se governarem, estão afeitos a outros processos.
Desprezar antigos hábitos morais poderia ter inconvenientes, e se eles
assistirem as nossas preleções, sempre públicas, ficam com a inteira
responsabilidade.
Não é a eles que nos dirigimos, mas aos que, de todo emancipados reclamam
por uma moral puramente humana, àqueles, em particular, que o teologismo declara
incuráveis, incapazes de subordinação e de governo voluntário. Onde o sacerdote
de Deus malogrou, nós, ministros da Humanidade, pretendemos fazer livremente a
direção positivista e o novo poder espiritual.
A esta massa crescente de indivíduos, voluntariamente saídos do catolicismo
e dos outros teologismos, diremos que não deve nem pode permanecer sem direção moral
sistemática.
Já se
deixa ver que ela dispensa a moral
teológica. Mas que moral
adotar? Porque é necessário substituí-la, se quizermos agir, sem procurar
incessantemente onde esta o dever.
Cumpre
educar as crianças. Que preconceitos, porém, será mister ensinar-lhes? Não nos
podemos contentar com a solução degradante que nos mostra um pai incrédulo
fazendo educar cristãmente seus filhos. É contraditório que um chefe de família
critique a teologia durante toda a vida e se utilize, em todos os casos importantes,
dos sacramentos de uma igreja teológica.
No exame
do papel e dos deveres da mulher, que as suas diversas funções de mãe, esposa e
companheira podem sugerir, continuar-se-ão a resolver os debates, pela solução
teológica, que tem por base o puro aspecto anatômico? A legitimar-lhe a
subordinação pela sua proveniência de uma costela extranumerária extraída do
homem por processo cirúrgico desconhecido! Isto é simplesmente ridículo, e
semelhantes discussões nunca deram resultado!
Nos gravíssimos
problemas que agitam a sociedade, já não bastam mais inspirações: a República
quer cidadãos!
Uma
população republicana precisa de diretrizes inteiramente diversas, O homem é um
animal assaz inteligente e honesto para aceitar as soluções positivas, quando explicadas convenientemente.
A
dignidade da mulher e do proletariado revolta-se contra a perpetuidade de tal
argumentação: pedem, afinal, que se lhes apresentem razões e não contos pueris,
que as próprias crianças já não aceitam sem repugnância.
Esta moral
teológica, que tem a pretensão de governar, é, por dois motivos, insuficiente:
já não tem influência sobre a massa ativa, diretora e, por conseqüência a que
mais necessita ser regrada; e é, além disto incompleta porque se acha em
presença de conflitos que não previu e aos quais não se pode adaptar.
A moral
que a substituir, para satisfazer às necessidades da situação deve abraçar o
conjunto dos negócios humanos, sob qualquer aspecto, de jeito que institua uma
política verdadeiramente universal.
Quer isto
dizer, deve ela repousar sobre a ciência, espontaneamente apaziguadora, e que
por si mesma, em virtude da crença que inspira nos faz reclamar por uma moral cientifica.
Vem o
positivismo satisfazer a essa necessidade geral de união de todos os espíritos
ativos, e cuidamos que chegou o momento de lhes expor este sistema de moral,
lenta e gradualmente elaborado.
O advento
da Moral positiva, com a Humanidade por base, fim e sanção, é a cúpula do
desenvolvimento de nossa espécie.
Estão
crêados tanto o sistema como o sacerdócio, que tem a missão de ensiná-lo e
fazê-lo prevalecer. Coube a sua concepção a um homem de gênio, e só nos resta
agora vulgarizá-la e aplicá-la. É facílimo obtê-la. Não é mais titulo existente
num cartão em branco; a estante está repleta! Já se não trata de coisa por
fazer, mas de obra acabada.
Com o caráter
eterno de todas as grandes creações políticas ou religiosas, o sistema de moral
positiva, construído com o auxilio de subsídios seculares, desenvolveu-se
lentamente e levou cinqüenta anos para constituir-se.
O escopo
da vida de Augusto Comte foi à fundação de um sistema de moral teórica e prática
e de um novo poder espiritual.
Desde os
seus exórdios, preocupou-se com isto, e aos vinte e dois anos, escrevia:
— Enquanto
a moral permanecer exclusivamente estribada nas crenças religiosas (1), será inevitável
que a direção geral da educação pertença, em última análise, a um corpo teológico.
(1) Augusto
Comte emprega aqui, como equivalentes, as duas expressões — teologia e religião. Mais tarde observou havia uma religião onde se encontrasse uma fé,
regulando a atividade, tanto pessoal como coletiva, e que, assim encarada, a religião
era uma instituição fundamental
da Humanidade, sujeita, como todas as outras, à lei de seu desenvolvimento; a
teologia representava-lhe a fase inicial e fictícia.
Alias, esta
confusão, em A, Comte, foi apenas de palavra; nunca existiu em suas concepções
e jamais — esta citação é a prova disto — qualificou como teológica a fé
positiva, que, durante toda a vida,
procurou construir, tendo como conseqüência necessária à eliminação do
sobrenatural (E. Antoine).
Os homens, que
tão vivamente se erguem hoje contra os jesuítas, contra os missionários e as
outras corporações religiosas, deveriam, pois, sentir claramente que o único
meio de afastar em definitivo o resto da influência destas sociedades seria
fundar a moral na observação dos fatos. Enquanto não se fizer um trabalho deste
gênero, todas as reclamações serão quasi inúteis, porque, em grande parte, vão
bater em falso.” (Do conjunto do passado moderno — 1820)
Não cessou
Augusto Comte de elaborar a moral positiva. A principio, considerou-a apenas no
ponto de vista prático, como resultado da aplicação das teorias positivas, o
que exigiu a construção prévia do Sistema
de Filosofia Positiva (1830—1842).
Terminada esta
obra basilar, reconheceu dava a moral prática motivo a teorias positivas
especiais que deviam preceder, por conseqüência, à sua aplicação. Em 1848. fez
delas o assunto do último ano de ensinamento positivista.
Depois de lhe
haver desenvolvido os principais aspectos no Sistema de Política Positiva (1851-1854) fixou o seu plano geral
em 1856.
Após trinta e
cinco anos de preparo, Augusto Comte
dispunha-se a escrever o Tratado de
Moral Positiva, quando a morte vem extinguir sua grande existência (24
de Gutenberg de 69 - 5 de Setembro de 1857). Construímos esta moral, apoiados
no plano e nos elementos deixados pelo fundador do positivismo.
Essa obra
merece ser estudada. As soluções positivistas não são perfeitas mas são boas: a
perfeição não se obtém no primeiro ensaio, e se tais soluções fossem perfeitas,
seriam absurdas. Apresentam, necessariamente, em virtude de nossa situação e
natureza, inconvenientes e defeitos que poderíamos indicar, e que, de fato,
indicamos. Não pretendemos fazer anjos, mas homens!
Afirmamos,
entretanto, que este sistema é, atualmente o mais completo e o melhor que
existe: o único que pode unir as almas de escol, indicando-lhes um fim comum
para a atividade, sem se voltar contra o próprio destino, como sói acontecer
com a moral católica, desde o fim da idade-média, e com a democrática, desde a
Revolução de 1789. O único sistema, enfim, que, suscetível de obter de todos
uma sincera adesão, permite substituir as providencias fictícias, que dirigiram
nossas primitivas idades, por uma providência real.
Em resumo,
convidamos os homens a que tomem, sob a direção do positivismo, o governo
racional de seus próprios negócios.
Capítulo Segundo
Papel do espírito positivo e
do espírito teológico na instituição empírica das regras morais.
O passado determinou a fundação
da moral positiva. Vemos naquele tempo, o espírito teológico coordenar e
consagrar as descobertas do espírito positivo, tanto no governo espiritual como no temporal.
Leva-nos o exame do presente estado social a
analisar-lhe sumariamente o
modo de formação, ligando-o à história.
Foi o passado que determinou a creação de
um sistema de ética positiva. Somos, em tudo, filhos de nossos pais; deles
recebemos caráter moral e fisiológico indelével, e, especialmente, o conjunto
das regras morais e políticas que nos dirigem.
Insurgir-nos
contra o seu imutável e tutelar império
seria colocar-nos fora do governo humano o que, ainda assim, só poderíamos conseguir
com o auxílio da linguagem creada por
eles.
A
característica da plena emancipação e da verdadeira superioridade está em reconhecer, moral e mentalmente
semelhante origem. Bom será que o homem não se julgue nascido de ontem e saiba não
ser mister refazer a obra do s séculos. O necessário já existe e são os nossos
antecessores que nos governam.
O ódio do
passado é uma pueril conseqüência da
luta presente; é o lado fraco do partido
revolucionário, demasiadamente esquecido de suas origens, e sem ter por
seus predecessores o respeito que lhes e devido.
Não é difícil
compreender que se nossos pais fossem imbecis, como sustentam os teóricos revolucionários,
não poderíamos ser, como pretendemos indivíduos notáveis.
Não se conseguem
transformar as espécies a tal ponto; uma lagosta nunca produzirá um elefante. Mau
grado as afirmações gratuitas de Darwin, ainda não possuímos um único resultado
cientifico que permita crer tenha sido ultrapassados os limites estabelecidos
para a variação das espécies.
Somos
perfeitamente filhos de nossos pais. Vivemos è custa de seu imenso capital de
moralidade, e, se o eliminamos em parte, mantemos mais do que ainda se possa
imaginar. Antes de tudo, somos conservadores. Se essa herança moral se tornou
insuficiente para dirigir a nossa conduta, resulta isto, sobretudo, da
imperfeição da sua estrutura.
Nessa tarefa de
depuração delicadíssima, propusemos-nos, principalmente, construir uma ética
homogenia. Trata-se de generalizar e coordenar as regras morais preexistentes,
afim de que os deveres inerentes à Família concorram com os que regem a Pátria
e a Humanidade, e reciprocamente.
Esclarecendo o
estado hodierno, permite o passado conceber de que modo à evolução anterior da
espécie humana tornou o advento deste sistema de moral tão inevitável quanto
imprescindível, isto é como essa evolução elaborava os meios de construí-la, arruinando,
inteiramente as bases da sanção das antigas disposições.
A semelhança de
todas as construções da Humanidade, passou a moral sucessivamente pelos três
estados, teológico ou fictício, metafísico ou abstrato, e científico ou
positivo.
A moral foi a
princípio teológica. Antes, porém, do exame de sua necessidade, é mistêr
precisar, em sua formação, a parte que coube ao puro teologismo, e o que
resultou do bom senso, vale dizer, do espírito positivo espontâneo.
No
estabelecimento das regras morais, caracterizaremos os papéis respectivos do
espírito teológico e do positivo neste teorema fundamental: Quem descobre é sempre o espírito positivo; o espírito teológico, quando muito, pode coordenar e sancionar, sem jamais descobrir.
Podemos desafiar o mais resoluto dos teologistas
para que cite uma proposição científica. seja qual for, uma formação integral;
por exemplo, que nos tenha sido revelada.
As revelações
sempre se exerceram sobre coisas fora do alcance do nosso exame, e sobre as
quais nada podemos saber.
Em se tratando,
porém, de proposições de geometria, a coisa é diversa, pois será necessário demonstra-la,
e ai está a dificuldade! Ora, não há perigo que Deus venha a revelar alguma,
porque de não se mete nessas complicações.
Se, todavia, a
observação do mundo e da natureza humana fez descobrir as regras gerais
relativas à direção do homem e da sociedade, elas só fora, de fato, sancionadas
e coordenadas pelo processo teológico.
Sob semelhante
aspecto, o teologismo desempenhou, no surto
da Humanidade, um papel
capital; forneceu aos dogmas morais a estabilidade necessária, consagrada, em
nome de uma vontade superior, as descobertas do espírito positivo.
Foi justamente
o que observou Bossuet, ao apreciar as religiões sobrenaturais anteriores ao catolicismo,
sem estender, contudo, a mesma apreciação à sua crença, segundo o processo
habitual dos teologistas. que só excetuam da ilusão as suas próprias fábulas.
O teologismo, alem
disto, consolidou as diversas regras morais. Atribuindo-as a uma fome comum, conseguiu
com essa coordenação, cuja suprema consistência
foi alcançada no monoteísmo, dar, a cada uma, a força de todas as
outras.
Para
estabelecer a convicção fundamental de que sempre foi o espírito positivo que
dirigiu as grandes construções da Humanidade — examinaremos duas dentre elas;
consideraremos, na ordem temporal, a organização dos exércitos romanos, e, na
espiritual, a catolicismo, essa obra-prima da sabedoria humana.
Moises, senhor
da sabedoria egípcia transmitiu-nos, no Decálogo, os elementos de seus grandes
preceitos, que serviram de base à moral de todos os povos. Um hábil engenheiro,
o Sr. Lê Play, retomando a tese de J. J.
Rousseau acreditou que toda a moral humana nele se achasse contida.
Seria absurdo
acreditar que regras tão
notáveis, resultantes de uma análise
tão complicada, pudessem ser descoberta e formuladas por um povo nômade, dominado pelas concepções feiticistas. Ainda mais; seria absolutamente impossível que
um homem embora tão eminente como Moisés, tivesse podido achar toda a
verdade na mais complicada dentre as ciências, quando a geometria, ponto de
partida da todo o desenvolvimento científico, necessário à preparação do estado
normal ainda não havia surgido.
Ora esta ciência, creada por Tales e
Pitágoras, só recebeu os seus
derradeiros aperfeiçoamentos, depois de
Vinte séculos de labor.
Em semelhantes condições
era impossível conseguir diretamente a perfeição moral, a não ser por revelação divina. Mas evidentemente como é próprio das vontades absolutas, se
foi Deus quem de fato, revelou os dez mandamentos,
disse a Moisés, de uma só vez, tudo quanto havia sobre a matéria e o Decálogo ter-se-ia, assim Convertido em uma norma absoluta.
Nas Epistolas entretanto onde estão formuladas todas as bases essenciais
do catolicismo, S. Paulo estabeleceu a insuficiência da lei de Moisés: — “Ela nada levou à perfeição’. diz
ele, retificando e completando o Decálogo
pelo que chama o ministério do
Evangelho.
Precisando semelhante fórmula, verificou o
sacerdócio romano a imperfeição
dos mandamentos de Deus, juntando-lhes os mandamentos da Igreja; a primeira
revelação não era, pois, a melhor.
São Paulo
proclamara que a lei de Jesus era superior à de Moisés, introduzindo, assim,
pela vez primeira, a idéia de progresso em moral, até então encarada como
imutável.
Foi a lei de
São Paulo, por seu turno, julgada insuficiente. Vemos, no fim, da idade-média.
João de Parma, Joaquim de Fiore e os sectários do Evangelho Eterno substituírem as duas leis primitivas e imperfeitas,
de Moisés e Jesus, por uma outra superior e definitiva — a do Espírito.
Esta tentativa
fracassou; mas certo é que devemos ao sacerdócio católico a noção de progresso,
característica da influência da Humanidade, e segundo a qual qualquer ordem
nova resulta do desenvolvimento da ordem anterior.
Para não
deixarmos dúvida alguma sobre o alcance de nossa apreciação e não sermos
confundidos com os que, como
Rousseau, se extasiam perante a majestade dos evangelhos, fulminando com o
anátema o papado anticristão, diremos que só louvamos no catolicismo a
incomparável sabedoria do sacerdócio.
Longe de ter
sido inferior à doutrina, foi esta, cuja estranha fraquesa deu ensejo a todas
as zombarias que lhe embaraçou a ação legítima e necessária.
Não é o Evangelho,
a meta é que se mostra sublime! O que admiramos no clero católico — e como tal
entendemos o de Roma, porque não existe se não um catolicismo — é esse
devotamento social que, durante treze séculos, fez, da mór parte de seus membros,
verdadeiros cidadãos da Terra.
O que tentaram eles
para seu tempo, pretendem os positivistas realizar agora, em situação, na
verdade, muito mais complicada. Os seus recursos, porem, são mais poderosos,
pois graças, em parte, aos seus predecessores católicos terão como apoio a
massa proletária, ao envés de uma população de escravos e mulheres mais ternas
e mais puras do que as da decadência romana.
Serviria o
dogma de Cristo, apenas, para uma religião de monges; nada pode instituir, não
pode fundar nenhuma sociedade porque não dá apreço ao planeta humano.
Essa tendência
foi felizmente superada pelo bom senso vulgar e pelos antecedentes romanos. O
Oriente cristão onde o dogma prevaleceu recorda pelo qualificativo de bizantino o que o espírito
verdadeiramente evangélico produz sob o triplo ponto de vista, mental social, e
moral.
É Certo que a
Igreja sempre se recusou a reconhecer tal filiação, mantendo a jactância de que
só o Evangelho estabelecera os preceitos que ordenam o devotamento aos
semelhantes, com todas as veras do amor, do saber e da força. Sancionava assim,
a ingratidão, e tempo viria em que ela mesma havia de ser apreciada com igual
injustiça.
Muito antes do
catolicismo, a Grécia. por seu surto abstrato, havia, embora sem as praticar,
imaginado teorias sobre o homem e sobre a sociedade e proposto melhorá-los.
Dai, esta disposição particular para admitir inovações entre os povos
impregnados pelo espírito grego. sem a qual o catolicismo não teria podido
surgir no império romano.
Foi à Grécia
que propagou com seus tipos poético de Prometeu e Hércules de Penélope e Antigone,
as grandes noções morais estabelecidas pela teocracia caldaica, e sobretudo
pela egípcia. Roma, por seu turno, fundando a política, universalizou esta civilização,
fornecendo-lhe, assim, seculares aplicações.
O catolicismo
foi grande porque foi romano! Só no Ocidente romano se desenvolveu a civilização
da idade-média, caracterizada pelo fim da escravatura. pela emancipação da
mulher, pela feudalidade e pela separação entre o Estado e a Igreja.
O papado achou
uma eminente ordem social creada pelo povo que conquistara o mundo, produzindo
tantas e tão grandiosas coisas, e que lhe transmitiu o seu admirável gênio e a
sua elevada moral governativa: tornou-se o herdeiro efetivo, quando, segundo a
expressão de Dante Constantino se fez grego para ceder ao papa a cidade de
Roma.
S. Paulo era
cidadão romano; seus sucessores pontificais continuaram a obra social de Roma, modificada
pela influência religiosa.
Quem foram os
primeiros papas? Homens de Estado, defensores e protetores da Cidade — romanos,
enfim!
Não foi,
portanto, segundo o Evangelho mas apesar dele, que o papado consagrou com tanta
sabedoria, todas as grandes creações do Politeísmo e do Feiticismo
desempenhando este último, na evolução, o papel
que o lastro representa para um navio.
O titulo de
glória do sacerdócio católico é não ter hesitado em vencer os preconceitos do
cristianismo. baseados no Evangelho, todas às vezes em que tratou de modificar
determinada situação, para o bem da Humanidade.
Para assim atuar,
fora possuir profundo e real conhecimento de nossa natureza. Não modificariam
tão completamente o cérebro dos homens, nem os governariam durante tantas
gerações, sem ter instituído e ensinado preceitos positivos descobertas segundo
as conseqüências realmente resultantes de nossos diversas maneiras de agir.
Deste modo
estabelecidas às normas, o sacerdócio afirmava que o Evangelho as havia
revelado. A indeterminação deste livro permite que nele se encontre o que se
desejar, mas, na realidade, os preceitos só eram percebidos no
Evangelho, depois de serem descobertos alhures.
Se
tomarmos, por exemplo, o Catecismo de Montpellier, encontraremos
um conjunto de noções preciosas sobre a natureza humana, cuja fonte mais
importante foi à confissão:
condensou-se nele uma cópia de observações em regras cheias de sabedoria,
relativas às diversas maneiras de nos
conduzirmos, quer para bem
fazer, quer para afastar os inconvenientes.
Apresenta, no entanto, em primeiro lugar, e de preferência, as razões humanas, depois Deus intervem como
complemento da sanção positiva.
No seu tratado Do Papa (1809), que é uma obra-prima, (não somos católicos, e assim
podemos julgar livremente). De Maitre,
a propósito da confissão. caracterizou tal processo com a nitidez e
franqueza que lhe são peculiares:
“Neste ponto, como em todos os
outros, que fez cristianismo? Revelou
o homem ao homem e apossou-se de suas inclinações, de suas crenças eternas e universais; descobriu os antigos fundamentos, se
limpou de todas as máculas
livrou-os das estranhas interpolações,
honrou-os com o sinete divino, e
sobre estas bases naturais,
estabeleceu a teoria sobrenatural da penitência e da confissão. E o que digo da penitência, poderia afirmar de todos os outros dogmas do
cristianismo católico; basta, porem, um exemplo;
De
fato, o romano empregou processos científicos e ensinou preceitos de moral
positiva; se os formulou, foi depois de ter descoberto a solução científica. Na sua moral, sobrenaturais não eram os
preceitos, mas a origem e sanção.
Analisando
agora as regras utilizadas pelos romanos para instituir gradualmente os
princípios da organização dos seus exércitos. verificaremos também, que a
teologia nada revelou no tocante aos processos para ganhar batalhas, embora
seja ela que sancione e coordene as regras necessárias à atividade militar.
Que longa série
de observações — combinadas com as mais sutis conseqüências, deduzidas da natureza
humana ou da situação especial de Roma — não foi necessária para construir o
código militar, que conduziu o grande povo à tão altos destinos?!
Não eram essas
regras inspiradas pelas revelações de Marte ou Júpiter, embora, naquele tempo,
assim se acreditasse, mas pela razão humana, como já agora ninguém põe em
dúvida.
Se devem
marchar aos grupos, se o temerário é punido como o cobarde, e as prescrições
sobre a coragem, prudência e constância são tão rigorosas, é que a experiência
lhes ensinara só uma disciplina desta ordem poderia assegurar, a cada um, o
concurso geral, e a Roma o império do mundo.
Terríveis foram
os exemplos de repressão que se praticaram contra aqueles cujo zelo impelia
para além dos limites prescritos pelos chefes divinamente consagrados; mesmo a
vitória, conseguida por semelhante preço, não poderia aplacar a severidade
militar, tal o rigor, para que não enfraquecessem as leis e a disciplina.
Era, contudo,
necessária à intervenção dos deuses. Há casos em que os motivos da ação não se
podem comunicar: quando se trata, por exemplo, de decidir pela esquerda ou pela
direita, ou o momento em que se deve iniciar o combate.
Sendo, amiúde,
o problema difícil e complicado, e como — a não ser que se trate de um César —
nem sempre é possível explicar os motivos da escolha, decide-se, em tais casos,
pelo faro do ofício, ou, como
dizem os artífices, pela prática; alem disto muitas vezes ainda, não convêm
divulgar as razões.
Em tais
circunstâncias, para justificar a escolha ou dispensar explicações, faziam intervir
um deus, consultando os galos sagrados. A elasticidade do processo permitia
justificar quanto se quisesse, ao mesmo tempo que reforçava a veneração dos
soldados para com os chefes.
Como não pode o
espírito teológico ser relativo sem cair no arbitrário, este sistema deveria
forçosamente apresentar desvantagens. Tempo chegou, aliás, em que estas
práticas foram consideradas ‘como superstições, e muitos espíritos superiores pensaram,
com Flaminius, que só se deviam aceitar os augúrios que fossem úteis à salvação
da República.
Quando a crença
nestas práticas religiosas desapareceu entre os próprios soldados, os galos foram
postos de parte. Hoje, não os consultam para travar uma batalha, e se o general deixa de comunicar as suas
razões, todos sabem que não é Marte, ou qualquer outro deus, quem garantira o sucesso,
mas as noções positivas resultantes da análise séria e completa da situação e
dos recursos existentes.
Com efeito, as
normas próprias para a chefia de um exército, como para a organização
católica, resultaram da observação ou melhor, de um conjunto, mais ou menos
complexo, de induções e deduções, quer considerando as conseqüências, que
derivam efetivamente dos nossos diversos modos de atuar, quer deduzindo-as do
conhecimento já adquirido, de nossa situação.
Para
consolidar este conhecimento, faz-se necessário o exame da formação gradativa
das regras gerais da moral, sob o duplo impulso do espírito positivo, ainda
empírico, e da ficção teológica.
Capitulo Terceiro
Evolução espontânea das regras gerais da moral, concebidas como provenientes dos processos
positivos mais empíricos.
Resumo
A arte moral foi a princípio
empírica. O homem, no começo, no se governa por falta de orgãos especiais. A
formação do capital fez surgir estes órgãos pela creação do velho, da mulher, e, principalmente, da cata
teocrática, que descobriu as regras morais, depois de penosos trabalhos
seculares fazendo— as prevalecer, mercê do triplo apoio da formulação, mal
grado os instintos egoístas. Moisés é o tipo de tal evolução. Importância de uma estatisca moral.
Depois de
uma evolução espontânea, mais ou
menos empírica, pode a Humanidade conceder a ciência moral e estabelecer-lhe as
bases.
Vamos
acompanhar este desenvolvimento gradual, não em seus aspectos particulares mas
analisando as regras mais gerais
que o gênio dos sacerdotes, dos
poetas e dos filósofos deduziu, após longa e profunda observação da natureza humana.
No começo, a diretriz
do homem era, apenas, o pendor do momento, que o dominava exclusivamente; comia
quando tinha fome, bebia quando tinha sede, e quando tinha sono dormia. Atuava
sob o simples impulso das necessidades,
sem outro freio que não o resultante
das exigências de sua situação.
Nesse tempo, a
sociedade humana não superava, absolutamente as sociedades animais. cuja regra
era a de tal estado.
No período
inicial da Humanidade não se fazia mister procurar preceitos morais. O homem
ainda não chegara a conhecer-se e não tinha plano regular de conduta, nem
fixidade, nem sistema de reação sobre si menos. Existem ainda sobre a terra
‘populações que nos oferecem traços de semelhante estado, e a criança sempre o
reproduz espontaneamente.
E nesta fase da
existência a infância, que o homem se mostra verdadeiramente real e divino; quebra
o prato para ditrair-se; não reconhece dever ou obstáculo, e tudo refere aos
seus imperiosos pendores.
Longos séculos
duraram esta situação da espécie humana. Ao cabo de período variável com a
situação e os antecedentes as sociedades crescem e se desenvolvem, formam-se as
línguas e os capitais se acumulam. Surgem, então, espontaneamente, algumas
regras empíricas.
O capital - palavra
admiravelmente creada para designar o instrumento por excelência, que permitiu,
de inicio, a divisão crescente do trabalho material, e, por último, a separação
dos dois poderes — tem como objetivo básico instituir lazeres, permitir a vida
teórica, e. Por conseguinte, o surto da civilização, que lhe é o resultado
fundamental.
Quando já se
não faz mistér, para mitigar a fome, cogitar no modo por que havemos de obter o
pão quotidiano; quando basta um pouco de dinheiro para adquirir os alimentos
que outros reuniram, torna-se, então, possível garantir a vida dos seres que espontânea,
mente se entregam à contemplação e à meditação. Deste modo, a Humanidade creou
o velho e a mulher. Foram eles que, levados naturalmente a refletir sobre fatos
morais recolheram e transmitiram as primeiras séries de noções desta ordem.
Mas o
estabelecimento de fórmulas abstratas, vale dizer, do ponto de partida da
construção da moral humana, só se consegue quando os capitais acumulados, em
quantidades suficientes, garantem lazeres à classe diretora, isto é, às altas
classes militares e permitem que algumas individualidades estudem os processos
de governo, sem cuidar d aplicação imediata. A casta que ia fornecer a primeira
coordenação da moral apareceu sobre a terra, e, com o sacerdócio teocrático,
nova fase começou para a vida da Humanidade.
Os sacerdotes
institui dores de todas as sociedades, não eram, absolutamente, inúteis
preguiçosos, mas funcionários sociais que, colocados à frente de um governo temporal
e espiritual refletiam sobre os regras convenientes para a direção destes seres
coletivos, objeto constante das suas meditações.
Essas
favoráveis circunstância permitiram que poderosos gênios formulassem
nitidamente, pelos documentos anteriores e por suas próprias observações, máximas
de moral abstrata, que foram vulgarizadas, graças à preponderância sacerdotal
de uma dessas línguas, cuja multiplicidade caracterizou, aliás, as primeiras
idades da espécie humana.
Constituem
essas fórmulas morais incomparáveis descobertas. Formaram-se lentamente e
estabilizaram-se com dificuldade, pois supunham um trabalho de abstração
eminentíssimo, efetuando-se no mais complicado dos assuntos, sem a preciosa
preparação lógica que só as diversas ciências abstratas podiam fornecer. Ora, este
preparo não devia preceder mas iniciar-se depois da fase teocrática.
Fora místér,
com efeito, discernir na imensa variedade
dos atos de nossos semelhantes
à parte fundamental e comum para conseguir determinar um princípio estável, atinente a cada grupo
distinto das relações humanas.
Os teocratas
tiveram que apreciar em meio dos atos determinados
pela preponderância espontânea de nossa personalidade o mal que podia ser evitado e o bem, que resultaria da aplicação de
tais preceitos.
Se nos lembrarmos de como o homem é
pouco dado a meditações,
compreenderemos os esforços que tiveram de fazer para apreciar os pendores não
pela emoção que proporcionam, mais pelas suas conseqüências sociais.
Só depois de
considerável soma de observações, após labores seculares, foi que perceberam,
tanto par, o indivíduo como para a sociedade, a vantagem de vencer as disposições
naturais o prêmio do asseio a necessidade de não roubar, de não prevaricar. Foi
assim que os teocratas chegaram a fórmulas como estas: não matarás; não furtarás;
não praticarás o adultério; não
farás a outrem o que não quizeres que te façam a ti!
São esses famosos preceitos a
característica de uma sociedade mui desenvolvida. Era impossível regrar a
natureza humana antes de lhe ter observado as manifestações espontâneas, mas
cumpria, também, submetê-la a costumes contrários a seus impulsos preponderantes.
A máxima — honrarás pai e mãe — foi instituída
por uma espécie, cujos primórdios consistiam, não em honrar os pais, mas em
comê-los, quando havia fome. A regra - não furtarás — é contrária à tendência espontânea
do homem, perfeitamente observável nas crianças e nas populações primitivas, de
se apropriarem de quanto lhes desperta o desejo: o homem como os animais, é larápio
de nascimento.
Faz-se
necessário um progresso inaudito para que um individuo faminto passe pela casa
de um pasteleiro, sem que entre para furtar bolos; uma criança não hesitaria
tanto, porque não percebe as conseqüências do seus ato e não tem preconceitos.
Se dois milhões
de parisienses esperam a hora do jantar para satisfazer a fome; se no rude
inverno de 1794 os proletários de Paris,
embora armados e onipotentes, aceitaram o jejum cívico e se deixaram morrer de
fome, aos milhares, para a salvação da Pátria – tornamos a vê-los tão heróicos
em 1870, durante o sitio de Paris – foi pelo resultado assombroso do poder da
Humanidade.
Por pouco que
queiramos refletir sobre estes fatos, vetemos a prodigiosa sucessão de poder de
perseverança e de gênio necessária para incutir tais fórmulas morais e conseguir a sujeição geral.
Quais foram às
propriedades dessas formulas de ética que permitiram semelhantes resultados?
Determinando a meta com rigor, formam a base da consciência e da opinião
pública e fornecem, a cada qual, o meio de reagir sobre si mesmo e sobre os
outros.
A utilidade
máxima da formulação consiste em constituir o capital moral de nossa espécie,
garantindo, assim a continuidade e fornecendo a direção que convêm ao governo
da natureza humana. Enunciando grandes coisas em poucas palavras, para sua mais
fácil lembrança torna transmissíveis os resultados da experiência do passado, e
faz gratuitamente todos os homens participarem dessa herança moral.
A segunda
vantagem da formulação é constituir a base da consciência: permite que o homem
reaja sobre si mesmo e se governe, conciliando a subordinação e a dignidade,
porque, submetido aos preceitos morais, deixa de ser escravo de seu semelhante.
A lembrança da fórmula atua como contrapeso em face do cego movimento que nos
leva a satisfazer os próprios desejos. A reação graças ao ponto de apoio que
nos fornece, é retardada pela previdência, ao enves de suceder imediatamente ao
impulso.
Enfim, a
formula é de uma utilidade incomparável nas mútuas relações dos homens e nas
lutas que podem provocar. Quando os princípios morais são aceitos por todos, de
maneira idêntica. Constituem um terreno comum, um ponto fixo de debate e ação
recíproca. É justamente por isto que todas as regras aproveitam aos fracos, protegendo-os
contra as violência dos fortes, e servindo para apreciar, julgar e corrigir a
conduta destes últimos.
Compreendendo
bem a importância dessas máxima atribuíram-nas primeiramente aos deuses, e a
sua força é tão grande que um único ser pode condensar todas as vontades na
sua, invocando a formula comum para reagir contra todos os infratores!
Tal é o mais
precioso resultado da formulação, pois, assegurando o concurso das vontades,
constitui a base da opinião pública, a verdadeira rainha do mundo, o mais
formidável dos poderes sociais, aquele aonde se vem quebrar, irremediavelmente,
as creações mais rígidas.
A tripla
utilidade dessas formulas resume-se na substituição crescente da força material
pela força moral.
Constituem
essas três grandes normas morais, que ainda governam sociedade, a mais importante dádiva da
teocracia egípcia, de tanta influência sobre a civilização. Foi ela que
forneceu á teocracia judaica as formulas do Decálogo, que o catolicismo
incorporou á sua moral. Por isto, com muita justiça. Augusto Comte erigiu em
dever permanente a comemoração pública dos serviços prestados por esse
pequenino número de espírito de escol, sem os quais nunca a espécie humana
teria podido distanciar-se tanto das sociedades dos grandes macacos.
Não nos conservou a história os nomes dos
sacerdotes de Menfis ou de Tebas, creadores de tais fórmulas; destarte. no
Calendário Positivista foi
Augusto Comte levado a representar essa fase principal da civilização por Moisés,
o tipo mais conhecido dentre os
teocratas. Seu nome, para nós, deve resumir toda, evolução moral
básica, sem olvidarmos, porem, que, no caso, como mulheres, o ‘homem foi,
apenas, ministro da Humanidade porque só ela instituiu e gradualmente aperfeiçoou as regras morais, para
que fossem empregadas em seu
serviço.
Poder-se-ia, a tal respeito empreender um trabalho de grande utilidade: a
estatísticas das regras morais nos diversos paises, com as diferenças e respectivas
tonalidades, historiando sua origem entre os diversos povos e a lenta evolução pela qual, pouco a pouco, elas
se foram constituindo.
Surpreender-se-iam assim, os processos positivos ou científicos de
investigação, mediante os quais a Humanidade creou, gradualmente, com o amparo
provisório do teologismo, as regras gerais da sabedoria comum, próprias para o
governo da natureza humana.
Capitulo Quarto
Papel
da Moral Teológica.
Resumo
- A
moral teológica foi útil. Para a estabilidade das regras morais, tornava-se
indispensável um Ser Supremo que primitivamente so
podia ter existência ficticia. São Paulo e Maomé eram sinceros; por não poderem analisar as suas operações
mentais, referiam-na a Deus. Semelhante ficção era inevitável. Essa mesma necessidade
inspirou a creação do Politeísmo. No teologismo, os seres fictícios sancionaram
as regras morais, a principio sobre a Terra e depois no Céu. O catolicismo romano marca o apogeu da
moral teológica; reconhecê-lo é a característica da plena emancipação. A moral
teológica foi um meio de conservar os progressos morais.
Dissemos
que a moral teológica apresentava, apenas,
a realidade fornecida pelas observações e relações positivas, por ela
encorporadas, sem jamais ter podido demonstrar o verdadeiro papel da revelação.
Uma vez
assim provada a influência do espírito positivo nestas descobertas, cumpre ora
insistir, mais particularmente, sobre as condições que tornaram amoral
teológica necessária, por ser indispensável uma doutrina teológica concebendo
os fenômenos morais como resultantes da continua intervenção sobrenatural.
A fim de
preencher o conjunto das condições de ação e reação enunciadas, para com os
homens e a sociedade, mistér se tornava que as formulas morais fossem estáveis,
quer dizer, persistente e homogêneas. Claro é que se as regras fossem
suscetíveis de modificações muito contínuas, a moral correspondente pareceria
duvidosa e incapaz de as enérgicas paixões, constantemente despertas.
Do mesmo modo,
era indispensável que essas diversas regras não constituíssem um conjuto
discordante, mas, ao envés, se prestassem mútuo apoio, concorrendo para o fim
idêntico, Ora, essas duas condições exigem que a moral derive de uma autoridade
superior, sem o que não haveria deveres.
A fórmula creada por um indivíduo não poderia ser aceita pela
totalidade dos homens, porquanto era possível ao seu autor arrogar-se o direito
de modificá-la ou destruí-la à vontade. Além disto, os outros seriam,
naturalmente, levados a reivindicar o mesmo privilégio, sempre legitimo porque,
não havendo bem sem inconvenientes, nem
mal sem algum proveito, a sociedade,
por demais complexa permitiria sustentar todas as pretensões.
Não basta,
portanto, afirmar que as regras foram descobertas por alguém para que sejam
ratificadas, tanto pelos que se
devem submeter como pelos, instituidores. Cumpre, a principio, julgá-las
emanadas de uma potência mais
forte, anterior ao indivíduo, que as decrete, consagre e sancione.
Faz-se ainda
necessário que os graus sucessivos se encadeiem, o anterior preparando o
seguinte e sendo, em troca, consolidado por ele, excluída a possibilidade de ficar a existência
dos indivíduos em contradição com a do
Sêr Supremo, que os domina.
Onde, no
início, essa suprema potestade indispensável à constituição moral? Sabemos,
desde Augusto Comte, que a coordenação e consagração da ética só adquirem a
estabilidade e a plenitude de que são suscetíveis, reportando-se à Humanidade
nossa própria existência e a ordem fatal que nos domina.
A ciência abstrata
só muito tarde conseguiu descobrir, em si mesma, a origem e o
destino gerais e verdadeiros de todos os sentimentos,
emoções e esforços. Mas, de
começo, não podiam as noções cientificas, embora reais, estabelecer um todo, e
o espírito coreespondentes, permanecendo dispersivo, não apresentava
generalidade em seus principies e nobreza suas aplicações.
A suprema
existência, aliás ainda insuficientemente caracterizada, não podia ser
determinada nem conhecida. Se este ser, porém, ainda era desconhecido, não
cessava o coração de adorar ou temer tal potestade, cuja existência se manifestava
por inúmeras provas, e a razão de encará-la como indispensável à constituição moral
do gênero humano.
O Ser Supremo
foi, por isto, representado por seres fictícios, fetiches ou deusas, cujas
vontades eram reputadas como prescribentes dos princípios da moral, Os mandamentos,
revestidos de razões puramente humanas, não
teriam sido aceitos, por falta de demonstração regras formuladas. Essas
vontades foram concebidas como absolutas.
Dever-se-ia
acreditar que as regras emanavam de um Ser Supremo, cuja irresistível preponderância
tornasse inteiramente inúteis todas as discussões, porquanto essa bem podiam
determinar dúvidas inevitáveis no delineamento empírico dos princípios, de
ética. Com o tempo, emprestar-se-ia aos atributos da divindade onipotente a
moral.
Este processo
arbitrário de conciliação permitiu apresentar as imperfeições como incompatíveis
com a suprema existência: figuravam das contradições
aparentes que se deviam à nossa inferioridade mental, mistérios cuja visão
perfeita os eleitos haviam de ter algum dia.
Só pela creação
de um deus único, entretanto, pode o espírito teológico, já com a sua perfeita
generalidade, satisfazer semelhante sistematização. Dai por diante, todas as
regras relativas ao mundo e ao homem são concebidas como provenientes de um
para um e por um só e mesmo deus.
Fornecia assim o
espírito teológico o único processo suscetível de coordenar e prescrever o
conjunto empírico dos deveres espontaneamente positivos. Eis por que, mau grado
seu caráter provisório, ele se mantém sem competidor até o aparecimento do
Positivismo.
Essa maneira de
apreciar o espírito teológico muito nos distancia das criticas injustas e
irracionais de Voltaire sobre o
catolicismo e o islamismo.
S. Paulo e
Maomé faziam apenas crer ou acreditavam na realidade das revelações, cujos
resultados pregavam? Não somos
dos que julgam estes fundadores de religiões insinceros; o fato pode dar-se com
ministros de uma religião em decadência, mas não em seus primórdios.
Se temos
certeza (e eles mesmos o afirmaram) de que César e Frederico não acreditavam em
Deus, a fé animou, necessariamente, os fundadores e os primeiros apóstolos de
todas as grandes construções religiosas. A nosso ver, S. Paulo e Maomé
pertenceram, sem dúvida, ao seu tempo: estavam sinceramente convencidos da
realidade da intervenção divina.
Naquela
época, a ciência só oferecia materiais. S. Paulo e Maomé, portanto, só podiam
pensar por intermédio do espírito teológico, que, naturalmente sintético, era o
único a oferecer processos gerais de raciocínio próprios para persuadir,
fazendo que prevalecesse a reforma geral por eles concebida. Mas, se nos é evidente
a sua sinceridade, não duvidamos também de que so tenham eles atuado sobre seus
contemporâneos e as seguintes gerações por terem, em relação à natureza humana,
noções positivas, que sempre foram inacessíveis, como não seria necessário
dizer, a qualquer divindade quimérica.
Era inevitável
a crença na revelação, O trabalho cerebral que precede ou acompanha a
descoberta, mormente quando se refere a questões tão graves e tão complexas
como as que suscitam a moral e a política, adquire tal intensidade que, no
insulamento indispensável à tão altas meditações (em meio de uma infinidade pensamentos
e sentimentos) as alucinações são quasi inevitáveis.
Acham-se
os espíritos superiores, nesses casos, sob o império de grande exaltação; as
impressões visuais e auditivas tornam-se-lhes tão fortes, que as confundem com
os próprios seres; a imaginação corporifica-se, torna-se realidade, e acabam acreditando
na presença real do Ser Supremo, que os domina.
Ficam,
então, muito próximos da loucura, e o desastre pode mesmo sobrevir.
Desaparecida, entretanto, a exaltação, sem que tenha havido prejuízo do aparelho cerebral, as convicções saem da crise firmes e irrevogáveis. S. Paulo e Maomé
tiveram alucinações de semelhante natureza, mas, sem conhecerem a teoria positiva,
explicaram estes êxtases pela intervenção de um Deus, que assim lhes revelava
os seus desígnios.
Esse
Deus, ao qual atribuíam o resultado de suas meditações, era o próprio S. Paulo, ou o própria Maomé,
sob a influência de viva e passageira excitação moral. Sabemo-lo hoje, que substituímos
inteiramente a noção de vontade sobrenatural pela de lei positiva.
Esta
concepção teológica mostrar-se-ia tanto menos evitável quanto mais remontássemos
às primitivas idades de nossa espécie, porque, então, os homens apresentavam,
entre si, relativa igualdade mental e moral. As suas diferenças de espírito e
de sociabilidade teen aumentado consideravelmente com o decorrer dos séculos.
As
vastas concepções, que tão prodigiosamente iluminaram o celebro de um S. Paulo
ou de um Maomé, e que tornavam estes grandes homens estranhos a si mesmos, eram
tão superiores às noções vulgares, tão distintas delas, que só uma origem
divina podia explicar tal singularidade, na opinião dos seus contemporâneos.
Como teriam sido eles capazes
de compreender as razões positivas dessas transformações religiosas, quando, por
falta de um análise prévia,
então impossível à demonstração escapava aos seus próprios autores?!
Os cristãos,
que tão erroneamente se vangloriam, com exclusão dos demais, de ter moral
completa e perfeita, esquecem-se de sobejo que não foram os primeiros a existir.
Houve, antes deles, os politeístas,
de que foram herdeiros ainda
que ingratos.
O
regime teocrático constitui, sobre os fundamentados pelo Feiticismo, que é a
religião primordial da nossa espécie, a moral da Humanidade. Depois, o
Politeísmo progressivo, ou greco-romano, aperfeiçoou essa moral, instituiu a
ciência abstrata e fundou a unidade política do Ocidente.
Os
politeístas tinham fé nas suas divindades e eram sinceros pelos mesmos motivos
sociais que os seus sucessores católicos. Quando Sto. Agostinho escreveu a
Cidade de Deus,
pode, facilmente, demonstrar espírito forte e ridicularizar a religião de seus
pais e a sua supersticiosa confiança na proteção dos gansos do Capitólio, mau grado a impotência deles contra os
bárbaros; ou, ainda, nos deuses porteiros, que, nem ao menos, evitavam as despesas
com a guarda.
A despeito
dessa fatuidade dos doutores católicos, não se pode duvidar de que, durante
vários séculos, foram os romanos o povo
mais piedoso da Terra, estando
convencido de que o sucesso das batalhas e o império do mundo dependiam da vontade dos deuses.
O grande
César, que era descrente, não desdenhou escrever um tratado de direito augural,
ou pretende o cargo de grande-pontífice de Vesta, e, naturalmente, evitaria
ostentar a sua incredulidade diante das legiões; cuidava das suas crenças sem delas participar.
O
consul Cláudio Pulcro, voltairiano do
tempo sofreu as desvantagens desta situação, porque foi, vencido na batalha
naval de Drepauo, pela sua impiedade. Aconselhando jogassem ao mar os galos
sagrados, que se recusavam, a comer, para assim forçá-los, pelo menos, a beber,
enfraqueceu a coragem aos guerreiros, que se julgaram, destarte, desamparados
pelos deuses.
Este
episódio bem mostra quanto os romano se, achavam persuadidos de que a maior
contribuição para a segurança e poder de Roma não era a sabedoria e a capacidade
dos seus generais, mas a sua escrupulosa e
exemplar submissão aos deuses!
As
zombaras de Sto. Agostinho era ao mesmo tempo, injustas e irracionais. Dominado em excesso, na sua apreciação do
passado, pelo espírito revolucionário, e considerando apenas o dogma, numa civilização
em que tudo se influenciara pela mais nobre atividade social, fez para com o politeísmo
o papel que Voltaire desempenhou, mais
tarde, em relação ao catolicismo. Este o reverso inevitável do espírito critico: não
se obtém dos filhos o respeito que se não teve para com os país.
Os
gracejos de Sto. Agostinho e de Voltaire tiveram êxito, alias, porque
escarneciam religiões que já se achavam esgotadas. Dizem que o ridículo mata...
É certo! Mata, porém, os que já estão morrendo. Não vale para os que vivem! Pode afirmar-se, por exemplo, que
jamais o ridículo entravará o progresso científico: quando surte efeito,
prenuncia a morte.
Essas mesmas vontades superiores, que parecia prescreverem
as regras da moral, também formulavam, meio de punições e recompensas, a sanção
sempre fatal, como a supõem todas as sociedades divinamente constituídas. Quem manda
é Deus, quem castiga.
Quando o homem ainda se mostra inteiramente escravo dos seus
interesses pessoais, o único obstáculo a sua satisfação é o freio teológico,
que impõe a virtude pelo terror, processo renovado em nossos dias, pela ferocidade de Robespierre.
Impotentes, os homens encarregavam os deuses de punir,
durante a vida e na pessoa dos descendentes, os maus filhos, os traidores e os
rebeldes que violassem as prescrições da divindade.
Manu,
Moisés e Confúcio, os mais antigos legisladores religiosos da Humanidade limitaram
a recompensa ou, punição á Terra; por toda à parte, a sanção é direta e
estende-se do pai aos súditos.
Semelhante sanção, embora sempre precária com o dogma
teológico, impõe-se quando a fé é perfeita e geral. Já notamos que a confiança
inspirada pelos deuses, no período correspondente
à civilização militar, contribuía para o sucesso dos combates, excitando
na alma doe soldados o entusiasmo e
um respeito absoluto aos
chefes, que se tornavam os
intérpretes, e agentes da divindade.
Bastava, então, predizer uma coisa para que da
acontecesse. Se o general travasse batalha antes de consultar os galos
sagrados, a derrota seria a consequência da sua falta para com os deuses.
Aceitável enquanto
a fé se mantém vivaz, a sanção
teológica puramente terrestre torna-se insuficiente logo que as crenças sejam abaladas pelo desacordo crescente entre os
fatos e as regras divinas.
Se fizerdes
o bem, dizia a lei, “vivereis longamente feliz, e Deus bem-dirá a vossa posteridade ate a terceira geração’: e muito
amiúde, pelo contrário,
viam-se, com grande escândalo da
razão humana, premiados os maus e
os bons perseguidos; e sem que se
levasse em conta méritos e deméritos, cegamente repartidos o bem e o mal.
Para fortalecer os
justos e conta os perversos, dever-se-ia procurar coisa diversa
desta sanção puramente terrestre, que a triste experiência assinalava como
insuficiente e contraditória: foi assim desviada da Terra e transportada ao céu, para uma vida futura, fictícia e
eterna.
Desde então, a regra emanou de um Ser Supremo e infalível, com o qual não há que discutir; ser que vigia, em pessoa, a observação das suas
vontades e as sanciona por
prescrições imutáveis e fatais: aqui, ou na outra vida, o homem será, inevitavelmente, e para a eternidade
recompensado ou punido.
Seja este estado final o nirvana búdico, a ressurreição
corporal dos judeus ou a abstrata imortalidade grega, o processo permite manter a ilusão
de que cada qual há de obter um dia, pessoalmente a justiça merecida.
A sanção teológica foi empregada com sabedoria pelos diversos sacerdócios; o regime mais admirável, porém,
que ela consagrou, o que mais decisivos
resultados produziu, foi o catolicismo.
Combinando a imortalidade da alma com a ressurreição
corporal, a vida futura foi sistematizada de forma que pudesse garantir a independência do seu sacerdócio, e,
por conseguinte a separação dos dois poderes, até então reunidos nas mãos do
Estado.
Falando em nome de uma divindade cujos decretos
sempre necessitavam ser adivinhados ou interpretados, ameaçava o padre os
potentados com o inferno ou lhes prometia
o céu, acrescentando porém, aos preceitos sobrenaturais, uma série de razões
humanas, que constituíram a força do catolicismo.
O problema da natureza
humana foi estabelecido por S. Paulo. O sacerdócio, por ele instituído, estudou e analisou, com incomparável
sabedoria o estado
mental e moral dessa natureza; a sua educação severa, arrazoada,
procurou limitar o que de vago
e arbitrário existia no dogma. O sistema católico nada deixou de indeterminado; das
mais vulgares noções as mais elevadas,
tudo se concebe e se combina de jeito, a guiar o homem do nascimento à morte,
ligando-o irrevogavelmente ao processo que o formou, mau grado as passageiras variações.
O seu governo multi-secular atesta o valor intrínseco dessa obra-prima política
do espírito humano.
A organização de um poder espiritual independente,
tendo por missão esclarecer e consagrar o poder temporal, foi à primeira
tentativa sistemática de conciliação entre a liberdade religiosa e a dependência cívica.
Importa-nos a nós, filhos da Humanidade, superar em todas as apreciações do
passado, as emoções suscitadas pelos debates
do presente.
Este audacioso projeto da estabelecer a distinção,
dos dois poderes, na teologia, malogrou, de fato, afinal; mas, descobrindo as
condições necessárias à estabilidade de uma separação, que constitue a base do regime
republicano, fez-nos perceber que ela só poderia ser perdurável entre um regime
industrial e um sacerdócio cientifico.
O sacerdócio católico chegou, sem embargo das
virtudes pessoais de grande parte de seus chefes, a autorizar e justificar
todos os atos de quantos se associassem à sua obra, mormente em se tratando
de poderosos: e este fato é incontestável. Mas, não nos devemos esquecer de que
esse mesmo sacerdócio, esforçando-se
por tornar relativa a moral teológica, permitiu que mais precisamente se
conhecesse a inexistência de regras absolutas, e também que apenas sob a direção
do espírito cientifico é que se deviam procurar as noções
inflexíveis em Princípio e justamente modificáveis
na aplicação.
Seríamos ainda injustos, se em sua obra víssemos
somente a ganga teológica, mercê da qual se conservaram tantos resultados preciosos,
e que hão de permanecer como o título de glória do catolicismo da idade-média.
Como cidadãos emancipados, tenham, profundo
respeito e admiração por essas belas naturezas sacerdotais, que souberam refreiar
o egoísmo e garantir livre surto ao altruísmo fazendo de povos bárbaros e de uma
população desmoralizada pela falta de
escopo social, sente honesta, devotada e digna da liberdade
moderna.
Tal
foi, na constituição, moral
da Humanidade, o papel do teologismo.
Nada descobriu, mas, incorporando, por coordenação, e sanção provisórias, as
descobertas especiais e empíricas do espírito positivo, deu vagar aos diversos elementos da
moral cientifica para que se desenvolvesse,
ate o dia em que Augusto Comte percebeu na sua imensa variedade, o principio da
sistematização definitiva, que so no estado normal poderia surgi.
Capítulo Quinto
Papel
da moral metafísica ou democrática
Resumo:
O crescente desuso da moral teológica,
que se caracteriza pelo advento
dos reformados e dos espíritos fortes, tendo como precursores os templário, exigiu
uma operação crítica, cujo órgão foi
a metafísica. A moral correspondente tem por principio a consciência e por sanção
os direitos. A doutrina democrática,
cujos perigos a vida de Rousseau
tão claramente demonstra, é há um tempo
falsa, contraditória e anarquia. Falsa, porque a consciência resulta da educação, não na dirige; contraditória, porque a
teologia, cujas conseqüências ela repele, acha-se, entretanto, encorporada a
seus dogmas essenciais; e, finalmente, anárquica, porquanto a inexistência de governo é o seu limite normal. A conseqüência do predomínio científico será rejeitar a solução metafísica.
Apoiada, apenas, na revelação, a moral não podia
dirigir eternamente a espécie humana.
Sob o predomínio teológico, o valor da moral decorria
do valor do sacerdócio; por isto mesmo, enquanto nas questões políticas e
morais, este se guiou pela razão positiva, pode e, necessariamente devia dirigir
os homens. Mas quando a ciência faltou, findou-se-lhe a supremacia. Com doutrina
teológica pura, os recursos do sacerdócio ficam limitados a simples ficções e a empirismo cada
vez mais impotente. Assim, a sua competência e autoridade começam a ser
discutidas, e ele deixa de governar.
Quando o clero católico se tornou incapaz de conservar
a chefia do movimento intelectual e moral, perdeu a metade dos ocidentais,
arrebatados pela corrente revolucionária, da qual a Reforma foi um dos produtos
secundários. Ora, os católicos e os protestantes se assemelham: à primeira
vista, nem há entre eles apreciáveis diferenças, Os protestantes não se conduzem,
em geral, pior do que os católicos, e, como estes, contaram, em suas fileiras. Homens superiores
sob diversos aspectos, moralistas poetas filósofos, sábios e estadistas.
Apoiada, apenas, na revelação, a moral não podia
dirigir eternamente a espécie humana.
Pretenderam os católicos que a eficácia da sua moral
(para eles a única possível) provinha exclusivamente da imutabilidade característica
de todas as instituições divinas
- A experiência, que é decisiva,
demonstrou mal grado tal pretensão, a possibilidade de se ser homem de bem e
vulto eminente com outros processos teológicos.
O absoluto ficava, assim, prejudicado. Além disto,
Deus não sendo demonstrável, uma vez a fé abalada, extinguiram-se todos os
recursos. Seu desaparecimento, desde aquela época, era simples questão de
tempo.
Com os anos, surgiram, efetivamente, espíritos
mais fortes do que os reformadores protestantes, os quais, apesar dos perigos e
insultos, perceberam poderíamos, sem maiores desvantagens, eliminá-lo de todo,
uma vez que já estávamos, em diversos casos, desembaraçados do absolutismo,
teológico, sem graves riscos morais. Foi o que, na verdade, se deu depois das comparações e reflexões resultantes do contacto de crentes heterogêneos.
Essa reação social esclarece um fenômeno histórico que, por sua
precocidade permaneceria, inexplicável se nos aferrássemos à opinião dos que
atribuem ao protestantismo a iniciativa de uma reforma, de que foi, entretanto,
mero resultado. Referimo-nos à emancipação dos templários.
Observou Augusto Comte que, do contacto das duas
religiões antagônicas, haviam saído os primeiros incrédulos, e foi logicamente
que, no romance de Ivanhoe, o assombroso gênio de Walter Scott fez um ateu do
templário Brian de Bois-Guilbert,
aliás, a única personagem sincera
de sua epopéa.
Nas lutas que do VII ao XV século, multiplicaram
as relações entre os cristãos e
os muçulmanos, os espíritos superiores
do Ocidente como católicos, viam nos
sarracenos pagãos votados ao castigo eterno, mas, como homens estimavam neles os adversários
nobres e generosos, os Guerreiros hábeis delicados artistas sábios audaciosos e
profundos, estadistas animados
do mais constante devotamento social.
Se essas duas crenças inconciliáveis eram suscetíveis de produzir personalidade, tão eminentes, perguntava-se de ambos os
lados, qual seria a melhor religião, e, por fim, se qualquer delas era necessária.
Dai nasceu
sucessivamente, a tolerância, o deismo e, afinal, o próprio ateísmo. Puseram Jesus Cristo e Maomé no mesmo cabaz. Entre os espíritos de escol não houve
mais nem muçulmanos nem cristãos,
e viu-se surgir em ambos os campos esta classe espantosa de chefes que aspiraram sem deus nem rei,
ao governo da Tetra.
Cumpria de então por diante por diante, procurar a
solução do problema da unidade do gênero humano fora dessas duas religiões
ambas falando em nome de um deus único, igualmente incapazes
de supremacia e de eternidade.
Havia mesmo necessidade urgente de substituir o catolicismo, pois, em virtude
da insuficiência sacerdotal, o abalo se estendia da fé teológica, as próprias verdades morais; de sorte que, para conservá-las, se exigiam nova
ordem e sanção nova.
A essa dissolução espontânea juntava-se a influência
da nova atividade industrial e do desenvolvimento do espírito positivo. Como
este último é progressista e o teológico imutável, crescia também a heterogeneidade
entre a doutrina geral, que permaneceu absoluta, e as pesquisas especiais, de
natureza científica.
Claro é que, em semelhante estado, não persistia o espírito humano em sua crença na
realidade e utilidade da antiga direção espiritual e, por outro lado, o
desenvolvimento do espírito positivo atingiria necessariamente a sua plenitude,
tornando-se, enfim, capaz de substituir inteiramente a teologia, segundo moral positiva
mais completa e seguida mais a rigor do que a antiga.
Enquanto, porém, o espírito positivo não atingisse
a generalidade, que, exclusivamente, podia facilitar-lhe a fundação da
sociologia, o preparo dessa nova
legislação moral, tornando inúteis os mandamentos teológicos, devia permanecer como movimento
despercebido.
De outra parte, a teologia, por seus entraves, ameaçava agravar o
atraso causado a esta generalização, falta
ainda de materiais bastantes e apreciações, metódicas.
Era, portanto necessário uma demolição prévia.
Ora, o espírito científico, que sempre procede por afirmações demonstráveis e substituições
contínuas não podia, por si só, prover neste
caso. Ainda se não achava suficientemente, preparado para, às suas
conquistas matemáticas e astronômicas, acrescentar o mundo social e moral e,
além disto,
não possuía o espírito crítico indispensável,
embora secundariamente a todas as demolições. Uma doutrina transitória era, por
isto, oportuna.
Sob o impulso científico, nas mutações que, em tempos
anteriores, anteriores, haviam assinalado o desenvolvimento do espírito, humano, já interviera essa
doutrina. Servira metafísica de órgãos aos teóricos gregos que, de Tales a Aristóteles,
arrebataram aos deuses a explicação dos fenômenos da física celeste e terrestre.
Os aristotélicos da idade-média utilizaram-na
de novo como processo lógico depois, com energia crescente, os diversos
reformadores protestantes, de Lutero Socino, estenderam-lhe o domínio até à
própria moral, cujas diversas noções metafisicamente concebidas, foram
sistematizadas no século XVII por Hobbes
e Spinoza, mais eminente, pais da igreja democrática.
Foi assim que surgiu a moral metafísica, servindo
de instrumento à pura demolição e tirando as conseqüências negativas e
revolucionarias da emancipação orgânica, resultado do surto gradual do espírito
positivo.
A ética metafísica concede os fenômenos morais como
efeitos, aliás incompreensíveis, de um ser abstrato, próprio de cada homem - a consciência
– considerada como órgão direto de uma vontade superior —a Natureza.
De acordo com esta doutrina, e a consciência que
desperta, explica e justifica todas as ações do indivíduo.
Nos assuntos mais complicados, como nos mais simples, ela nos ensina, por inspiração e sem
pesquisa ou análise prévias, como devemos guiar-nos e quais os preconceitos e
os hábitos que devem prevalecer.
Para ser perfeito, basta ao homem obedecer, em tudo e por tudo, a consciência, harmonizando
a sua conduta com o que lhe prescreve o seu interesse bem entendido. O conjunto das condições
necessárias à independência do indivíduo formulou-o a teoria do direito anterior, mais
elevado, inalienável e imprescritível.
Tal foi à concepção que supriu a evidente
incompetência do público, permitindo-lhe lutar, com maior facilidade, contra
abusos que se haviam tornado insuportáveis, porquanto, julgando a situação presente pela comparação
direta ao estado primitivo imaginário,
chamado estado de natureza, podia tornar-se livre de todas as tradições, cuja invocação constituía o mais poderoso argumento para a mantença do regime
opressor.
Ordenam a moral teológica e a autoridade real atos
repugnantes ao coração e a razão? !Invocar-seá o direito e só se obedecerá à
consciência! Por espontâneo e cômodo este processo teve 9rande valor
como instrumento de luta e demolição, e tão bem desempenhou o seu papel, neste particular, que as
diversas nações ad-dentais o adotaram e o puseram em prática.
Sendo essa doutrina, porém, de si mesma pueril e
incapaz de fornecer soluções reais, não satisfaria indefinidamente. Por
arbitrária, so permitiu
derribar as noções teológicas, estabelecendo a anarquia. Por contraditória mostrava-se maculada pelos inconvenientes da teologia e, se devera perdurar melhor seria o catolicismo.
J. J. Rousseau, que é o mais popular dos vulgarizadores do dogma revolucionário, oferece o tipo dos perigos desta
concepção da natureza humana. Na Profissão de fé do vigário saboiano, expõe da seguinte maneira o princípio, com todas as contradições
que o caracterizam: ‘Consciência! Consciência! Instinto divino, imortal
e celeste voz; guia seguro dos seres ignorantes e estreitos, mas inteligentes e
livres; infalível juiz do bem e do mal,
que torna o homem semelhante a Deus! E´s tu quem fazes a excelência da
sua natureza e a moralidade das suas ações Sem ti nada sinto em min que me eleve acima dos demais a não ser o triste privilégio de me extraviar de erro em
erro, com o auxilio de um entendimento desregrado e de uma razão sem princípios!”.
Sob semelhante inspiração J. J. Rousseau pos seus cinco filhos nos Expostos e caluniou os maiores homens
do seu tempo, que havia, sido seus amigos e bem-feitores. Foi, em suma um péssimo sujeito porque aplicava
os seus Próprios Princípios.
Se a consciência
inspirasse tudo o que cumpre
penar e fazer por toda a
parte só
haveria gente de bem se o
não fosse a culpa não lhe
poderia ser imputada Tal, porém, não se dá. A Conciência não é absoluta,
mas, relativa aos tempos e lugares sem arbitrário. É, a princípio, ação natural para o homem
comer seus semelhantes cozidos ou mesmo crus,
ainda não manifesta ele
a noção do justo e do injusto. Tem necessidades que satisfará se preciso for à
custa de seus iguais e com uma tranqüilidade de consciência que indigna a dos
descendentes.
Em Paris,
sitiado e esfaimado, não devoramos
os nossos concidadões, nem pensamos nisto. No Ocidente, essa repugnância
atingiu tal intensidade que, de moral, se tornou puramente fisiológica: os
nossos próprios estômagos recusam-se a semelhante alimentação.
Que é, pois, consciência? Resultado complexo da atividade cerebral, modificada pela civilização,
a consciência representa o conjunto dos preconceitos ou disposições, que se
tornaram em hábito.
Produto da Humanidade, varia de acordo com as próprias
leis da sua evolução. Longe, por conseguinte, de ser a inspiradora de nossa
conduta e a educadora por excelência, a consciência deve formar-se com o tempo,
e o seu desenvolvimento é o grande destino da educação.
O principal dever do pai e da mãe é preconizar a
criança as regras da moral, sob a forma de hábitos primordiais e
preponderantes, de tal sorte que, em não satisfazendo uma dessas disposições,
ela sinta remorso.
Pelo número dos preconceitos que os dirigem é que se
julga da elevação moral dos indivíduos e da sua elevação social, porque, quanto
mais o homem se civiliza, mais preconceitos adquire. Os negros poucos possuem;
os animais selvagens desconhecem-nos absolutamente.
Por
preconceitos é necessário
entender os hábito ssucetiveis de demonstração, o que, vale dizer que há
preconceitos e preconceitos... Assim. É preconceito progressistas não comer
carne de homem, cavalo ou cão; pelo contrário, é preconceito retrógrado pensar
que a crença teológica faz a moralidade, ou que as consagrações cívicas devem fazer-se sob
os seus auspícios. Distingui-lo uns dos outros, eis o oficio da ciência
moral;fazer que prevaleçam os progressistas, eis o da educação.
A moral metafísica na mais é do que simples
alteração da teologia, que ela arruinou por lhe ter aumentado as contradições.
Transporta a moral metafísica do papa as
consciência, em geral, os privilégios de revelação e de infalibilidade, opondo,
destarte, a autoridade individual a instituição católica do papado, interprete
de uma vontade superior, pessoal em teoria mas, de fato, coletiva genérica, Só
o representante de Deus tinha
direitos, cuja origem sobrenatural o dispensava, a um tempo, de afeição e de
razão; à moral metafísica estende esse monopólio a todos.
Graças a semelhantes direitos e privilégios, cada
individuo, transformado em papa-rei, se torna competente em tudo, sem nada ter
aprendido, e igual
a todos os outros
homens.
Todo o católico possuía um anjo da guarda, que
pela revelação particular, o compelia ao bem
e o desviava do mal; ela conserva a função, mas espiritualiza-lhe de tal
maneira o órgão que o transtorna numa entidade, a consciência. Como a consciência
se acha em relação direta com a divindade, toda a hierarquia sacerdotal se
torna inútil; mas, embora continua a falar em nome de Deus, suprimindo, em
principio o sacerdócio que lhe moderava os perigos morais e sociais, a metafísica
conservou, todavia, religiões de Estado, cujos ministros e juizes, seus meros
agentes, corrompeu em troca do pão quotidiano. Mantém a crença numa vida futura,
sobrenatural, porque não valeria a pena cumprir o dever se com isto nada se
ganhasse; mas suprime os castigos, conservando apenas as recompensas, o que,
com efeito, é muito agradável para os que não querem morrer.
Como a teologia, ensina que o homem aperfeiçoado
pela civilização é um ser corrupto, decaído de um primitivo estado de natureza,
que substituiu o Paraíso terrestre, onde todos os homens eram livres e iguais.
A perfeição consistiria em voltar a tal estado. Se fizermos abstração de alguns
impostores, que tomaram o lugar da, serpente tentadora neste estado de
natureza, jamais a superstição, a corrupção e o mal teriam entrado no mundo.
Por esses poucos dogmas, podem julgar-se todos os
outros! A moral metafícia, ou democrática é uma caricatura verdadeiramente
infantil da moral teológica.
A solução metafísica, em virtude da sua incapacidade
para dirigir, oferece grandes perigos, desde que deixou de subordinar-se ao
entusiasmo social, inspirador da revolução francesa.
Permitindo que tudo se discuta sem espírito
cientifico nem inspirações expões-se a desmoralizar-se; coloca todo o mundo em
estado de revolta contra todos os preconceitos que se tornem suspeitos pela
consagração. Sendo a justa razão o que a consciência dita, tudo quanto lhe
repugne será preconceito: a veneração! a cultura moral! etc.
Emancipar-se de um domínio, certamente não é nenhuma
virtude. Se tal deliberação é necessária para o estabelecimento do problema,
não o resolve, porém, e em se prolongando, coloca o homem em situação anárquica.
Essa moral é bem inferior á do catolicismo da
idade-média, em que o sentimento social mantinha, mesmo apesar do dogma, a
unidade na variedade! Nela, pelo contrário, a falta de um principio
preponderante de união determina as mais estranhas divergências; todas as
regras morais são postas em discussão; cada qual estabelece uma teoria
particular para si, e qualquer combinação
se torna impossível é o individualismo que prevalece!
Teoria pueril, conjunto de divagações incapaz de
conciliar dois indivíduos, como poderia semelhante moral fornecer qualquer
diretriz ou instituir um governo! Legitimou todos os crimes, autorizou todas as
covardias, consagrou todos os governos aventureiros, e terminou, afinal, graças
aos mais sagazes, pela mistificação do público sério, mas demasiadamente
confiado.
Chegou-se a conciliar a incredulidade com a
participação nos sacramentos teológicos, a oposição mais revolucionaria com o
governo mais retrógrado: essa ginástica moral encontrou a sistematização derradeira
e foi glorificada na concepção de Cousin.
Cumpre não esquecer que a ciência especializada e
dispersiva, em suma, o pode terminar pelas mesmas aberrações morais que a
teologia adulterada. Em nome da salubridade pública, os seus doutores começam
por fazer desterrar os mortos para longe da Capital, e, em breve, proporão que
sejam usados sob a forma de adubo, por qualquer motivo químico demonstrável.
Ciência coxa, esse conjunto de doutrinas particulares que não se acham
dominadas por considerações morais! Falso e pretensos doutores os que só
invocam a liberdade, que devem ao Ser Supremo, para se apartarem das questões
de seu tempo, e não cumprirem o mais santo dos deveres, qual o de dar aos
trabalhos do espírito em destino social!
De que poderá valer a consciência em semelhante
cáus, com essa moral que absolutamente não leva em conta nem o método nem a
doutrina científica?! Como poderá saber o que cumpre permitir, o que é mistêr
vedar, sem um poder superior capaz de estabelecê-lo?
A Revolução, que é uma crise provocada pelo
desenvolvimento desigual entre a destruição dos antigos preconceitos e a
coordenação racional dos novos, só terminará, uma vez eliminada a solução metafísica,
pelo livre advento de um sacerdócio republicano, que fornecera os órgão
competentes, intérpretes da moral verdadeira
e demonstrável.
Capítulo Sexto
Revolução espontânea para a moral positiva
Resumo
Os hábitos morais, divinamente instituídos,
são por fim, consagrados em nome da Humanidade. Tal evolução se efetuou em
todas as condições da existência: pessoal (higiene), doméstica (culto do túmulo.
casamento), cívica (respeito à lei, defesa da Pátria) e religiosa (culto dos grandes homens), Este caráter
puramente humano se manifesta do
mesmo modo entre os moralistas (Mme. de
Lambert, Vauvenargues, Duclos) e
nos romancistas (Mme. de Lafayette,
Lesage e Fielding) A moral positiva libertou-se aos poucos da teologia.
Aceitará o homem moral que se não apóie em Deus? Sem
esperança ou temor de outra vida, que razão poderá levá-la a ser sóbrio, caso,
leal, corajoso e devotado.
A incapacidade da moral metafísica e a abstração
da ciência acadêmica fizeram bons espíritos e nobres corações; julgar a moral
teológica como um processo arbitrário, mas de necessidade para fazer preponderar
hábitos positivos.
De certo. se estivesse provado que a moral puramente
cientifica era, não impossível de construir-se —porque, de fato, já existe —
mas incapaz de produzir verdadeiras convicções, seria fatalmente necessário
volver ao catolicismo. Por catolicismo cumpre entender o ultramontanismo, pois
seria demasiado ridículo referirmo-nos à iniciativa particular e oferecer, como
solução moral, a milésima duo-centésima-milionésima interpretação dos quatro
Evangelhos, possuindo cada homem igual direito de formular e seguir a sua.
É necessário mostrar como a experiência
solucionava as questões, antes que se pudesse instituir qualquer ensinamento
sistemático da moral positiva, e como o espírito cientifico se apossou
gradualmente de todos os domínios acessíveis á sabedoria humana, mostrando
crescente aptidão para substituir, no tocante às regras que descobrir, a vida
sobrenatural pela sanção positiva.
A correlação dos dois movimentos, quer se trate de preceitos de higiene, de
deveres da família, de regulamentos militares ou industriais, quer ainda de práticas
do culto, pode assim exprimir-se: As regras morais, consideradas, a principio,
como de instituição divina, foram, afinal, consagradas exclusivamente em nome
da Humanidade.
Foram estes os pontos de partida e convergência da evolução moral, ligados
pela fase metafísica, durante a qual o caráter teológico se anula cada vez
mais, embora o positivo ainda se mantenha despercebido. O que, para Deus, se
traduz por uma incredulidade crescente, representa para a Humanidade um acrescimo de devotamento, de saber e
de energia, Isto é de religião no pleno e verdadeiro significado da palavra.
Verifiquemos, de inicio essa proposição na moral dó individuo. As primeiras
regras morais, de grande simplicidade, se referem quasi exclusivamente aos
instintos. Lendo, nos próprios textos, a legislação de Manú, Moisés ou Maomé, notar-se-á
como tais preceitos higiênicos se misturam, em cada página, com as regras
morais propriamente ditas e com os mistérios do dogma, que na verdade, ocupam
lugar secundário. O mesmo se deu nas outras grandes teocracias. Vemos, por toda
à parte, a antiguidade prescrever, em nome de forças sobrenaturais, simples regulamentos
de limpeza e higiene.
Quantos esforços não fizeram os legisladores para chegar a resultados que
hoje nos parecem tão simples, e pelos quais o homem se lava diariamente?! Não
foi, decerto coisa fácil, pois se animais existem espontaneamente limpos, o
mesmo não se dá com a nossa espécie. Para conseguí-lo, foi necessário apelar
para todas as potestades sobrenaturais, do inferno e do céu!
Atualmente, fazem-no os franceses todos os dias, sem que para isso seja
mister à vontade dos deuses. E ainda mais: os povos que, por motivos
teológicos, são anelados perdem, sob este aspecto, para os povos emancipados.
Os camponeses católicos são menos limpos que os parisienses, completamente
livres do teologismo, e, do mesmo modo, o Oriente teocrático em ralação ao
Ocidente revolucionário.
O mesmo se dá com respeito ao instinto nutritivo; neste caso, também, não são as considerações sobrenaturais que
decidem da qualidade e da quantidade de nossa alimentação, mas razões puramente
humanas, deduzidas de nossa natureza e situação social e material, constituindo
isto motivo mais forte do que qualquer argumento teológico.
Eis, portanto, um primeiro resultado, certo e evidente, da Civilização
Ocidental. A principio, tudo o que concernia à higiene privada e pública era regulado
em nome dos deuses, hoje, os preceitos correspondentes dependem, apenas, de considerações
humanas. Trata-se, pois, de um fato adquirido.
Consideremos, agora, uma das instituições características da Humanidade, e
das maiores, porque assegura a duração perpétua da família humana – o culto do túmulo.
Os poetas da antiguidade, desde Homero até Virgilio, ainda nos repetem os
formidáveis castigos com que os deuses puniam a violação do dever sagrado, de
sepultar os mortos. Com que elevação Sófocles ensina tal principio na Antígone, a obra-prima do drama
antigo. Polinice, morto quando sitiava a pátria, deve ser lançado aos cães, por
ordem do rei Creon. Fiel à lei dos imortais, que se não acham escritas, que são
de todos os tempos, e que se não poderiam esquecer’, Antigone enterra o irmão.
O castigo da sua revolta, contra a vontade do ímpio rei, foi à morte, que mesmo
a intervenção do divino Tirésias não pode evitar. A expiação, porem, não
tardou; o filho e a mulher de Creon se matam de desespero, revoltam-se os povos
vizinhos, e as fúrias vingadoras do deus dos mortos só deixarão de perseguir o
culpado quando este, por sua vez, tiver sofrido a sorte de Polinice.
Inspirada pelo mesmo espírito teológico, a lei ateniense condenava à pena capital
o que privasse os mortos de sepultura. Por, não terem cumprido este dever, cuja
realização foi dificultada por uma tempestade, os dez generais que acabavam de
honrar a pátria, nas ilhas Arginusas foram sacrificados, e, mau grado a
generosa intervenção de Sócrates, nenhum se excetuou, de tal forma o
absolutismo teológico ainda dominava os espíritos Assim, pois, o culto dos
mortos, na antiguidade, era baseado ao temor dos deuses.
No presente, pelo menos em França, já não é necessário regulamentar
teologicamente esta santa instituição. O culto da tumba é, sem dúvida, moderno.
Instituído em Paris no começo deste século, estendeu-se gradualmente à
província, onde conseguiu rápidos progressos, mormente nas cidades. Esses
piedosos cuidados não devem inspiração à moral evangélica; muito pelo
contrário. Semelhante culto, tão profundamente humano, acentua-se e se
desenvolve com a emanciparão crescente do teologismo. Só, de fato, quando se
está persuadido de que a morte é definitiva se empresta maior valor aos restos
dos seres desaparecidos como meio, poderoso de lhes fortificar a lembrança e
consolidar-lhes a preciosa reação moral.
A mais humana das cidades do Planeta, Paris, e, também, o lugar em que mais
se cultua a memória dos antepassados e dos amigos. Foi ela a primeira a
compreender que a maneira mais digna de encerrar um ano e preparar o seguinte é
festejando os mortos, e assim, espontaneamente deu ao último dia do ano
preponderância sobre o 2 de novembro teológico.
Augusto Comte consagrou sistematicamente esses antecedentes no Calendário Positivista, passando esta
preciosa instituição, que se estribava, a principio, na teologia, a mostrar-se
igualmente desembaraçada de Deus.
O mesmo se deu com a consagração do casamento Primitivamente, não existia a
idéia de incesto e as alianças se faziam na mesma família. As narrações dos viajantes, que exploraram o
planeta, confirmam o que a Bíblia e as legislações teocráticas
nos haviam ensinado.
Quanto esforço para fazer com que a sua noção prevalecesse! Vemos, no Rei-Édipo a terrível sanção de
que, em nome dos deuses, se serve o poeta para apoiar a regra, então nova, de
castigar o incesto, Édipo é condenado por ter cometido este crime, a que a
fatalidade o havia votado embora sem o saber e depois de ter feito tudo para
evitá-lo. A razão humana era, há este
tempo, menos notável do que a instituição divina, e todavia hoje é ela que
espontaneamente prevalece.
O mesmo aconteceu com a
consagração da monogamia. As investidas dos partidários do divórcio só são plenamente
anuladas pelos verdadeiros emancipados, que são os únicos assaz libertos das inconseqüência
teológicas.
O que é verdadeiro no tocante ao casamento também o é com respeito à lei.
Atualmente , cidadão afasta da
lei o absoluto divino e reclama
razões positivas; a submissão não se consegue mais sem condições. Quando a
reação católica quis fazer passar uma lei sobre o repouso dominical, não o fez
por se tratar de instituição divina: defenderam-na os seus patronos teológicos, em virtude das
vantagens morais e sociais que apresentava. Do mesmo modo, não é mais para
expiar uma falta original que o homem trabalha. Mas para acudir às necessidades
da existência familiar, pelo único modo compatível com o espírito moderno; e é precisamente
a transformação da atividade industrial, antes servil e hoje cívica que caracteriza
a política republicana.
A guerra, que requer
coragem e devotamento, e na qual, como o exemplo dos incomparáveis exércitos
romanos vem confirmar a intervenção dos deuses foi por tanto tempo
necessária, também se libertou das considerações teológicas e parece incrível
que, entre nós, um ministério da guerra, perdido no século XIX, ainda julgasse,
há alguns anos, que um individuo não pode ser bravo, sem acreditar em Deus.
Antes dos heróicos defensores de París, abertamente ateus, os exércitos
republicanos já haviam mostrado até que ponto podiam atingir a abnegação e o heroísmo
sob chefes e governos emancipados.
Os ditadores republicanos, para animar as legiões cívicas, não apelaram
como faziam os reis para o atrativo das conquistas invariavelmente consagradas pelo
deus dos exércitos mas elevaram as almas,
invocando o amor da Pátria e a salvação da República!
Foi tão alto o sentimento do dever que as fez superar os mais formidáveis
perigos, mantendo a integridade da França com tanta majestade que, em 1796, nas suas Considerações sobre a
Revolução, qualificada por ele de satânica em sua essência de Maistre só teve
elogios para os exércitos e para a Comissão de Salvação Pública, cujo espírito
ganhava as batalhas. No exercito francês atual, os soldados reconhecem as
obrigações cívicas por mais alterada que estejam as suas crenças teológicas.
A mesma transformação se efetuou no culto dos grandes homem. A principio, a
consagração. pública só lhes era devida quando, por uma apoteose, houvessem
sido assimilados aos deuses. Cumpria, depois, para merecê-la, ter servido a
Deus e ter-se feito santo: só um politeísta, Trajano, pelo que se afirma, pode
obter a graça de ir para o céu, pelas preces de S. Gregório. Mas, pedir a Deus
que reformasse o julgamento sem apelo foi uma grave ofensa e, por isso, nunca mais
o pontífice se deixou levar a este excesso de zelo, que ele mesmo condenou.
Hoje para merecer honras públicas, basta ter servido a humanidade, sendo ou
não agradável a Deus. Assim é que diversas populações ocidentais festejam
Miguel-Angelo e Boieldieu, Petrarca e Shakespeare, Spinoza e Voltaire, instituindo
espontaneamente o culto público, que o positivismo sistematizou, desde 1848,
com o nome de culto dos grandes homens.
Um fenômeno muito curioso e inegável traduz e comprova, de outro ponto de
vista, esta emancipação, teológica da massa social. Com efeito, há seguramente dois
séculos que nada mais bem confirma o ascendente gradual do espírito positivo do
que a completa falta de considerações sobrenaturais nas coletâneas de máximas
morais e nas admiráveis pinturas que os grandes romancistas tem feito da vida
humana.
Tal é o caso das reflexões da marquesa de Lambert, publicadas em 1728. Esta
mulher tão distinta, que abriu o primeiro grande-salão filosófico, era, nesse
tempo, viúva de um governador de Luxemburgo e evitava, em conseqüência de sua
situação a singularidade. Seus conselhos foram, aliás, impressos sem que ela o
soubesse. Nos Conselhos a seu filho, que se tornara tenente-general, apenas faz
menção a Deus, e no conjunto da obra nem cuida mais dele mesmo como se nunca
houvera existido; oferece ao filho, como modelo, não a vida de Jesus, mas o
exemplo dos seus antepassados; e como, não o céu, mas a glória: “Olvidai sempre
o que sois, desde que a Humanidade vo-lo peça... sabei que as primeiras leis a
que deveis obedecer são as da Humanidade: lembrai-os de que sois homem”.
Nos Conselhos a sua filha, que mais tarde desposou o
marquês de Santo-Aulaire ela ainda precisa essa máxima: “Para ser cristã,
diz-lhe então, cumpre creditar cegamente; para ser sábia, é necessário ver
claramente ... Escolhei, entre os grandes homens, o que vos parecer mais
respeitável; não façais nada fora da sua presença; prestai-lhe conta de todas
as vossas ações”.
Quanto a Deus, só a ele se refere uma vez, ainda assim de passagem, e para
não mais tornar. Fenelon julgava este processo um tanto arriscado; mas a eminente
marquesa, obrigada a falar a única linguagem o que se prestavam ouvidos,
respondeu-lhe: “Os costumes dos moços de hoje no obrigam a aconselhar-lhe, não
o melhor, mas o menos inconveniente.”
Com a marquesa de Lambert, o nobre e terno Vauvenargues, nos seus Pensamentos, faz da gloria e do coração os
mais poderosos inspiradores do espírito e da atividade como a marquesa,
fala aos homens, a linguagem que a sua razão aceita e compreende, quer no
tocante ao principio, quer ao fim.
Se abrirmos as Considerações sobre
os costumes, de Duclos, vê-lo-emos considerar como a primeira das
obrigações ser cidadão e pretender, desde 1751, o estabelecimento de uma
educação geral e uniforme, destinada a formar franceses, depois de ter começado
por fazer homens. Chama a atenção de seus contemporâneos para a necessidade de
aproveitar o entusiasmo do século, a fim de fundar e universalizar a moral, “que
tem por objeto”, diz ele, “os homens considerados relativamente à humanidade e
a pátria.” Em nenhuma parte este belíssimo livro, Duclos faz a menor alusão ao
regime teológico que nem mesmo menciona, tanto aspirava vê-lo substituído.
Os principais tipos do romance de costume, caracterizam, sob outra forma, o
advento da moral positiva. O primeiro em data, a Princesa de Cléves, que apareceu em 1678, obteve, na alta sociedade
do tempo um prodigioso sucesso, que a posteridade consagrou. Nesta obra-prima em
que os sentimentos são, ao mesmo tempo, tão cavalheiros e tão puros, Madame de
Lafayette pintou a existência de uma moça, de grande destaque, que triunfa das
desordens de uma paixão, combatendo-as exclusivamente pelo sentimento, do
dever, sem nenhuma consideração teológica.
Este propósito se mantém e acentua nos dois grandes romances do século
XVIII. O Gil Blas, de Le Sage (1715-1735) e o Tom Jones, de Fielding (1750), mostram-nos
a vida do homem desde o nascimento até o consórcio, numa situação precisa,
embora um tanto excepcional. Quaisquer que sejam as conseqüências dos atos dos dois
heróis, ora razoáveis, ora imprudentes, às vezes fazendo o bem, outras o mal, seus
poetas só utilizam razões positivas quer para recompensar, quer para punir.
Estes hábeis observadores, que conheciam a natureza humana, legaram-nos o
que seus eminentes espíritos viram e puderam analisar; o que pintaram foi à
sociedade francesa e a inglesa, em que viveram e ainda revivem em suas obras.
Esse caráter profundamente humano explica o poderoso atrativo que os dois
poemas exercem sobre todas as idades, e que não deixarão jamais de reler.
É, pois, evidente que, assim na vida civil como na vida moral do Ocidente,
os motivos puramente humanos prevalecem na consagração de regras para as quais,
outras, parecia mister invocar o espírito teológico.
Capitulo Sétimo
Insuficiência crescente da direção teológica
em Moral.
Resumo:
Onde o espírito humano avança, o espírito teológico recua. Amoral monotéica,
não sendo social, torna-se cada vez mais insuficiente para a regulamentação das
relações cívicas, ocidentais e planetárias; destarte, na prática habitual, os
homens de Estado são, necessariamente, e cada vez mais, inspirados pelo
positivo. Paris, a cidade por excelência, resume o duplo movimento, orgânico e crítico,
do passado moderno.
Já vimos como a direção teológica passou ao estado de solução imaginária,
para muitos indivíduos; vale dizer, observamos que, para eles, a influência
desse Deus, a princípio, todo-poderoso, mesmo no domínio material, decresceu a
tal ponto que tudo se passa, atualmente, como se não existisse.
A moral da Humanidade, com efeito — e mais adiante havemos de prová-lo — é-lhe de todo independente.Resta-nos
esclarecer o modo pelo qual essa direção deve cair em desuso entre os
teologistas atuais, para quem, a rigor, ela já vem a ser uma simples quantidade
complementar, mais ou menos intensa da direção real, em cujas mãos francamente
se encontra o governo da sociedade.
Onde aparece a lei positiva, expunge-se a causa sobrenatural. Deus era o tutor que devia velar pelos interesses
gerais da espécie humana, até ao dia em que a ciência atingisse toda a sua
plenitude. Mas, que lhe resta, agora que o espírito científico se tornou,
enfim, capaz de substituir inteiramente a moral teológica.
O desenvolvimento continuo da lógica positiva tornou os cérebros cada vez
menos aptos a acreditarem nas concepções teológicas; reconhiecemos gradualmente
o domínio das leis naturais em mecânica, física e biologia. Em matéria
industrial ou patológico. o teólogo mais apaixonado não atua diversamente do
sábio mais ateu, ambos pedem às leis positivas a regra que os possa conduzir à
meta final.
Este estado de espírito domina todos, homens e mulheres, mesmo por causa
das tendências progressistas, de que o positivismo é, na verdade, a coordenação
e o coroamento.
Não podemos, indefinidamente, dividir-nos em dois; e o estado normal, para
onde caminhamos, caracteriza-se pela supremacia do espírito cientifico, com
exclusão de todo o teologismo. Mede-se o progresso pela preponderância
crescente do primeiro sobre o segundo, na conduta privada e pública.
A invasão continua do espírito positivo corresponde, com efeito ao
crescente desuso mental e social, do governo teológico, desuso resultante da
opinião tornada em preconceito de só tos referirmos, nas questões habituais aos
dados científicos. Foram semelhantes dados que permitiram suprir a diminuição
crescente da preponderância teológica pelo apoio indireto que forneciam às
tradições, embora por muito tempo despercebido.
Mas, o que desacreditou principalmente o antigo dogma foi à necessidade de
procurar alhures uma direção apta para acalmar e resolver os conflitos da sociedade,
diante dos quais ele se mostrava de uma insuficiência e incapacidade cada vez mais
notarias.
Cumpre-nos pois, antes de concluir, explicar essa incapacidade, que deriva
de um vicio essencial.
Sendo a moral necessária mente pessoal nunca pode abranger o ponto de vista
cívico, e isto explica por que a sociabilidade nunca foi explicitamente
invocada pelo sacerdócio católico Continuando a tradição judaica, que só
conhece uma pátria: a celeste Jerusalém, essa moral forneceu ao homem por meta precípua,
não o civismo, mas a própria salvação; educou-o, para o paraíso e ensinou-lhe o
desprezo a terra. Deus pede santos para povoar o céu e não necessita de
patriotas.
O espírito teológico, alem disto, é inconciliável com o novo regime, que
resulta da combinação da ciência com a industria. Pode, portanto, quando muito,
fornecer soluções ilusórias para as questões sociais da atualidade, tais como a
origem e o emprego das riquezas, as relações entre os novos elementos temporais
e espirituais da sociedade, e a origem e o fim do trabalho mental. Nem mesmo
abeirou este derradeiro problema, que é, aliás, decisivo.
Foi da revolta do espírito contra os hábitos morais e contra a
preponderância social, que nasceu esse estado revolucionário, deplorado pelo
sacerdócio, depois que o provocou e até impeliu, longe de o debelar.
No ponto de vista ocidental, é nítida a incapacidade teológica. A revolução
moderna, que data do século XIV,
iniciou-se precisamente pela rotura dessa monarquia européia, fundada, regulada
e governada pelo papado. A diplomacia foi o expediente destinado a preencher
essa falta, até que nova organização espiritual reconstitua sistematicamente a
República do Ocidente.
O poder internacional dos papas, desde então, jamais se refez, e quando a
Santa Aliança dos reis empreendeu restabelecer certo equilíbrio europeu, foi a
um pontífice cismático, o tzar. que
colocaram à frente desse conselho, do qual o papa fora excluído, e onde se
colocaram os outros príncipes protestantes.
A moral teológica, finalmente, é incapaz de abranger e regrar as relações
sociais mais extensas, as relações planetárias, a não ser pela solução ilusória
de uma conversão universal.
Como dar regras ao Oriente quando, a despeito de uma organização sacerdotal
tão notável, a Igreja não pode satisfazer às exigências do Ocidente, onde, desde
o fim da idade-média, os séculos se contam pelas restrições à sua preponderância?!
Pode o teologismo dirigir as relações dos ocidentais com os muçulmanos,
cuja crença encara como abominável, declarando-os inassociáveis, imiscíveis
conosco? “Desde que o cristão e o muçulmano se defrontam. diz de Maistre, um
dos dois deve servir ou perecer”.
Contar-se-á com maior felicidade, no tocante aos indús? Assegurava certo
bispo, entretanto que nuca pudera atuar a não ser sobre os seus domésticos, e
ainda assim, cumpre acrescentar que a conversão deles apenas durava o tempo em
que se mantinham ao seu Serviço.
Que lhes poderá oferecer o catolicismo? Mistérios? Mas se eles cream deuses
todos os dias!.. Milagres?... Quando o divino Krichna quer abrigar a sua linda
apaixonada dos raios do sol, de uma montanha faz unia sombrinha!... Afeitos a
tais prodígios, não é de surpreender que os milagres cristãos só os espantem
pela simplicidade. Não há meios de lutar com os indús por argumentos teológicos
e é mister renunciar à esperança de os converter, como, aliás, muito bem
demonstrou o abade J. A, Dubois, missionário em Meíssur, homem muito de bem e
ilustre indianista.
Quanto aos chineses, é inútil pensar em tal; não conhecem Deus e nunca lhe
sentiram a necessidade. Isto, porém, não os impede de ser o único povo cujo
teatro respeita a família, de tal forma esta instituição fundamental se acha
entre eles assentada.
Concebe-se que politeístas se tenham podido converter a um novo deus,
cristão ou muçulmano, porque, em última análise, isto equivalia a adorar mais
um deus; mas o mesmo não se dá em se tratando de gente que só quer um, ou que
não admite nenhum.
Não se podem, todavia, exterminar estes diversos monoteístas, politeístas e
feiticistas, Politicamente, a operação não seria nada vantajosa, porque os interessados
não estariam absolutamente decididos a permiti-la... Existem cem milhões de
muçulmanos, cento e oitenta milhões de indús e cerca de quinhentos milhões de chineses,
o que corresponde a mais de metade da população terrestre.
Não será, então, com auxilio da teologia que poderemos travar relações
diplomáticas com i oriente. Ser emancipado como Voltaire, ainda bem menos convirá
para tal. Quanto a aplicar no caso a doutrina de Rousseau, basta notar que se
os negócios do planeta se tratassem pelo sufrágio universal, nós, os ocidentais,
seriamos governados por chineses Aliás. Voltaire e Rousseau eram deistas. Em
semelhante matéria, a moral metafísica tem que ser posta a margem.
Só a direção científica é possível. Ao contrário do espírito teológico, que
não resolve o problema da unidade a não ser por conversão ou destruição,
reconhece o espírito positivo à parte de cada um, assegurando-lhe a
preponderância e estabelecendo assim, a sua incontestável superioridade.
Os verdadeiros homens de Estado tem favorecido o progresso humano, fazendo
prevalecer, cada vez, mais, as noções positivas sobre as concepções teológicas
e só tem sido eminentes por terem atuado nas coisas da política como se jamais
houvessem conhecido Deus.
Richelieu foi notável como estadista: positivo antes de tudo, sempre
preferiu a pátria ao céu e a Humanidade a Deus. Era um homem de Estado, um grande cidadão, para quem a teologia
se mostrava um simples meio católico, sustentava os protestantes; cardais,
declarava guerra ao papa; cristão, preferia os turcos aos bons amigos espanhóis, que, então, vinham a ser, no Ocidente, os
órgãos da resistência católica certamente, semelhante atitude deveria passar
por criminosa aos olhos de Deus; mas
Richelieu previra esse inconveniente e, por isto, arranjara antecipadamente uma
bula de absolvição geral, em branco.
Substituir as vagas conveniências de um meio teológico ou revolucionário
pelas razões positivas, eis a característica do verdadeiro gênio político.
E este o espírito que deve prevalece na
regulamentação dos negócios do Oriente, como em todas os outros. Devemos, em
todas as relações sociais, substituir a lei de Jesus pela moral positiva, visto
ser esta a única que atende ao interesse geral d Terra e da Humanidade. Foi o
que o Positivismo, baseado na história, veio tornar claro e preciso.
Não nos seria tão fácil, em outro país, expor estas questões como fizemos
aqui. A França é a nação mais emancipada do Ocidente; nos dias que correm, é
governada sem Deus.
Sua capital foi à sede principal do duplo movimento orgânico e critico que,
há mais de cinco séculos, caracteriza a civilização ocidental.
Nenhuma cidade, como Paris, se despojou tão rápida e tão ousadamente do
jugo teológico, nenhuma tão bem confraternizou com os outros povos: nenhuma se
devotou mais constantemente para assegurar ã França, ao Ocidente e ao Mundo, a
independência e o concurso de que já gozava. Mantem-se, nos tempos modernos,
como foi na idade-média a cidade preponderante.
Na sua função de iniciadora nenhuma ainda a substituiu e, mau grado a
tormenta alevantada por selvagens blasfêmias, este glorioso barco prossegue a
sua rota, levando a Humanidade e sua fortuna.
Para o escol dos ocidentais Paris é o centro comum de todos os atos, de
todos os pensamento e todas as efeições: é a Cidade.
SEGUNDA PARTE
Caracteres Fundamentais da moral positiva
Capitulo Primeiro
Espírito genérico da moral positiva
Resumo:
- As
necessidades da situação foram
satisfeitas por Augusto Comte: a moral positiva já se acha instituída
e vai sendo ensinada. O seu espírito geral consiste em partir do estado hodierno para modificá-lo, por substituição, transformando
o movimento revolucionário em
surto moral continuo. Reforma tão profunda
não podia ser imediata.
Acabamos de mostrar como da série de preparativos anteriores resultou
necessariamente a moral positiva, que veio a ser tão, imprescindível pelo
desuso do teologismo quanto inevitável pe!o acúmulo das regras empíricas,
estabelecidas pela sabedoria dos séculos.
O problema estava tão bem
preparado, tão urgente era a reconstituição moral, que o mais profundo pensador
da escola conservadora de Maistre escrevia no começo do século: Aguardai que a
afinidade natural da religião e da ciência as reuna no cérebro único homem de
gênio; o aparecimento desse homem não pode tardar muito e talvez mesmo já ele
exista. Há de ser famoso e porá fim ao século XVIII, que ainda perdura... Tudo
indica não sei que extraordinária unidade, para a qual vamos
caminhando a passo largos.’
Quem devia descobrir essa grande unidade já era nascido na época em que de
Maistre formulava tal profecia. Augusto Comte deu às regras morais a
coordenação e a generalização que lhes faltavam tudo referindo à Humanidade.
Fundou ele o sistema de moral
demonstrável capaz de regulamentar o conjunto das relações humanas,
“substituindo a tormentosa discussão dos direitos, pela pacífica elaboração dos
deveres” (Discurso sobre o Conjunto do Positivismo, 1848).
Tendo o positivismo como destino social instituir este sistema, satisfizemos a tão urgente necessidade,
estabelecendo o seu ensino. Professamos, atualmente em Paris, um curso de vinte
lições sobre Moral Teórica, em que estudamos a natureza humana, considerada em
sua plenitude, no estado de higidez e de completo desenvolvimento e levando em
conta as relações do físico e do moral, sem olvidar, o exame das perturbações
correspondentes. No próximo ano, completaremos este estudo preparatório por vinte
outras lições, consagradas à moral prática. Esta segunda parte combina a teoria
abstrata da moral com as diversas fases da existência, desde a concepção até a
morte, tendo em vista o aperfeiçoamento da natureza humana.
Bastam estas palavras para aplicar como não podemos, numa única sessão,
desenvolver semelhante sistema. Depois de termos exposto os caracteres fundamentais
da moral positiva, indicaremos, sumariamente suas principais aplicações.
Examinemos-lhe, de começo, o espírito geral.
O sábio, seja qual for o estudo positivo que tencione fazer, parte da
situação adquirida, seguindo a diretriz traçada pelos antecedentes, O teólogo,
pelo contrário, e mais ainda o metafísico (para quem a infalibilidade papal não
estabelece limites aos abusos do espírito) consideram como inexistente tudo
quanto antes deles se fizera, e tomam a si mesmos por ponto de partida, na
questões que pretendem estudar.
O Discurso sobre o método é um incomparável exemplo da diferença radical que separa o
espírito positivo do teológico-metafísico pelos processos e resultados. Como
metafísico. Descartes tira tudo de si mesmo; como sábio, toma a geometria no
ponto em que a deixaram os seus predecessores gregos e lhes continua a obra.
Em política e moral dá-se o mesmo que
em geometria; toda a ordem fictícia durável, vale dizer, toda a reforma radical
repousa numa ordem prévia, que resulta espontaneamente do passado, consoante
leis verificáveis. Qualquer instituição teórica ou prática, que não respeite
esta base natural, só pode ser quimérica e efêmera, porque, neste caso, o
presente não aceitando mais a sujeição ao passado (a quem pertence sempre à
última vitória) se coloca em oposição à única força moral que o protege da
anarquia, expondo-se. deste modo, a todas as perturbações.
De acordo com o preceito de Descarte, tomaremos, então, como ponto de partida,
o estado presente, o conjunto da ética mediana, praticada pelas pessoas sensatas.
Aceitaremos estes hábitos e preconceitos, emanados da série de nossos
antecessores, e que realmente serviram para educar inúmeras gerações. Honrar-nos-emos
tanto em conservar quanto em acrescer essa herança moral, que se mostra o nosso
mais raro e precioso tesouro.
Sendo a condição básica respeitar a continuidade, mormente inovando,
reduz-se o problema ético, essencialmente, em coordenar e desenvolver o
conjunto dar regras existentes, empiricamente consagradas pelo bom senso universal.
Percebida, entretanto, a justa preponderância da tradição, cumpre-nos
reconhecer, também, que os preconceitos morais precisam ser revistos por uma
autoridade competente. Querendo tudo refazer sem esta direção, expor-nos-íamos
a transtornar hábitos necessários. Essa tarefa exige princípios seguros e raras
luzes.
É mistêr saber levar em conta a influência crescente das gerações que,
fazendo concorrer impulsos progressivamente variados institui deveres, tendo
por base motivos cada vez mais complexos. Cumpre formular e impor novas
obrigações, de vez que toda a situação profundamente modificada, qual a nossa,
exige regras especiais. Não o é menos, também, desfazer certo número de
preconceitos existentes.
Na moral positiva não há lugar nem para direitos anárquicos, consagrados
por uma consciência revoltada contra seus próprios creadores, nem para deveres
relativos a uma providência fictícia, quando a verdadeira já é devidamente
conhecida. Nesse renovamento, procederemos sempre por substituições,
respeitando todas as regras morais, até que tenhamos outra, para por em seu
lugar.
Uma profunda máxima do grande Danton exprime admiravelmente este aspecto do
método cientifico: “Só se destrói se substitui”. Seria facílimo tudo perturbar
sob o pretexto secundário de abuso ou progresso: não há coisas perfeitas, todas
tem sua feições boas e más. Nós mesmos somos bípedes imperfeitos, sendo esta afirmativa preferível à de
Platão.
Suspeitamos desses espíritos críticos que provocam a instabilidade das
instituições políticas e industriais, e cuja bulhenta atividade se reduz,
afinal, em fazer maiores males do que seus predecessores, sem o bem que eles causavam.
Em que poderá contribuir para a felicidade e para o bem público um método, que
acaba por transformar toda a existência numa série de ensaios infrutíferos?!
Não admitimos a critica das instituições e dos preconceitos. apenas pelos
seus inconvenientes: ela só é legitima quando temos razões positivas para
fazê-la e remédios valiosos para empregar.
Alias, segundo o espírito cientifico, a maneira de corrigir o que se mostra
vicioso, arbitrário e egoísta, é crear seres, individuais ou coletivo, honestos
razoáveis e devotados.
Não queremos, enfim, mudar o atual estado de coisas de um dia para o outro;
a sociedade, felizmente, caminha mais ou menos por si mesma, O que procuramos é
lenta e continuamente modificá-la, segundo diretrizes científicas
demonstráveis, repelindo toda a agitação perturbadora, que só serve para
reanimar, quer nas instituições, quer nos espíritos, Uma retrogradação, já
inexistente nos costumes.
Em trabalho tão rude quão perigoso – porque o homem é animal bem mais
difícil de transformar do que se pensa – cumpre evitar os choques, que fazem
perder forças preciosas: em moral como em política, repugna tudo quanto é
excessivo e violento. Também, as necessárias supressões efetuadas requerem a
manutenção do statu-quo político.
Uma reforma tão profunda não permite melhoramento geral imediato, pelo
motivo evidente, segundo o qual a modificação das opiniões e dos costume deve
preceder e não da mudança de regime. Mesmo as coisas boas não se podem furtar a
esta exigência, e embora tenham por si o apoio da razão coletiva, precisam
sofrer a prova do tempo. O dogma pode, à primeira vista, parecer absurdo ou
duvidoso e a lealdade opões-se, então, a que nos submetamos sem maior exame.
Alias, como, em verdade, poderemos aplicar um principio qualquer, se o não
tivermos previamente assimilado?
É necessário, portanto, se possam examinar as verdades que devem finalmente
tornar-se o fundo comum das crenças humanas. Só há progresso digno e certo com
a liberdade individual.
É, pois, muito vasto o nosso escopo! Cabe à teoria indicar
as condições de realização do estado ideal, para onde tende a nossa atividade.
A prática é incapaz disto, porque nada concebe fora do que existe.
Se somos acusados, somo-lo nas conclusões a que chegamos e que expomos
abertamente, porquanto é mister para onde nos dirigimos; mais, no aplicar, a
conciliação é a nossa regra. Queremos ir lenta e seguramente, até a meta final: Chi va piano, va sano, chi va
sano, va lontano.
Caminhamos para a conversão pacífica das inteligência e dos corações,
sustentados por uma doutrina poderosa, gozando mentalmente, desde já, de um porvir
certo, cuja aurora inspirou a Condorcet a sublime prece que encerra o seu Esboço dos progressos do espírito humano.
Capítulo Segundo
Bases da moral positiva
Resumo:
- A natureza humana, cujo conhecimento supõe a concepção cientifica do
meio, como social, é à base da moral positiva. Gall ao instituir o estudo
positivo das funções do cérebro, eliminou a concepção metafísica da unidade do
homem. Entre seus precursores, cumpre-nos
assinalar David Hume, Georges Leroy, Cabanis e Bichat, Gall, porem efetuou a
revolução decisiva, que permitiu a Augusto Comte construir a teoria sistemática
da alma, consagrar o papel social da veneração e ética positiva.
A moral positiva apóia-se na realidade das coisas, mas, como constitui, na
série cientifica, o supremo grau para onde todos os outros convergem, o
conhecimento efetivo de nossa natureza moral supõe adquirido o de nossa
situação, assim planetária conto sociologia. O Mundo, a Sociedade e o Homem
são as bases, verificáveis e demonstráveis, que dão à morte humana uma
consistência que a moral teológica jamais teve.
A moral positiva depende, em primeiro lugar, de nossa situação cosmológica,
porque deveria ser modificada se a Terra fosse diferente do que é: variaria,
por exemplo, com as dimensões do planeta.
Se a superfície ocupada pelas águas fosse bastante grande para reduzir a
extensão da terra habitável às proporções da Irlanda, muitas normas relativas à
alimentação e à propriedade se
aproximariam do comunismo primitivo.
Fosse essa superfície igual à do Ocidente, e a unidade da espécie humana
teria sido alcançada pela civilização militar.
Enfim, se a extensão da terra habitável, ao inverso da proporção atual, que se mostra absurda, pois o nosso
planeta é antes feito para os peixes do que para os homens, fosse
consideravelmente mais ampla do que o espaço ocupado pelas águas, e, com maior
razão, se a Terra tivesse as dimensões de Júpiter, o gênero humano talvez
jamais realizasse a associação universal, indispensáveis à unidade ética.
A moral positiva acha-se, alem disto, subordinada as condições biológicas:
se o trigo se encontrasse tão fácil e tão abundante como o ar, ou se os
alimentos se obtivessem inteiramente prontos para o consumo, sem mais esforço
que o exigido pela respiração, muitos preceitos morais se tornariam supérfluos.
Não se rouba o ar, que é relativamente inesgotável.
Por que se não permite a apropriação arbitrária dos produtos humanos? Por
que motivo é crime dissipar os diversos materiais e provisões que o planeta nos
fornece, devendo-se, pelo contrário, empregá-los com certa economia pessoal e
coletiva?
Estes capitais são, ao mesmo tempo, difíceis de produzir e muito escassos
em referência à população, é que teem sido e permanecem como base da civilização,
sendo mistér conservá-los, considerando as necessidades dos que vierem depois
de nós. De fato, a precisão de assegurar a existência quotidiana suscita as
maiores dificuldades sociais e foi da a creadora da mor parte das instituições
humanas. Não se podem estabelecer regras morais sem levar em conta a nossa existência
biológica.
Não se pode, por mais tempo, abstrair a nossa condição sociológica, pois
que a situação moral decorre dos antecessores. Cada geração deixa resultados;
transmite, por conseqüência à seguinte, um modo de viver que difere, mais ou
menos, do que encontrou, correspondendo, aliás, ao seu desenvolvimento. Disto
resultam alterações no modo de pensar, nos atos e nos sentimentos.
Para que uma regra moral seja positiva, não basta, pois, que se mostre em
conformidade com a nossa situação; é ainda preciso que seja oportuna, ou por
outra, que esteja de acordo com o grau de civilização correspondente.
Quando Harfleur e Montivílliers se guerreavam, em penedo análogo aquele em
o qual os romanos se batiam a duas léguas de sua cidade, as relações destes povos
não podiam ser dirigidas por leis morais idênticas ás de nossa época, em que
ambos fazem parte de um mesmo departamento. Não se poderia julgá-los, neste período
militar, segundo ética social semelhante à que os domina hoje, quando ambos
fazem parte de uma nação empreendedora que inclui em si os destinos religiosos
do gênero humano. A moral positiva supões, por conseqüência, o homem
desenvolvido pela evolução social.
Essas diversas influencias, por mais necessárias. que sejam, desempenham,
um papel puramente modificador na vida do homem e são dominadas por um fenômeno
preponderante que, em meio dessa variedade, se manifesta segundo leis
constantes, base dos princípios irredutíveis da teoria positiva da natureza
humana. É, com efeito, na moral espontânea que devemos procurar o fundamento da
verdadeira ética, e alem dela não se poderia remontar. Essa é, aliás, uma noção
sobre a qual convem insistir, precisando-a convenientemente.
Do ponto de vista positivo, o homem é um animal não só inteligente como dotado
de condições orgânicas, em virtude das quais manifesta a disposição, observável
eu todos os paises e religiões, de conduzir-se de maneira sociável espontânea, independentemente
de qualquer preceito e de qualquer sistematização.
A prova da existência, no homem, de sentimentos benévolos inatos, foi a
maior descoberta científica do século XIX e a mais importante que se tenha
feito em moral, depois da lei de S. Paulo. Devemo-la a F J. Gall.
A benevolência nunca foi diretamente negada. As palavras usuais, que só se
adotavam como resultantes de observações feitas por todo o mundo, são a prova
disto. Mas, se o bom senso universal sempre admitiu a benignidade espontânea,
as hipóteses que lhe explicavam, a existência mantiveram-se até Gall, ou fictícias
ou puramente abstratas, de sorte que a linguagem e a prática se achavam em desacordo
com as teorias, evidentemente inferiores.
Gall, estabelecendo a pluralidade dos órgãos cerebrais, arruinava a teoria
metafísica da unidade do homem. Nada mais falso que essa teoria puramente
abstrata, pois, não só reduzia a afina à inteligência, servida por paixões e
instintos, como criava, entre o gênero humano e a animalidade, separação
radical, em contraste absoluto com os fatos vulgares e com a verdade
cientifica.
Longe de ser uno, é o homem, o animal que oferece os aspectos mais
variados, não somente em ralação ao egoísmo, mas também a inteligência.
Animados por instintos, que mais ou menos divergem, de raro em raro se
mostra conseqüente: hoje é governado pelo amor-próprio; amanhã, pelo instinto
destruidor: em certo momento, pela veneração noutros, pelo instinto nutritivo.
Ontem, mostrava-se inteligente: resfria-se, e já parece estúpido! Tenho quinhentas
fisionomias por dia’, assegurava Diderot.
Reconhecer uma entidade ou um instinto preponderante no homem, arrastado e
impelido, assim, para as mais diversas e variadas direções, é criar um ser
fictício, impossível de realizar-se, Quando J. J. Rousseau e Helvécio,
confundindo ambição com sociabilidade, escreveram que o homem é governado pelo amor-próprio
queria isto apenas dizer que ambos o tinham em excesso e nada mais.
A descoberta e a demonstração de Gall haviam sido preparadas pelos
pensadores do século XVIII, mormente por David Hume, Georges Leroy, Cabanis
Bichat. Descartes deixou, provisoriamente, ao espírito teológico-metafísico o
estudo da natureza humana cuja instituição positiva seria prematura no século
XVII.
Sob o impulso de E. Bacon, tentou a escola enciclopédica, no século
seguinte, construir a moral puramente positiva, Hume, que foi o principal precursor
filosófico de A. Conte, empreendeu fundar, sobre observações e fatos, a teoria
da natureza humana (1739); sentiu, porem, que essa sistematização ainda não se
achava suficientemente preparada e limitou-se a expor seus esboços especiais em
diversos Ensaios filosóficos.
No tratado que especialmente consagrou a suas Pesquisas sobre os princípios da moral (1752), Hume partiu do
bom senso universal para refutar a teoria imaginária do interesse bem
entendido; verificou que a observação coletiva, intérprete da moral espontânea,
reconheceu disposições benévolas, sentimentos de piedade e gratidão. A
linguagem vulgar, diz ele, exprimiu todas essas idéas e as distinguiu das paixões
egoístas.
Os animais suscetíveis de desinteresse sê-lo-iam por algum requinte de
espírito? Por que recusar-nos o que se lhes concedia? Assim como eu, nós
existem necessidades incoercíveis, sentimentos interesseiros e ambiciosos
irredutíveis, não será mais difícil conceber que existam também benevolência e
amisade. Esta historia parece, ao mesmo tempo, mais simples e mais concorde com
a natureza. Ao suposto princípio do amor-próprio, opõe Hume o principio da Humanidade, e assim se exprime:
“Embora se não encare,
talvez, este amor do gênero humano como uma paixão tão forte quanto a vaidade
ou a ambição, por ser comum a todos os homens, deve ele servir
de fundamento à moral, ou a qualquer sistema genérico sobre as ações e os
hábitos humanos”
“Georges Leroy confirma e desenvolve a tese de David Hume, em suas Cartas
sobre os animais e sobre os homens (1781). Ninguém melhor
compreendeu a natureza moral e intelectual dos animais do que este grande
observador, monteiro-mór do parque de Versailles.
Deve-se-lhe a instituição decisiva de um confronto científico entre as funções
mais elevadas do homem e dos animais, melhor manifestando estes a existência
das faculdades cerebrais elementares, porquanto não se mostravam complicadas
pelas modificações que se devem ao nosso estado de civilização. Sobre esta
base, Georges Leroy estabeleceu a bondade inata do homem, que subordina a um
instinto irredutível”.
Ela diz Leroy, é o verdadeiro fundamento da sociabilidade, da fica e de
qualquer virtude natural, e graças a ela o homem se encontra a uma distância
infinita dos outros animais, muito mais ainda do que pela superioridade de sua
inteligência... — .. Nos homens, essa disposição preciosa e sagrada adquire força
pelo exercício e pelo hábito...
— ... É na verdade, alterada, amiúde, por interesses mais enérgicos: faz-se,
porem, sentir desde que estes se acalmem, e o exercício habitual torna-a, por
vezes, predominante.”“.
Cabanis, procurando. enfim, a solução do mero problema na fisiologia, chama
a atenção para o ponto de vista do conjunto, único verdadeiro, em seu tratado
Do Físico e do Moral do Homem (1802) Nesta célebre
obra, que fez de Cabanis o precursor imediato de Gall!, acha-se instituído o
estudo da ligação profunda que existe entre as funções intelectuais e morais e
as funções vegetativas e animais; a reação do moral sobre o físico também nela
está indicada, anunciando assim o processo básico do aperfeiçoamento da
natureza humana.
Apesar do seu mérito, este precioso subsidio era insuficiente. Cumpria
fazer cessar a indeterminação em que permaneciam os esboços gerais destes
pensadores, ainda dominados pela metafísica, embora não o soubessem.
Era mister precisar os vagos princípios de humanidade, compaixão, simpatia,
segundo uma análise positiva destas faculdades complexas, tornando-lhe a
existência, de então por diante, indubitável, e referindo-as distintamente a
outros tantos órgãos cerebrais. Exigia este trabalho à sistematização das
teorias positivas sobre a vida orgânica e animal, isto é, a fundação da
biologia, que resultou das Pesquisas
fisiológicas sobre a vida e a morte
(1800), da Anatomia Geral
(1801), principais trabalhos de Bichat, morto em 1802, com trinta e um anos de
idade, médico do grande Hospital da Humanidade, de Paris. Dai em diante, foi possível
estende: o método positivo ao estudo da vida cerebral.
Gall iniciou semelhante movimento. Desde seus exórdios, teve a hostilidade
de Bonaparte e da Academia de Ciências e da Academia de Ciência e finalmente,
uma indigna fraude tentou reduzir essa renovação cientifica, mais importante
que a de Galileu, ao simples conhecimento do estado interior do cérebro pela
exclusiva determinação da forma e das dimensões do crânio.
Esta oposição declinou em face das descobertas de Gall, que teve, alias, o
cuidado de vulgarizá-las por meio de cursos e publicações. das quais a mais
importante foi por de reproduzida, com menor desenvolvimento anatômico de 1822
a 1825, em seu tratado Sobre as funções
do cérebro.
Gall estabeleceu cientificamente estes dois princípios:
l.º) a alma é um termo abstrato, que representa um conjunto de funções
múltiplas, morais e intelectuais irredutíveis entre si;
2.º) cada una destas funções tem sede particular no cérebro, em parte
determinável da substância cinzenta.
Esta última concepção foi decisiva, porquanto deu a moral uma base lógica
importante, colocando, irrevogavelmente, o seu ponto de partida na própria natureza
humana.Desde então, o cérebro foi encarado não mais como um órgão simples, mas
como um conjunto de órgãos, correspondendo os seus três grupos principais á inteligência,
ao caráter e ao coração que governa todo o aparelho.
O problema da análise da alma foi estabelecido. por Gall; mas, se
excetuarmos a dos bons sentimentos, ele fracassou, principalmente no que
concerne à decomposição das faculdades intelectuais. Alem disto. insulou
demasiado o cérebro dos órgãos vegetativos e do sistema nervoso em geral.
Este insucesso foi provocado, sobretudo, pela insuficiência do método.
Gall. como todos os seus precursores, estudou o homem, fazendo abstração da
Humanidade.
A resolução do problema final coube a Augusto Comte: depois de ter creado a
sociologia, pode construir a teoria do cérebro e, sobre essa base sistemática,
fundar a ciência moral. A concepção positiva da alma foi por ele reduzida,
precisamente, à teoria abstrata e geral das funções do cérebro, simples e
compostas. tanto interiores quanto exteriores, sendo estas últimas encaradas em
seu duplo estado, ativo e passivo.
Dora por diante, deve considerar-se o cérebro como o aparelho que liga o
corpo ao mundo, e por cujo intermédio se produzem todas as suas ações e reações.
Só depois de Gall foi que ficamos sabendo, com certeza, que o homem é tão
naturalmente capaz de apego, veneração e bondade, como é espontaneamente egoísta
e ambiciosa. Graças à demonstração da existência dos sentimentos benévolos foi
que o positivismo pôs em foco a questão principal: - desenvolver o respeito tão
seriamente comprometido pelo estado revolucionário.
A verdade é à base de toda a hierarquia, de toda a nobre dependência de
toda a submissão, e, por conseguinte, de todo o aperfeiçoamento. Se o homem não
fosse um animal venerador, não teria sacerdócio, nem governo, nem sociedade, e
portanto, não teria moral.
Por que, apesar da sua inteligência superior, os macacos levam uma
existência tão abaixo do estado social dos cães? É que lhes veneração. Idêntico
motivo faz os mais atrasados dentre os homens, os puros demolidores,
inimigos-natos de toda a superioridade, por mais ilusórias que sejam as suas
reivindicação progressistas.
Amar os superiores é o começo da plena emancipação e do verdadeiro
progresso moral ponto de partida de todos os outros. Broussais, fundador da patologia
positiva, natureza enérgica, sábio audacioso e um dos homens mais notáveis deste
século, honrava se de sua veneração pelo grande Bichat, que chamava “mestre”.
Esse o caráter de toda alma elevada.
O respeito é uma faculdade que a educação positivista cultivara e
desenvolvera de maneira especial.
Coisas existem que se devem desprezar e pelas quais é necessário ter,
segundo o exemplo de Alceste de Moliere.
... essas fúrias ardorosas,
Que o vicio causa sempre as almas virtuosas.
Mas, a veneração é à base de toda sociedade voluntária; ela que distingue a
obediência do cidadão da cobarde vileza do súdito; dela é que advem a
superioridade da civilização ocidental sobre todas as outras; por ela, ainda,
foi que Paris se achou colocada à frente do progresso humano.
Os parisienses teem duas qualidades contraditórias em aparência: são
vaidosos, como todos os verdadeiros cidadãos, mas possuem, alem disto, o sentimento da veneração muito
desenvolvido, que os tem tornado, ao mesmo tempo, a população mais progressista
e a mais fácil de governar.
Para fortalecer o sentimento social por excelência, o primeiro culto a
instituir com a República é o dos grandes homens, quaisquer que tenham sido as
suas épocas e nacionalidades; a eles devemos quanto somos hoje.
Foi Gall o precursor cientifico imediato de Augusto Comte. Graças à sua maior
descoberta a moral espontânea, que gradualmente
se aproximou do estado normal pela evolução, foi irrevogavelmente incorporada à
ciência da Humanidade. E, pela vez primeira e para sempre, as regras da ética, preocupação de todos
os tempos, tornaram-se plenamente homogêneas e relativas, sem nada apresentarem
de arbitrário.
Tendo a ciência tomado posse de todo o seu domínio, e chegado, afinal, à
filosofia e à religião demonstráveis, o espírito abstrato mais sistemático pode
dar plena satisfação às tendências empíricas do bonsenso universal e as mais
profundas afeições do coração humano.
Augusto Comte tomando o homem tal qual ele é em seu conjunto, estendeu os
preceitos da moral positiva a todos os aspectos desta natureza complicada,
ondulante e tão volúvel. Baseou a moralidade no concurso dos dois atributos
humanos – razão e sociabilidade – para resistir às revoltas e aos abusos da nossa
animalidade. Graças a Gall, pode firmar os dois sustentáculos de qualquer
organização cívica: a veneração dos fracos pelos fortes e o devotamento dos fortes
aos fracos, para consagrar o mandamento sublime da moral; fazer o bem pelo próprio
bem.
Aqueles que duvidam da realidade de sua moral, responde o positivismo
firmemente, pelo órgão de seu sacerdócio: a existência e a duração da ética
positiva são inseparáveis das da espécie humana, Nascida com ela, só com ela
desaparecerá.
Por ação, espontânea ou sistemática de seu cérebro, livre de todo
interesse, é que o homem ama, respeita e se consagra, qualquer que seja o ente superior, fictício ou real, que o
espetáculo do mundo ambiente lhe mostre a razão, como devendo ser o alvo de seu
afeto.
As leis naturais não começam a existir só no dia em que são descobertas;
são de, todos os tempos. Eis o motivo pelo qual a Humanidade, assenhoreando-se
pertence, onde quer que o encontre, reivindica como seus todos os devotamentos
que, desde o passado mais remoto,
teem honrado a nossa espécie.
Capítulo Terceiro
Sanções da moral positiva
Resumo
___ A moral
positiva une o útil à realidade. A sanção humana
sempre foi empregada pelos próprios teólogos, e, em todos os conflito, sobrepujou
os processos
sobrenaturais. Comporta três graus, sendo a opinião pública o mais poderoso
dentre eles; reviver em outrem constitui
a principal recompensa, O espírito
positivo faz-se crer, e de
Maistre, confessando a verdade, forneceu as provas do fato. A arte moral parecia furtar-se ao seu império: esta exceção puramente
relativa à ordem de advento dos vários
graus do
saber humano, era apenas passageira; já não existe para os espíritos ativos. As aplicações das leis naturais são
atos de fé positiva, de vez que resultam
da submissão voluntária da razão
individual ao saber da Humanidade.
Sendo essencialmente relativa, esta nova fé afasta toda a possibilidade de
despotismo científico, e determina as únicas convicções inalteráveis, próprias
para assegurar o universal e irresistível império da opinião pública.
Debalde a moral positiva, apesar de sua incontestável realidade,
pretenderia o domínio universal se não satisfizera à segunda condição de
qualquer doutrina dirigente, vale dizer à utilidade, fornecendo a suas regras sanção
e consagração irrecusáveis.
Para dominar, não basta, realmente, que a ciência conquiste os espíritos
cultivados: cumpre que se imponha, a ponto de dirigir a vontade do povo. Indicaremos,
por isto, quais sejam os seus processos gerais de governo, e mostraremos como a
fé, que eles sempre exigem surgiu com o espírito positivo, constituído uma nova
autoridade moral, capaz de fazer adotar e praticar universalmente as verdades
que ensina.
É mister, antes de mais nada, considerar em seu verdadeiro valor a sanção teológica.
Consiste ela, essencialmente em distribuir, para todo o sempre os maus e os
bons, pelo inferno ou pelo paraíso, seja diretamente, seja depois de um estágio
purgatório.
Afirmam os teólogos não possuir sanção a moral se não apóie na vida futura,
sem notar que semelhante moral, para eles excelente, só convem ás naturezas
inferiores. Com efeito, assimilar o dever a um depósito que rendesse juros
fabulosos seria macular, pelo interesse, todas as provas de devotamento.
Para justificar essa asserção, era necessário provar que eles nunca
empregaram outra espécie de governo, ou, pelo menos que esta outra só houvesse
desempenhado papel secundário. Ora, a civilização teve como resultado
demonstrar, afinal, o caráter ilusório
dos processos sobrenaturais e a superioridade constante dos motivos
humanos, Os teólogos nunca os separaram, e, todas às vezes em que houve
conflito, prevaleceu sempre à sanção humana.
Ver na sanção divina o penhor da moralidade,
quando sua eficácia nunca se verificou independentemente da intervenção
de poderes humanos, denota mais fé do que lógica, porquanto esta invariável coincidência
é antes uma presunção em favor da sanção terrestre.
Do ponto de vista teológico, as penas ou recompensas distribuídas durante a
vida são uma espécie de adiantamento às que aguardam o homem depois da morte.
Para que esta sanção futura seja eficaz, é necessário crer; sem, fé, não há
salvação. Esta cláusula, a primeira, aliás, deveria ser exclusiva, se falássemos
de modo absoluto.
Se, para a salvação, bastasse à fé sobrenatural, nos belos dias, de seu
maior fulgor só teria havido santos. Na idade-média, entretanto, quantos tipos
de monstruosidade moral se não podem apontar entre os perfeitos devotos?!
Pretender reduzir a penalidade unicamente ás sanções sobrenaturais seria,
com certeza, uma tentativa assaz audaciosa e econômica. Mas, se nos houvessemos
contentado com isto, teríamos dado uma péssima cartada: a força absoluta
passaria a reinar e os homens de bem seriam os únicos tiranizados. Era o caso
de desprezar, duma vez, essa vida terrena, tão ingrata e tão pouco suportável,
embarcando imediatamente para o outro mundo.
Por isto mesmo, com sabedoria profundamente e humana, e para assegurar
tanto quanto possível à felicidade sobre a Terra, Moisés. Numa, S. Paulo, Maomé
e os outros legisladores exigiram que se unisse a prática, e a crença, jamais
dispensando do emprego de processos positivos os sacerdócios por eles instituídos.
Mas, contradição bem maior de parte dos órgãos desse ser absoluto e todo
poderoso, necessariamente obedecido, havia no confessar assim a insuficiência,
e, em última análise, a quimera da sanção
divina. Foram alem: seus deuses, sendo creados para servir a humanidade e não para
destruí-la, reduziram-lhes o oficio moral a sancionar, no céu, o direito necessário, que tinham, de e
separar na Terra. E, de fato, mantiveram a ordem como se só devessem contar com
a própria providencia pessoal.
Nada confirma tão claramente o caráter secundário e passageiro da sanção
divina do que as provas decisivas a que a experiência universal a sujeitou.
As prescrições da divindade, por mais temíveis que tenham sido, nunca
puderam conter a força da opinião pública. Todas às vezes em que houve oposição
entre a sanção sobrenatural e a humana, a teologia recuou e foi vencida.
A idade-média oferece-nos um exemplo característico do que afirmamos. A
feudalidade. Provinda do civismo romano, adotou a prática do juramento que este
havia instituído, transformando, porem, o caráter sobrenatural que lhe dera. Findou
por só invocar como garantia da vida futura, a honra, isto é, a boa reputação, conseqüente
a um passado de lealdade.
Dizia a igreja católica que todos quantos se batessem em duelo iriam
direito para o inferno, e tanto mais seguramente pois morriam sem confissão: o
pensar feudal, pelo contrário julgava cobarde. e infame, até o fim da vida,
aqueles que se não batessem.
Os cavalheiros medievos não hesitaram: o tiro de ser queimados por toda a
eternidade, em companhia de Belzebute, de Satam e Beemote era preferível a afrontar,
durante alguns anos, o desprezo público, e, para permanecerem fieis à honra,
sacrificaram a vida eterna e bem-aventurada perto de Deus. A sanções teológica não
teve, portanto, bom êxito.
Em que consiste a sanção positiva? Quais são esses processos gerais de governo
tão universalmente eficazes, e que não cessaram de ser empregados por nossos
pais e pelos próprios teólogos?
Consiste ela em invocar conforme os casos, a consciência, a opinião ou a força;
tais são as suas três modalidades, consoante à ordem decrescente de eficácia e
de dignidade.
A mas nobre, pois supõe que o individuo esteja persuadido e convicto,
caracteriza a sanção puramente religiosa: é o apelo à consciência, isto é, ao coração
e à razão. Se este apelo fracassa é mistér recorrer a uma verdadeira sujeição
moral para obrigar o individuo a submeter-se: invocam-se, então, a família, os
concidadãos os povos. Este apelo à opinião participa, ao mesmo tempo, dos dois
outros processos.
Mas quando insensível a essas influências o individuo perturba a existência
comum pelo exagero de sua personalidade, cumpre empregar meios extremos, isto
é, apoderar-se de seus bens, de sua liberdade e, em casos excepcionais, de sua própria
vida.
De um ou de outro modo é necessário que a expiação se efetue sobre a terra,
seja qual for à situação do culpado.
A instituição universal da responsabilidade é a melhor,garantia da
moralidade humana. Para prevenir ou corrigir as faltas, só se pode legitimamente
apelar à consciência e para a
opinião e o poder espiritual não deve empregar outros processos. A força, que
está entre as mãos exclusivas do governo propriamente dito, reserva-se para a
repressão dos delitos e dos crimes; todavia, só se deve fazer uso dela ‘queda os
dois primeiros apelos se mostrarem insuficientes.
Tais foram os meios utilizados
por nossos antecessores para assegurarem o cumprimento dos deveres, e cujo
admirável conjunto constitui uma sanção mais salutar e mais eficaz (toda a
história o prova) que es invenções do inferno e do paraíso.
Quem se importará com um pagamento tão afastado, quando a tentação se acha
tão próxima?i Mas quem não teme a expiação imediata do remorso, da vergonha, ou
da penalidade corporal?!
A todas as alegrias do paraíso, o homem preferirá sempre o gozo direto e
permanente, que lhe conferem o testemunho de sua consciência e a aprovação, das
pessoas de bem.
Quando as perturbações doentias da personalidade roubam aos sentimentos e à
razão sua influência moral, como acontece com os loucos, recorre-se á seqüestrarão.
A sanção positiva acha-se,
portanto, apta a prover todos os casos que a existência apresenta. Sua característica
principal, na dupla forma diretora e repressiva que apresenta. E o império da
opinião pública. cujo principal oficio consiste em ligar aos a idea de glória e de deshonra.
Crer que só se governa bem pela violência ou pela corrupção ê tomar os
casos anormais pela própria ordem porque, em todos os tempos, embora
necessária, a força tem sido um meio
complementar, sempre e cada vez mais subordinada às opiniões dominantes. A eficácia
e a durabilidade de sua ação dependem dos
limites do concurso que essas
opiniões lhe outorgam e que se acham fora de seu alcance.
A sanção positiva é, pois, essencialmente espiritual; e, se de modo crescente a suprema
vergonha consistir em ser reprovado por outrem, desejar-se-á sempre, como suprema recompensa, reviver em outrem. Viver na memória
dos homens tem sido constantemente um grato voto para as atinas nobres, e esta
imortalidade, a que aspiram com o maior ardor, é a única compatível com a ciência.
Só neste sentido o positivismo consagra a máxima corrente: Toda moral sem vida
futura (subjetiva ao envés de pessoal) não tem sanção.
Neste arranjo positivo do governo humano em que só a opinião popular, graças a
seu apoio, pode tornar executórios os preceitos morais formulados pelos filósofos.
Como se realizará a aliança dessa grande força com o grande pensamento?
A opinião pode
desencaminhar-se; se ganha batalhas também é quem as perde. Precisa portanto. Ser
dirigida ou governada, vale dizer, reconduzida à consideração habitual do bem comum.
Isto supõe, em primeiro ligar, que cada individuo se submeta livremente fé; em
segundo que, por sua natureza, semelhante
fé seja apta a tornar-se a única para todos, ou, em suma universal. Este é um
problema formidável, que escapa a qualquer poder individual, por maior que
seja.
O positivismo, aqui como alhures,
nada vem crear; apenas, desenvolve e sistematiza tendências espontâneas e universais.
A história prova que o homem tanto mais subordina sua vida a suas crenças,
quanto maior e a parte que o espírito positivo tem na formação delas. Essa
influência, que a principio prevaleceu nos esboços especiais da moral humana,
estendeu-se até aos mais gerais.
Desde suas primeiras conquistas, produziu o espírito positivo as únicas convicções
verdadeiramente universais e inalteráveis. Don Juan, que não leva em conta nem
o inferno, nem o céu, nem mesmo as conveniências sociais, aceita as duas bases
de toda a moralidade, a razão e a sociabilidade; crê no teorema fundamental (dois e dois são quatro), onde começa a via
que terminou na religião positiva. Só pelo amor da humanidade cede as instâncias
do pobre que lhe pede uma esmola em nome de Deus.
Estas convicções passaram. das doutrinas aos doutores. Na época em que o
grande teórico do catolicismo, de Maistre, nos seus Serões de São Petersburgo, assinalava a fé de que eles
se haviam tornado objeto, a confiança popular já se tinha estendido dos geômetras
aos astrônomos, aos físicos, aos químicos, e até mesmo aos biologistas.
O ascendente deles arrancou-lhe esta preciosa confissão; “Esta espécie de
despotismo, que é o caráter distintivo dos sábios modernos, apoia-se
inteiramente hoje em profundos cálculos, ao alcance de um diminuto número de
homens. Basta que eles se entendam para impor silencio à turba. Suas teorias
tornaram-se uma espécie de religião; a menor dúvida é sacrílega. O tradutor
inglês das obras de Bacon, o doutor Shaw, disse... que
o sistema de Copérnico tem
ainda bastantes dificuldades. Realmente é necessário ser intrépido para enunciar
uma dúvida desta natureza. A pessoa do tradutor me é absolutamente
desconhecida; ignoro mesmo se existe. E’ impossível
julgar-lhe as razões, mesmo porque não lhe pareceu conveniente fazer-nos
conhecê-las; mas, no tocante à coragem, é um herói!”
Este mesmo de Maistre forneceu a
prova decisiva de que o espírito cientifico sobrepuja o espírito teológico para
determinar convicções. Quando procedeu à sistematização do catolicismo, no
tratado Do Papa, onde se
originou a reação cujo fim foi o Syllabus,
tentou, como aliás escreveu, estabelecê-la por argumentos positivos: “não
há dogma cristão que não tenha suas raízes em a natureza intima do homem e numa
tradição tão antiga quanto o gênero
humano. Aos que, inquietos com a novidade do processo, lastimaram, com bons
motivos, que se não houvesse atido à argumentação tradicional, respondeu: Assim
me não leriam,?. Ora, ele foi lido, e Augusto Comte, em se apropriando de todos
os seus princípios essenciais, mostrou que a Revolução Positiva achara um
servidor teórico inconsciente no mais racional de seus adversários.
Ao enves de se perturbar
com o descrédito em que a fé cientifica lançava a teologia, a ponto de ser necessário
mostrar espírito forte para sustentar doutrinas em contradição com as teorias
positivas, este audacioso pensador não hesitou em anunciar a inevitável restauração
do catolicismo.
O que lhe dava tal convicção era que os sábios, tão poderosos sobre a natureza,
não levavam em conta absolutamente às coisas humanas.
Como todas as grandes cabeças filosóficas,
de Maistre não punha em dúvida a inevitável tendência do espírito humano
para a unidade do método e da doutrina, e. na separação dolorosa entre dois poderes
inimigos, relativos um à fé e a moral, o outro a razão, e a industria, ele só podia ver um
acidente.
Mas, quando em virtude do contraste existente entre a divergência dos
sábios modernos em matéria política ou moral, e a convergência e poderosa unidade
das concepções teológicas, de Maistre concluía que o espírito teológico, tendo
conservado a preponderância na direção moral, havia de retomar a direção de
todo o domínio cientifico, mesmo astronômico,
contava de com uma harmonia
impossível.
Sem ter analisado convenientemente a situação. não viu seria necessário que
a Humanidade, ou renunciasse ao método positivo em todos os domínios onde de havia
gradualmente prevalecido, mau grado a teologia e a suas expensas, ou lhe
submetesse igualmente a moral e a política. Ora, posta a questão neste pé, quem
não reconheceria a inanidade de uma restauração teocrática!
Como volver sobre essas transformações lógicas, que os próprios cérebros mais rebeldes ao espírito cientifico
já sofreram?! Não foi para consolidar tais conquistas do método positivo e
preparar as forças necessárias à sua universal extensão, que Descartes
estabeleceu, entre a razão positiva e a fé
teológica, essa trégua provisória e sistemática, que destruía para
sempre, em física, a autoridade fictícia, pressagiando-lhe em moral eliminação
definitiva?!
Com efeito, em Lógica e em Física o público já não dá o nome de ciência a
não ser às descobertas do espírito positivo, e as concepções teológicas correspondente
adiam-se, a seus olhos, desacreditadas ou cobertas de ridículo. Ora, quando o
espírito despreza realmente uma teoria fictícia, a ela não teoria jamais.
Além disto, o espírito científico é essencialmente ativo, cheio de vida,
conquistador, e, qualquer que seja o
domínio de que se apodere, faz que a convicção penetre nos espíritos mais
rebeldes ao governo científico.
Tendo a experiência surtido bons efeitos com relação, à lógica, ao mundo e à vida,
havia presunção de que não seria menos decisiva no tocante à sociedade e ao
homem. Podemos agora, graças a Augusto Comte, resolver uma dificuldade que de
Maistre não pode esclarecer.
Já em, meados do século XVIII, David
Hume, em seus Ensaios, assim caracterizava essa situação: ‘Quando penso que se mediu e determinou a grandeza e a forma da Terra, que se explicaram às marés. Submeteram-se os corpos
celestes a leis constantes, e o espírito chegou até a calcular o infinito, e
que, apesar disso tudo, os homens vivem em constante disputa sobre o fundamento
de seus deveres, essa estranha singularidade faz-me cair no temor e na dúvida’.
A dúvida de Hume referia-se apenas aos princípios fundamentais até de
propostos, porquanto procurou tirar a arte humana do empirismo em que havia
permanecido. sem maior sucesso que os grandes filósofos, os quais antes dele, e
desde Pitágoras e Aristóteles (na Moral e na Política), haviam empreendido fundar
uma teoria racional e sistemática de governo. Mas a persistência popular da
moral teológica não lhe inspirou maiores ilusões que aos verdadeiros pensadores, seus êmulos.
Diderot, ao morrer, exprimia-lhe a situação provisória por este aforismo: A
incredulidade é o primeiro passo para a filosofia”.
Tinham todos a certeza de que o antagonismo, anômalo e efêmero, entre o
surto moral e o surto positivo era mais aparente do que verdadeiro: porque, sem
embargo da decadência da teologia, viam a relação moral do Ocidente
revolucionário manter-se sob a influência conexa do espírito científico, da
vida prática e do bom senso vulgar.
Tiveram o
sentimento profundo da unidade humana e, se a sua concepção positiva
lhes escapou, conservaram sobre de Maistre a incontestável superioridade de só
a ter procurado na ciência, sem Deus nem rei.
O grande século XVII, retomando, a seu modo, o célebre dualismo filosófico,
instituído por Aristóteles e Platão abrira ao espírito positivo duas vias, que só
foram identificadas por Augusto Comte.
Descartes, em seu Discurso sobre o método (1637), formulou o decisivo manifesto da
filosofia natural; e, juntando
o exemplo ao preceito, fundou a Geometria Geral, que constituirá sua eterna
base lógica.
O chanceler F. Bacon em sua Grande
Restauração das Ciências (1620),
tentou, segundo judiciosa interpretação, da natureza, roubar diretamente à teologia
e a parolice
metafísica as considerações sociais e morais. Mas, o programa que elaborou, não
se seguiu de nenhuma construção durável, e, mau grado preciosos resultados obtidos
por notáveis discípulos seus esta escola não apresentou o majestoso
desenvolvimento da inundação cartesiana.
Destarte, enquanto os filósofos demonstravam em lógica e em física, uma harmonia
perfeita, manifestavam em Moral as mais profundas divergências, E’ que os insucesso,
repetidos, assinalados pelas tentativas feitas neste último sentido, constituíram
o resultado inevitável de uma situação em que os meios não correspondiam força
das necessidades.
O governo da natureza humana, sendo a mais nobre das artes, só podia cessar de ser
empírica depois da racionalização de todas as outras, mais simples e, por
conseguinte, mais acessíveis aos conceitos abstratos. Ora, essas só se tornaram
científicos consoante a uma ordem fatal: nossas concepções positivas
livraram-se da aderência teológica tanto mais tarde quanto mais diretamente
relativas ao homem.
Tal era a razão por que a ciência
da humanidade deveria tomar posse, sucessivamente,
da Matemática com Tales, da Astronomia com Hiparco, da Física com Galileu, da Quimca com Lavoisier e da Biologia com
Bichat, antes de se completar pela Sociologia e Moral.
O que de Maistre havia, pois, encarado como uma impossibilidade absoluta,
eta unicamente relativo, por conseguinte
à ordem de evolução do
saber humano. As tentativas dos Hobbes, dos Humnes, dos Holbachs e dos Condorcets, para realizarem as considerações de Bacton, instituindo mora e política nacional, não eram, portanto, mal
inspiradas mas prematuras. Augusto
Comte, fundando a Religião da Humanidade, provou o sobejamente.
Seguindo, no caso, a ordem necessária
dos progressos do espírito humano. o público, em virtude dos hábitos
adquiridos nas artes matemáticas, físico-químicos e biológicas, começa a
admitir a competência positiva no governo
da natureza humana.
A combinação entre a ciência e a prática,
que presidiu desde o surto industrial a tão formidáveis progressos matérias, inspirou a convicção de que,
em certo momento, ela se haveria de
tornado possível no domínio humano, legando
o progresso político e moral a um desenvolvimento inconcebível. Eis por que o público, desejando medidas
reais e oportunas, fala corretamente de política e socialismo científicos, sem
que ainda saiba convenientemente o que
quer isto dizer.
Reclama~se uma educação cientifica; instituem-se, de modo espontâneo, festas puramente
humanas, familiais ou patrióticas:
deseja-se conhecer o papel dos grandes homens, nesta evolução social de que tem sido os produtos mais característicos. Não testa dúvida
que, em semelhante meio, as regras morais e religiosas, emanadas
da ciência, serão aceitas com a mesma
confiança que as outras regras positivas.
Tal como se deu com os engenheiros,
os astrônomo e os médicos, em suas respectivas artes, a massa dos que não escudaram, se louvará, em sua conduta privada e pública. nos filósofos,
os quais possuirão, melhor do
que ninguém. o conjunto do saber abstrato, sendo no mesmo grau, capazes de ensiná-lo, O exame completo do problema
estabelece, pois, a inabalável convicção
de que o governo do homem pertencerá, enfim. sem reservas, à ciência da
Humanidade, como já lhe pertence a do mundo, e para todo o sempre.
Com esta nova autoridade espiritual, deverá a sociedade, como ensina de
Maístre, temer um novo despotismo,
que venha, em nome da ciência,
substituir o que o Jesuitismo
queria impor-nos em nome de
Deus? Ou, pelo contrário, encontrará todas as garantias necessária ao digno surto
da consciência e da opinião?
A experiência já respondeu. Todas
as empresas industriais,
relativas à exploração terrestre e animal, que o espírito científico dirige não são verdadeiros atos de fé positiva? Que mais seguro
penhor de fé podemos dar que o conformar-nos com as leis, cuja demonstração
ignoramos, e das quais dependem a nossa própria fortuna. saúde e vida?! Honroso
espetáculo para a Humanidade é este atestado da energia universal dos
sentimentos benévolos a confiança e a dignidade presidem à existência comum.
O homem não nasceu para buscar perpetuamente os princípios de sua conduta,
mas para harmonizar a sua vida com os princípios universalmente admitidos. A
fé, que assegura a felicidade privada e pública, não cessará jamais de ser uma
virtude.
Do ponto de vista abstrato, toda a fé consiste na disposição universal para
crer espontaneamente, sem exame nem demonstração prévias, nas leis proclamadas
por uma autoridade competente. Para que uma regra seja de fé, basta que corresponda a
disposições interiores: mas, para que comporte uma adoção durável e universal,
cumpre que se apresente conforme as realidades exteriores.
O catolicismo, para consolidar essa crença indemonstrável que só
correspondia ás conveniências cerebrais, teve de recorrer a processos
arbitrários, entre os quais pode servir de exemplo a infalibilidade papal.
O positivismo não terá necessidade alguma de artifícios semelhantes, para
consolidar uma fé que satisfaça simultaneamente a essas duas exigências: ser
útil e real. Na acepção positiva, ter fé e submeter voluntariamente a razão à
Humanidade, ou seja, ao conjunto das teorias abstratas e gerais, construídas
pelos seus mais poderosos intérpretes. Todos concorrem, entretanto, para ate conjunto, pois que o bom senso
particular, verdadeiro positivismo espontâneo, alimenta, estimula ou fiscaliza
a razão geral. Deste modo, ainda se pode definir a fé positiva como a submisso
do bom senso particular ao bom senso universal.
A experiência, já hoje bem suficiente, convenceu o povo de que não havia
depositado mal a sua confiança. O caráter relativo da fé positiva já bastante
se tem manifestado para que de afaste, como quimera, tão ridícula quã absurda,
o pensamento de ver transformar-se em despotismo um predomínio benfazejo.
Com efeito, embora as demonstrações não sejam por todos conhecidas, nem
atinjam mesmo, talvez, jamais este grau, acreditou-se nas verdades matemáticas,
no duplo movimento da Terra, na circulação do sangue. Estas descobertas do espírito
positivo contam hoje mais crentes do que jamais tiveram a Bíblia, o Alcorão e o Contrato Social
reunidos.
A causa disto é ser a realidade o ponto de partida das leis abstratas
correspondentes, de modo que das nunca se acham em contradição com os fatos
observados, que lhes serviram de base, Dai, a inalterável convicção popular.
A que verdades teremos dado fé com maior justiça e vantagem? Conseguirá o
sábio, por ter formulado a lei, algum poder despótico sobre os homens, quando ele
próprio se acha sujeito a essa mesma lei, que descobriu e não creou? O que o distingue
de todos os outros, é ser o primeira a
dar o exemplo de submissão a
esta verdade nova que lhe é devida, acabando o público por crer no que vê praticar.
Se na própria lei é que se descobre
o despotismo. então, esse é inevitável, muda, porém, de natureza e de
nome: é o domínio das coisas e dos principies, não o dos homens.
Ademais, não é o descobridor da lei quem na aplica; não são mandamentos que
formula, mas luzes que propaga. Cabe a cada individuo, segundo as conveniências
particulares, deduzir, por elas, as regras aplicáveis a cada caso; e a
atividade de todos, mulheres, poeta ou artífices, nelas encontra o mais vasto
campo.
Se, para precisar o que possam conter de demasiado abstrato essas indicações,
tomarmos a teoria da divisão, tal como Augusto Conde estabeleceu na Síntese subjetiva,
notaremos que o grande filósofo não deduziu duas regras, uma para seu
uso, outra para o público. A que formulou e adotou, pode o público recuse-la ou
aceitá-la e aplicá-la, consoante
melhor lhe pareça; e, para fazer uso dessa teoria. verificando que a regra
correspondente o leva sempre ao fim almejado, não indispensável o conhecimento
da demonstração. Basta ao povo, para crer firmemente Das verdades demonstráveis
(e com perfeita liberdade de consciência) essa possível verificação experimental.
A adesão aos dogmas positivos conserva sempre caráter provisório: fica,
portanto, subentendido que o erro ou a omissão teem importância relativa. Essa
tácita reserva, que constituiria, no ponto de vista teólogo, o maior dos sacrilégios, resulta da
própria natureza do espírito positivo.
Só se aceita uma lei positiva se da fõr confirmada pela experiência, e essa
mesma adoção só é mantida enquanto satisfaça às necessidades práticas; desde que torne insuficiente. o dever
de todos os sábios é desenvolve-la afim bastante afim de que possa abranger os casos
que vinha omitindo. Assim, a dignidade humana é tão respeitada quanto a
continuidade mental, por que aperfeiçoando a fé, não renuncia o homem às suas
primeiras convicções, mas conserva-as ou as estende, decom o desenvolvimento
do campo de sua atividade.
Além disto, pode cada um pretender, na
medida de suas forças, modificar as regras existentes ou formular novas,
com a reserva única de preencher as condições racionais, exigidas dos próprios sábios, para que lhes seja dada à necessária fé. Neste
particular, há, pois, igualdade, sendo estas condições comuns a todos.
Sem temer nenhuma das renascentes
divagações contra as quais o catolicismo só encontrava como freio decisivo o
braço secular, a fé positiva comporta o mais extenso direito de revisão e exame. Para vencer as heresias
com a quadratura do circulo, o pretenso cálculo das probabilidades e a pretensa
ciência dos economistas, o espírita positivo não necessita da faça; como
Dante, na Divina Comédia, deixa-os
murmurar, olha-os e segue seu, caminho... O seu descrédito é a conseqüência imediata ao triunfo.
E não só a regra é comum a todos, nas a própria fé se mostra de igual
natureza: como não há capacidade universal, porque ninguém pode tudo observar e
verificar, teem os sábios, necessariamente, entre des a mesma confiança que o
povo lhes deposita coletivamente; varia,
apenas, o grau, que diminui ou
aumenta, segundo a maior ou menor competência.
Assim, pois, não há. nesta obediência da razão individual, que distingue a
fé positiva, nada que recorde o caráter humilhante da fé teológica. nada dessa
cegueira necessária, que levava Sto. Agostinho a crer no Evangelho, mau grado
seus absurdos, e Pascal a bestificar-se, para fazer-se perfeito cristão.
Nada mais contrário ao estabelecimento de um dogmatismo despótico que a
aptidão espontânea das verdades demonstráveis para determinar essa irresistível
adesão única suscetível de vencer todos os egoísmos, de provocar e facilitar
todos os devotamentos.
Neste assentimento geral o espírito positivo acha o acha necessário à
aplicação das leis que descobre Longe de estender o domínio da legislação civil
e criminal. este espírito suprime radicalmente os processos de opinião e de tendência, em virtude da capacidade
de manter a ordem nos cérebros, pelos seus exclusivos meios subjetivos.
Para fazer preponderar as suas doutrinas, sob a República, que lhe assegura
todos os meios de ação, não empregará a violência, do mesmo modo que, para fazê-los
surgir, não apelou para a insurreição,
sob o reinado da teologia.
Para provar que sé com a fé demonstrável à que se observa o surto pacifico,
o acordo geral e a convicção inalterável não se pode invocar exemplo mais patente
do que a universal adoção da teoria do duplo movimento da Terra.
Em que época teve o espírito humano de vencer tamanho concurso de resistências,
o mais formidável, talvez, que se
haja até hoje oposto á adoção de uma verdade entre os homens? Era-lhe
necessário desmentir formalmente o
testemunho dos sentidos e o da tradição quasi unânime do Governo humano; torcer
o orgulho do homem. Que se julgava, até esse momento, como o centro da creação por
em dúvida a própria palavra de Deus, apanhado em flagrante delito de ignorância maior: destruir
o fecho da abóbada da igreja católica.
E, entretanto, sem embargo dos entraves inquisitoriais e sem tumulto o
espírito positivo destruiu-as: bastou, para isto, que Galileu submetesse às
regras do método positivo a concepção de alguns astrônomos da ambigüidade, e que,
em circunstâncias oportunas, Copérnico novamente as publicasse dando-lhes, pela
primeira vez, o apoio da demonstração.
Este gênio supero: todos os obstáculos porque, profundamente compenetrado
dos verdadeiros caracteres da lógica positiva, soube. graças a ele. observar
cuidadosamente a realidade que considerava como a base inabalável exclusiva, da
filosofia natural.
Com certeza, quando os proletários se acharem suficientemente familiarizados
com os ensinamentos que decorrem dessa marcha tão frutuosa, não hesitarão em desprezar
os vãos doutores, cuja brutal ignorância não sabe resolver problema algum a não
ser pelo extermino, e irão buscar no espírito positivo não só os meios de
salvação como o segredo de seus destinos e as condições de sua felicidade.
Resultado tão precioso, verdadeiramente incomparável, é magnífico para
fornecer-nos a mais firme confiança, em meio das perturbações do presente,
prendendo-nos ao conjunto das
verdades demonstráveis, que. formam a ancora lançada por nossos pais na realidade
das coisas. Nossos destinos acham-se-lhe indissoluvelmente ligados: é
necessário que nos aferremos a ele e só nele nos firmemos.
Em torno dessas verdades positivas, gruparam-se todas as inteligências de escol, e a sua concórdia
é a melhor garantia que a fé popular vem desfrutando. Todos os resultados adquiridos são loqo
fraternalmente espalhados duma a outra extremidade da República Ocidental; a qualquer
pátria que se ache ligada a sua sorte, estes espíritos positivos compreendem-se
e se unem. Método, princípios. linguagem, destino. tudo lhes é comum.
O escol do povo ocidental se emancipou de Deus e dos Reis, graças a essa
aliança filosófica, contra a qual não puderam tirar partido nem as cóleras do
papa, nem os cadafalsos democráticos, nem os canhões dos reis.
Uma só das descobertas que emanaram dessa corporação fez mais pela ventura,
pela paz e liberdade da espécie humana do que todos os escritos de Voltaire, Helvécio
e Rousseau, por maior que tenha sido a influência destes literatos, as mais
vezes superficiais e inconseqüentes.
Cumpre, pois, cedera evidência! Os teólogos, assim como os democratas,
devem precavesse; a fé positiva
substituiu a fé sobrenatural, e seus intérpretes inspiraram uma
confiança que os teólogos invejam.
O sentimento cada vez mais preciso de uma ordem terrestre e humana,
independente de nós, determinou. em todo o Ocidente, ativas convicções morais e
religiosas, entre o espíritos bem cultivados, e preconceitos vez mais patentes,
entre os espíritos populares.
E uma fato consumado: existe unia autoridade moral que, sem deus nem rei, e
por seu ascendente irresistível, vira inspirar, fortalecer e retificar a conduta que a famílias, a classes e as nações
tiverem. Com efeito só um governo de opinião, baseado no espírito positivo. liga-las-á
convenientemente.
O grande destino do século XIX é organizar esse poder espiritual, universalizando, por uma
educação comum a todo o Ocidente, os princípios gerais que devem prevalecer por
toda à parte. Sob este impulso, a força de opinião se manifestará cada vez mais,
e tanto melhor quanto mais o desuso da teologia livrar a suprema sanção de
arrimos esgotados, verdadeiros pesos mortos,
há um tempo comprometedores e opressivos,
concentrando-a cada vez mais no
proletariado.
O novo
poder espiritual já existe: é consultado e obedecido. A consistência
e a plenitude de seu preparo hão de assegurar-lhe,
inevitavelmente, a preponderância.
A anarquia mental dos órgãos
atuais da opinião facilitar-lhe-á o ascendente, assim como o apoio que há de achar em todos os cérebros, porque não existe nenhum que não haja cedido, até certo ponto,
à penetração da fé positiva.
Podem portanto, entregar.se à
própria dissolução todos os sacerdócios
teológicos — nenhum dos resultados essenciais da civilização ficará, por
isto, comprometido!
Capítulo Quarto
Consagração da moral positiva
Resumo
- A moral positiva, consoante a tradição,
baseia-se na existência de seres coletivos. Em toda a parte o homem se acha ligado a uma família,
a uma pátria e a uma coletividade
mais complexa, porque não pode existir
fora destes ambientes. Seu império, que vai crescendo, caracteriza-se
principalmente pela continuidade e se resume nesta lei universal, que dirige
todos os seus pensamentos e afeições; os mortos governam os vivos. A Humanidade, que
os mortos representam, constitui, por conseqüência, o Ser Supremo, em cujo nome devem ser
consagrada as regras da ética positiva.
Herdeiro de todas as civlizações, o positivismo necessariamente combina a
autoridade da tradição com a do dogma e a da opinião pública. Isoladas, a consciência e a opinião ficam entregues a
ilusões, a erros e excessos, e, sem este regulador, cuja certeza precede o testenho
da razão individual, dificilmente evitariam o arbitrário.
Para a estabilidade dos princípios de ética, não basta todavia, consagrar a
tradição, sem a qual, aliás, qualquer doutrina que não tenha um passado será incapaz de influir no futuro. Cumpre,
alem disto, como em todas as
religiões preparatórias, essa tradição se identifique com as leis da autoridade
suprema. que realmente consagra as prescrições morais.
Tal como em relação às outras concepções fundamentais da moral positiva,
não se trata, no caso, de inventar um Ser Supremo, mas, entre as diversas
influências humanas, reconhecê-lo por seus caracteres de constância e
universalidade, indispensável para tornar-lhe a existência sempre verificável.
Mostra-nos uma observação vulgar que existe alguma cousa acima de nós; uma
série de provas diárias testemunham a multiplicidade dessas influencias dominadoras.
Achamo-nos fixados a Terra. Não nos podemos, deslocar até muito longe, na
superfície, e menos ainda em altura ou profundidade. Recebemos de nossos pais
um caráter fisiológico indelével; não determinamos a nossa natureza, nem o
nosso sexo, e tampouco a nossa família. Não escolhemos do mesmo modo, o nosso século e a nossa pátria: vivemos no
século XIX, somos franceses, e não podemos fazer que, de fato, o não sejamos.
Todas essas influências podem ligar-se a duas fatalidades irredutíveis: as
da ordem do inundo e as da tradição. Ambas foram reconhecidas em todos os tempos,
mau grado certas contradições.
Segundo as concepções sobrenaturais, o Ser Supremo teria creado a ordem do
mundo, em desacordo com a lei universal, que, por toda à parte, faz a ordem mais nobre depender da mais
grosseira.
A tradição, variável com o dogma teológico, teria nascido em certa época da
humanidade; os predecessores e todos os outros crentes não dependeriam dela.
Assim, embora os judeus, os cristãos e os muçulmanos tenham um pai comum —
Abraão - — mais nominal que efetivo, a verdadeira tradição remonta a Moises para
uns, a Jesus e Maomé para outros. Seus mútuos conflitos provaram, alias como se
rompera à tradição por esta, diversas tentativas de unidade.
Cumpre, portanto. satisfazer. de uma só vez, a todos os programas parciais.
para respeitar plenamente a realidade
exterior e a continuidade humana, desconhecida e alteradas até o presente
século. Por isto era necessário partir do escol da Humanidade, remontar sem
interrupção à seqüência dos tempos, de geração em geração confirmar os
resultados obtido, comparando o passado com todas as civilizações que não hajam
participado deste movimento progressivo. Depois em virtude da mesma lei,
determinar, entre as diversas influencias constantes, que dominaram em cada
período, aquela que os rege todos, sem exceção no tempo e nó espaço representando-lhes.
Concomitantemente, o principio e o fim.
Fundada a Sociologia, Augusto Comte tornou data à realidade para todos os
observadores de boa lê. Demonstrou que, em todos os tempos, os homens, consciente
ou inconscientemente se teem subordinado ás coletividades, de que dependem cada
vez mais, queiram ou não queiram. Faz-se mister, portanto. Sistematizais esta
situação, empiricamente conhecida até ele, afim de tirar-lhe as conseqüências necessárias.
Apesar dos devaneios teológico-metafísicos, o homem nasceu numa sociedade.
O Adão do paraíso teológico, Eu da metafísica, verdadeiros nati-adultos, são
puras ficções, e em nenhuma parte se encontraram nem ao Robson Crusoe, de Daniel de Foe, porque Robinson não só se educou em família
como salvou com ele a fermenta que facilita, o livro que consola e um cérebro
cultivado, coisas que têm a marca da sociedade.
Antes de nós já existia quem tudo preparou pua nós receber: a família. E
ela que, no inicio, tudo nos transmite, a começar pela vida. A família não é
peculiar à humanidade; encontramo-la em certas espécies animais, como o cabrito
selvagem e a raposa, sendo que com esta chega até a viuvez, como verificou Georges
Leroy. Por conseguinte, sua existência e legitimidade não mais se devem
discutir, como se não discute a de nossos órgãos digestivos ou locontores.
Rousseau, portanto, obedecia apenas à sua imaginação desordenada quando descreveu um
estado quimérico em que o homem, semelhante a uma fera, vivia solitário aos
bosques.
Por seu turno, qualquer família faz parte de uma sociedade superior, colônia,
tribo ou nação, sob cujo protetorado desenvolveu seus germes espontâneos. Jamais, a não ser por acidente, se viu
uma família isolada.
Esta é a dependência referida por de Maistre, quando, a propósito da Declaração dos Direitos do homem, escrevia:
“O homem isolado é uma entidade. Não há homem no mundo. Tenho visto franceses,
italianos, russos, etc.; sei
mesmo, desde Montesquieu, que se pode ser persa: mas quanto ao homem, declaro
não o ter encontrado ainda em minha vida; se existe ignoro-o inteiramente”.
As diversas pátrias, enfim, mau grado suas primitivas lutas, ou melhor, em
virtude destas, se aglomeram estabelecem
entre si relações determinadas, que as transformam em membros de um organismo comum.
Às Viagens de
Cook, como as relações das descobertas feitas pelos grandes navegantes, seus
predecessores, os Gamas, os Colombos, os Magalhães os Tasmans, sempre mostram, nos
continentes que exploram, o homem vivendo em sociedade.
Com o surto da civilização, o homem é progressivamente empolgado pela
coletividade no tempo. tudo se acha ligado: cada geração nasce da precedente, e
o impulso que os séculos recebem dos que os preceder, é fatalmente transmitido
aos seguintes.
O homem, direta ou indiretamente cada
vez mais depende desta herança. Cada um de nós, por sua família e sua pátria,
remonta-se até às primitivas idades do gênero humano, por uma série
ininterrupta de antepassados de todas as famílias e de todas as nações, que necessariamente influíram sobre nosso
estado atual.
Por outro lado, também cada vez mais o homem se liga à população planetária inteira. Este fato, que já
é verdadeiro para o escol da humanidade, se-lo-á gradualmente para os diversos
grupos orientais. Desde que um destes se incorpore ao concerto ocidental, traz,
como elementos, a ação de seus próprios antepassados, que, de entio por diante.
se tornarão nossos, adotando, em troca, os que nos eram particulares.
E assim que vão crescendo, espontaneamente e sem plano preconcebido, as
duas fontes de nosso poder — solidariedade e continuidade — de forma que tendem
para a união final. Destarte, ninguém
nasce sozinho, e cada qual é concidadão de todas as idades e de
todos os povos que concorreram para o formar, fazendo do homem, segundo o dizer
de Leibniz, um composto de tempo e de eternidade, vida, saber, força, tudo nos
é transmitido pelo meio social.
O ente que se bastasse a si mesmo, dispensando a ajuda de seus semelhantes,
sé, poderia ser, segundo a enérgica expressão de Aristóteles, uma fera ou um deus.
Estabelecer regras de conduta, fazendo abstração destes organismos,
indispensáveis à concepção, à vida e ao desenvolvimento do homem é portanto, impossível.
Cada individuo faz, necessariamente, parte de uma família, cada família de
uma pátria e cada pátria de uma coletividade mais complexa. Pretender fundar a
moral positiva sem estes seres coletivos seria querer construir sobre areia: Vivemos paro outrem.
Somos, então, dominados por uma coletividade progressivamente continua e
extensa cumpre-nos determinar com precisão o elemento preponderante, ao qual
tudo devemos submeter. Nesta ligação universal, a influencia das gerações, isto
é, da continuidade, sobrepuja
forçosamente, e cada vez mais, a cooperação, dos contemporâneos, ou seja, a solidariedade propriamente dita.
O que distingue, com efeito, o gênero humano das espécies animais,
constituindo a origem de sua superioridade, são os antepassados, que, eu, razão
de seu número sempre crescente, lhe fornecem, ao mesmo tempo, o estimulo e as
regras. Sua ação estende-se, mesmo, aos animais domésticos, que, aliás,
participam voluntariamente desta obra coletiva: se o cão de caça, por exemplo,
é capaz de dominar-se, só o faz mercê da intervenção humana, progresso este que
se deve a influencia da continuidade social.
A proteção dos antepassados permitiu ao homem sair da animalidade, e.
libertando-se de terrores vãos, apoderar-se do governo do mundo terrestre e
vital. E por intermédio deles que sofremos a influencia do unido, porque, sem o
seu auxilio, nos teriam faltado o tempo e as energias, não só para formular
previsões use para modificá-lo convenientemente.
Devemos aos antepassados os elementos e os processos de todas as nossas
ações. Quer prossigamos nas suas empresas, como haviam continuado as de seus predecessores,
que empreendamos novas, só podemos agir de acordo com as leis, artificiais ou
naturais, que lhes são devidas, e pelas quais eles nos protegem contra nós
mesmos, Os que não crêem sofrê-las, ignoram as origens de seus pensamentos e
afeições: numa palavra, não sabem de quem são filhos.
Não obstante desconhecermos, em sua maioria, os nossos antepassados, sabemos que só por eles existimos; o
sentimento e a noção de seu concurso efetivo é que nos impele a uma ativa
simpatia universal.
Augusto Comte nada mais fez, portanto, que exprimir, sem exprimir sem
exagero algum, uma situação fatalmente atada e sofrida até de com todos os
inconvenientes da ignorância, quando formulou esta lei basilar. Os vivos são sempre, e cada vez mais, necessariamente governados
pelos mortos. Esta lei da ordem humana, que solapa os principies
democráticos, apenas causa estranheza aos espíritos revolucionados, porque é difícil,
e a eles mais do que ninguém, observar a que se passa
continuamente em torno de si, começando pela própria família.
Importa, para tornar estas indicações quanto possível completas, lembrar
como os mortos governam os vivos, sendo, ao mesmo tempo, seus modelos e protetoras.
Na existência de nossos antepassados há duas partes que considerar: uma
eficaz e permanente, outra perturbadora e. por fim, anulada. A atividade de nossos pais cessou, os corpos
desapareceram, mas, durante a vida, obtiveram certo número de resultados —
materiais. intelectuais e morais. Nem todos, porem, subsistem, e por fim só
permanece o bem que fizeram: o mais é lançado ao rio do esquecimento.
A parte inassimilável de sua atividade não interrompeu nem alterou a
natureza, o arranjo ou a sucessão dos progressos da ordem humana; pode, no máximo,
retardar ou enfraquecer a marcha comum. Em todos os conflitos provocados por erros
ou crimes, o mal, seja qual for o poder da continuidade humano, prepondera de
inicio, mas lentamente vai diminuindo.
E’ que, como essas perturbações individuais são momentâneas e não
indefinidamente renováveis, enfraquecem cada
vez mais, e a continuidade acaba por prevalecer; são, pois, semelhantes,
sob este aspecto, A força de impulsão dos corpos. constantemente em declínio e,
afinal, de todo vencida.
Os séculos purificaram, gradualmente, a herança do gênero humano. Esta herança,
em última análise, consta,
apenas, das almas, porque, sendo os resultados materiais por natureza perecíveis, devem ser renovados.
Só existem, por conseguinte, produtos da inteligência e do sentimento,
capazes de se combinarem, no cérebro dos vivos, com os resultados produzidos
pela sua atividade própria. Essa combinação espontânea mostra-se, na maioria dos casos, inextricável, de
sorte que geralmente, em cada um de seus desígnios, os vivos não poderiam
referir tais elementos a seus múltiplos autores. As almas destes se
identificam, com o cérebro dos vivos, que conserva, transmite e até desenvolve
os resultados, intelectuais e morais, por elas obtidos. Mas, como estes
resultados são fixos e permanentes,
elas acabam, como todas as forças continuas, por se tornarem preponderantes,
por maior que seja a intensidade da reação do cérebro assimilador.
Pela natureza subjetiva de sua ação, estas almas podem atuar uniformemente sobre
todos, e dividir-se é espalhar-se sem diminuir o seu poder. A universalidade da
adoção da lei da queda dos corpos, descoberta por Galileu, em nada lhe tem
alterado o valor. O que constitui a base da colaboração forma-lhe, portanto, a
perpétua garantia.
Assim, a ação dominadora de nossos pais nada possuí deste arbítrio divino,
que impõe vontades, e dispensa
as aptidões morais e intelectuais. ande
e quando lhe agrada. Aqui a personalidade desapareceu, e como não
existem mais órgãos, faltam às aptidões e vontades; há apenas. Leis.
Por esta distinção básica entre a realidade absoluta e a que é essencialmente útil e única
duradoura, Augusto Comte determinou o verdadeiro poder supremo. aquele que reúne os diversos elementos
humanos, alimenta. dirige e consagra seus afetos. seus pensamentos e suas ações
— a Humanidade.
Presentemente, já são conhecidas todas as suas propriedades. O verdadeiro
Ser Supremo apresenta, pois. situação idêntica e natureza semelhante à nossa, Porem cem mais descnvofrida. Sentiu nossas afeições e sofreu nossas dores, participou de
nossas esperanças e fez, como nós, constantes esforços para gradualmente melhorar
a situação de penúria e a natureza grosseira.
Foi o sentimento desta noção real, ainda encoberta, que inspirou a nossos pais, para representar
aproximadamente a Humanidade, primeiro
a creação dos deuses, depois o
idéia do Homem-Deus, e, finalmente, a utopia da Virgem-Mãe, mais chegada à concepção verdadeira, cujo próximo advento anunciava, e que substituiu
Jesus em todos os corações
cavalheirosos.
As vezes, a Humanidade espera séculos pela resposta aos problemas
demonstráveis que o tempo sempre resolve. Com efeito, da só podia ter sido percebida depois de haver, por Intermédio
da República Ocidental, atingido a idade madura e tomado posse da terra.
Augusto Comte pode, assim, descobrir as leis que melhor a caracterizam, as
do Progresso, estabelecendo a universalidade das leis da Ordem, igualmente imutáveis no arranjo dos fenômenos, e
das quais só
a intensidade e modificável.
As instituições fundamentais — propriedade família, língua, governo — coexistem por toda a parte. Sofreram,
apenas, variações no modo de ser concebidas a principio fictício abstrato,
depois positivo; no de ser consolidadas pela civilização militar, conquistadora,
defensiva, e, finalmente, pela atividade industrial; no de ser consagradas -
primeiro em nome do engismo, doméstico, cívico, e, por fim, em nome do amor universal.
Estas leis permitem determinar o porvir, e tal previsão, que era atributo
característico dos deuses, pertence exclusivamente à Humanidade. Ela não as creou
por capricho: respeitava-as e aplicava-as por muito tempo, antes de as
formular, e o que se efetua sob
nossos olhos vem sempre confirmá-las,
embora a vontade de nossos antepassados já não exista
para introduzir-lhes modificações.
A Humanidade está sujeita á ordem astronômica, física e vital, base necessária de nossa
atividade, e, formulado as leis, deu, antes de nós, o exemplo da primeira
das submissões. Preencheu a condição de tudo poder, porque sua existência é
independente dos que a sofrem, e seus instrumentos diretos.
Embora proveniente de nossos semelhantes, não nos podemos subtrair a essa força,
como não nos furtamos à do duplo movimento planetário, e muito menos ainda conseguimos dominar-lhe a ação.
Ela explica um fato incontestável:
o domínio do passado. Basta para que preencha simultaneamente todas as
condições sucessivas, eliminar-lhe as formas intermediárias, que se mostravam,
em aparência, incompatíveis e contraditórias. Abrange, também, as gerações
futuras. porque as gerações passadas formavam o porvir, antes de se
incorporarem à Humanidade. Esta extensão real satisfazia, ao mesmo tempo, à
necessidade que teem todos os homens de prolongar a existência, ligando-a, por
intermédio dos sucessores, a destinos imperecíveis.
Quanto aos contemporâneos (que algum
dia hão de se tornar antepassados, e como, por conseqüência, em certa medida, o
futuro depende de sua digna atividade modificadora) são também chamados a fazer
parte da Humanidade: nela terão, concomitantemente, uma elevada meta e um tipo
de aperfeiçoamento. No passado, no presente e no futuro, porem, não há vida
realmente durável se não fõr conforme a utilidade geral.
As famílias e as pátrias oferecem a mesma natureza e composição, atual e sucessiva, e todas, na sua ascensão, vieram constituindo este
Ser Supremo, a que, finalmente, se incorporam.
A Humanidade represtota, portanto, o conjunto dos seres que livremente concorrem
e concorrerão para o bem comum,
(res publica).
Nossos contemporâneos e nossos descendentes nela só se acham incorporados em esperança, no momento atual; só os mortos a representam.
A humanidade e que sobremodo convém o aforismo que Hipocrates aplicava ao
corpo humano: nela tudo conspira, tudo
consente, tudo concorre. Sob
todos os pontos de vista, como escrevia Augusto Comte, em 1862, “o
homem propriamente dito, em última análise e pura abstração: só a Humanidade é real”. (Conclusões gerais do
Sistema de Filosofia Positiva).
Devemos, daqui por diante, considerar
os individuo, as famílias e os povos, não como seres separados, mas como
membros diversos de um único Ser
Supremo, concorrente, no tempo e no espaço, para prepará-lo.
Erigir a Humanidade em principio e fim de toda a existência, é o resultado direto e necessário de
nossa natureza social. A digna submissão é a base de nossa fidelidade: o homem se
agita e a Humanidade o conduz.
Nenhuma força particular prevalecerá contra a sua; ela se acha
defendida contra qualquer ataque, seja por sua massa, que se estende a todas as
idades e a todos os lugares, seja por sua coesão, que faz depender qualquer parte
do conjunto, e este,
espontaneamente, esmaga e anula todas as divergências, e assegura e perpetua
todos os concursos.
Submeter-nos-emos tanto melhor ao tutelar império da Humanidade quanto mais
a amarmos, e tanto mais a
amaremos quanto melhor apreciarmos os benefícios que liberalmente nos oferece,
mesmo antes que os possamos pedir ou merecer.
Desde que haja transmissão de sentimentos e de opiniões, haverá a
subordinação do reconhecido, Rousseau exprimia os sentimentos dos revoltados
quando dizia: “Odeio os benfeitores”; e, com efeito, o espírito revolucionário
tende a colocar o homem fora da lei da Humanidade.
Logo que os mortos governem diretamente os pensamentos e as afeições dos
vivos, a autoridade gozará de um império sem fim. Os que falarem em seu nome, a
Família, a Igreja, a Pátria. só poderão ter como escopo legitimo fazer amar,
conhecer e servir a Humanidade.
Graças à influência materna e à do mestre, que lhe formaram o coração e o
espírito, o homem sofre, de começo, passivamente, o jugo do passado; só será cidadão no dia em que, aceitando-o
livremente. trabalhar, por seu turno, para os outros, como eles se haviam
sacrificado por sua causa.
O culto, o dogma e o regime da Humanidade. eis onde o nosso coração deve
buscar inspirações, e o nosso espírito luzes, e a atividade a sua meta. As
formas anteriores, sob as quais a moral havia sido concebida, só tiveram valor pelo
grau, de Humanidade que encerravam: Sem a Humanidade, e sem a Família e a Pátria que necessariamente a
preparam, não pode haver moral!
Depois que o Ocidente pressentiu com maior clareza esta suprema existência,
devotou-lhe um profundo apego: pelas leis abstratas, que dirigiram a emancipação
da Humanidade, concretizadas no Espaço, e pela Terra, teatro de sua grandeza,
que foi o objeto de suas prodigiosas conquistas e que será a eterna sede de seu império.
A sociabilidade, a principio doméstica e depois cívica, pode por fim
revestir-se de caráter universal, estendendo-se a todas as populações,
passadas, futuras e presentes. Desde essa época, a civilização ocidental, que é
a mais próxima do Ser Supremo, tem construído, pelos maravilhosos testemunhos
de sim sociabilidade, as bases da verdadeira ordem pública e procura reunir,
por uma mesma fé demonstrável, sem violência nem vão pretigio, todos os homens
de boa vontade, num mesmo amor, num destino comum.
Foi Augusto Comte o primeiro que teve a noção positiva dessa unidade,
pressentida e buscada por todas as almas generosas, enérgicas e esclarecidas de
nossa espécie. Esta suprema providência é a creadora da moral planetária.
Preparada gradualmente a sua concepção pelos Aristóteles, pelos S. Tomás de
Aquino, os Descartes, os Leibniz, os Diderots, os Humes, os Condorcets, a ela
já se acham definitivamente incorporados.
Doravante, é em nome da Humanidade que se hão de consagrar as suas regras e
unicamente sob o seu governo será chamada a opinião pública para sancionar ás
apboações dos princípios que ela haja formulado.
Capitulo Quinto
Concepção positiva do dever
Resumo:
Dever é a função desempenhada por um órgão
livre. Todo o concurso para uma obra comum supõe desigualdades sociais, espontâneas
ou adquiridas, exercendo funções
distintas. O dever é a
formulação Sistemática deste estado, que se mostra necessário, e ao qual todas as desses estão sujeitas. A harmonia entre as funções e os órgãos não sendo
absoluta, é mister conter as divergências pelos sacrifícios da personalidade, cujo grau se determina pela razão abstrata. A fé
apresenta-se, portanto, como uma condição indispensável para o cumprimento do
dever. Este é relativo à elevação pessoal e social do indivíduo
e ao grau de civilização. O dever é, de fato, a submissão à Humanidade.
Vivendo para outrem e aspirando reviver em outrem, o homem encontra o seu
destino fixado sem arbitrariedades. Da situação creada entre o passado e o
porvir, resulta, necessariamente, para todos,
o dever de dar destino social à própria atividade.
A determinação dos deveres supõe
resolvido o problema da unidade
humana. Sendo a noção direta da
Ser Supremo satisfatória para a
coletividade, resta-nos ver como a descoberta de Gall permitiu completá-la pela unidade ética de cada um de seus agentes.
Antes de Augusto Comte, a concepção positiva
dever apenas transparecia na vacilação insuperável da metafísica.
Partindo da idéia sintética, à qual o bom senso popular sempre
ligou o dever, pode Augusto Comte analisar-lhe os diversos elementos e consoliar-lher a noção. Definiu o dever como sendo uma função
exercida por um órgão
livre, consistindo qualquer função no concurso para a existência de um ser coletivo. O sentimento do dever acha-se, pois, profundamente ao espírito
de conjunto.
Estabeleçamos, em primeiro lugar, os
fundamentos deste concurso dos
vivos. Governados pelos mortos, é cega a direção geral que estes lhes
imprimem em nome da Humanidade. Para um concurso eficaz, não basta somente um
impulso, uma lei ou um fim. Embora sujeita a regras invariáveis, esta direção é inconstante e muito pouco precisa
para que seja possível uma ação direta a cada caso particular. Para agir, é necessário que vontades venham completar
as leis sociais, pois os mortos só atuam por intermédio dos vivos.
Não há, portanto, concurso sem a participação das gerações passadas e contemporâneas:
as gerações futuras só intervém como destino. Este concurso, segundo os casos,
é maior ou menor, no espaço e no tempo. Mas, ainda assim, não é bastante.
O concurso que, em cada operação distinta, não se resume em uma individualidade preponderante, é estéril,
quando não seja perturbador; esta condição é indispensável para que de
apresente verdadeira força social. Qualquer atividade coletiva, que deste modo
não tenha origem ou fim, conforme seja sistemática ou espontânea, representará
uma aglomeração, uma balbúrdia, nunca porem uma força. A desigualdade, natural
ou adquirida, é, por
conseguinte, condição necessária para qualquer concurso.
Não se trata, é claro, de diferença de natureza, porque a atividade é comum
a todos os indivíduos e apenas se mostra mais intensa e mais direta em um deles,
que, por isto mesmo, se torna o instrumento ou o órgão da função.
São inevitáveis as desigualdades entre
os elementos sociais; a hereditariedade
as produz, desenvolve-as o exercido, aumenta-as,
cada vez mais a civilização, e, por
toda a parte, os elementos preponderantes tendem a tornar-se dirigentes.
Esta desigualdade é mesmo indispensável. Sem ela, cada qual poderia
prescindir dos demais, o que não é
verdadeiro nem para o individuo,
nem para a família, e tampouco para o povo. Todos nós temos, de modo crescente, necessidade uns dos outros, dada a divisão progressiva das funções
industriais, relativas ao vestuário, à habitação e ao alimento. Que
procuramos em outrem, se não o
que nos falta? Se assim não fosse,
como teria podido aumentar e desenvolver-se a sociedade,
coeterna do homem?
Como, entretanto, ninguém pode, ao mesmo tempo, fazer todo
o bem e prover a todos os trabalhos,
pois o que se ganha por um lado perde-se por outro (só a Humanidade pode
abranger o conjunto), é necessário, para o bom emprego de seu verdadeiro valor, que cada qual desempenhe o oficio que lhe é próprio.
São essas diferenças reais e não a igualdade quimérica,
que produzem os laços, cada vez mais estreitos, de solidariedade e
continuidade, dando força ao apego entre os concidadãos, ao respeito pelos
antepassados e à benevolência universal para com os nossos sucessores e os
povos menos evoluídos, assim conto pelas raças animais associadas à nossa obra
comum.
Para estabelecer a igualdade, que é incompatível com a liberdade e a
fraternidade, seria preciso reprimir as desigualdades existentes, recorrendo à
violência e excitando os ódios. Ora, essa obra mostrar-se-á, ao mesmo tempo,
contraditória e efêmera.
O invejoso, que protesta contra as diferenças da sorte, não notará,
porventura, que o seu egoísmo vai provocar o orgulho do que o despreza, por lhe
ser superior em riqueza? O amor universal e o único que pode transformar em
fonte de harmonia e bem-aventurança estas desigualdades creadas pelo Ser
Supremo para seu serviço, e que só dão lugar à desordem quando não lhes sabemos
facilitar e regular o emprego.
Não esqueçamos de que o homem, capaz dos maiores crimes, também o é das
maiores virtudes. Quem sabe apreciar o que deve à sociedade, e tudo quanto lhe
faltaria sem o devotamento dos fortes, ricos ou filósofos, só pode prezar ainda
mais a ordem que o domina, Só o amor torna leve o que é pesado, e suporta com
retidão as desigualdades da vida! Esta máxima do autor da Imitação de Cristo, o mais belo livro
saído das mãos do homem dítia Fontenelle, entendedor do assunto, caracteriza o
principio essencial de todo o concurso, de toda a força e de toda a sociedade.
Evidentemente só há ordem quando existe um movimento geral, que resulte da combinação
de elementos diferentes, dirigidos por uma desigualdade preponderante. A ordem
é tanto mais estável quanto mais pronunciadas são as diferenças e mais intima a sua harmonia, Em última análise,
não há função que não seja essencialmente redutível, como órgão, a um
individuo, e como destino, á Humanidade.
Quando se encara, portanto. uma função, cumpre levar sempre em conta duas coisas.
Antes de mais nada, nem toda atividade corresponde necessariamente a uma
função. Assim, o parasito que consome, tal como a enchente ou o granizo, não
desempenha uma função, pois, há nesses casos, perturbação ou ruína, sem
resultado útil. E, pois, necessário que os atos concorram, mais ou menos bem,
segundo a natureza e a situação do agente, para o conjunto do sistema humano.
Devemos, alem disto, considerar as funções como elementos parciais, múltiplos
e inseparáveis de uma função geral, cujos agentes são os instrumentos particulares.
Se os distinguimos, fazemo-lo tão somente para melhor determinar as suas
relações, mas é indispensável ter o sentimento profundo da individualidade de
seu conjunto, que é a vida do Ser Supremo.
As desigualdades só podendo resultar do grau de desenvolvimento, mais ou
menos pronunciado, dos três elementos de qualquer força (sentimento, razão e
energia), uma função só difere essencialmente das outras pela sua intensidade,
que e variável.
As funções são, portanto, redutíveis a duas classes distintas — espirituais
e temporais. As primeiras são uniformes, no sentido de que todos os seus órgãos
devem satisfazer às mesmas condições; as segundas exigem uma multiplicidade de
elementos parciais, redutíveis a três classes — agricultura, fabricação e comercio
— pois não há ninguém capaz de tudo fazer.
As funções espirituais compreendem prerrogativas de ética, confiadas à
mulher, e filosóficas atinentes ao sacerdócio. Do mesmo modo, as funções temporais
comportam uma divisão entre os que dirigem e os autores das operações materiais.
Estes, tal como as mulheres não constituem propriamente uma classe em vista da
identidade de suas aspirações.
Os proletários Compõem o corpo social, de onde nascem as desigualdades força
e inteligência que constituem essencialmente os dois poderes gerais da sociedade.
Referindo-se toda a atividade ao conjunto cada um destes elementos deve
considerar-se como associado a uma obra comum, para a qual coopera com função
distinta na medida de suas forças morais, físicas e materiais. Desempenhar papel
especial isto é, os deveres de sua situação, torna-se, destarte, a conseqüência
necessária das desigualdades sociais.
Toda a participação na vida coletiva se acha, pois, pelo fato de existir,
sujeita a um conjunto de cláusulas que derivam da função e que ligam o agente e
a sociedade, para a qual ele trabalha. Sob qualquer aspecto que se encarem
estas mútuas relações, espontaneamente resultantes da função, delas é que de
certo derivam os deveres Positivos Correspondentes o que vem eliminar todas as
interpretações arbitrárias, cuja fonte é
sempre pessoal.
Nestas circunstancias, o dever torna-se simplesmente a resultante
sistemática de uma situação necessária. Todas as classes estão uniformemente
sujeitas á deveres determinados. A sociedade seria mesmo contraditória, tendendo
para a dissolução, se assim não fosse, porque, de modo contrário, possuiria órgáos
sem funções.
Se certos indivíduos perturbam a sociedade, como as antigas classes ao
cessarem de desempenhar os seus papeis, ou como os parasitos, que Horácio
chamava simples produtores de esterco, ela tende espontaneamente a
transformá-los, ou, se forem incapazes, a eliminá-los, vale dizer, a
subordiná-los ou, em resumo, reconduzi-los à atividade comum.
A sociedade não seda menos contraditória se nela supuséssemos funções sem
órgãos. Que são os parias? Indivíduos que preenchem funções sociais, sem que
sejam, tidos como membros deste ser coletivo, a que servem. A civilização, por
um principio de justiça, aspira reconhecê-los como agentes, quer dizer, procura
incorporá-las à sociedade.
Resultando a ordem do concurso, a desordem humana sempre, em última
análise, dos preguiçosos. Em toda a sociedade regular e normalizada só existem cidadões;
isto é, funcionários desempenhando, cada qual, seu oficio particular, moral ou
material, livremente aceito escolhido.
Chegar-se-á, por Ventura, a estabelecer em cada caso a harmonia entre a
função e o órgão? E evidente que a perfeição social seria atingida se cada
órgão, individuo, família ou povo, pudesse entregar-se, exclusivamente, ao gênero
preciso de atividade para o qual se sentisse mais apto, em virtude de felizes
disposições espontâneas, desenvolvidas, pela educação e facilitadas pelas Circunstância.
Infelizmente por mais desejável que seja, esta harmonia jamais será
completa, haverá sempre imperfeições e graves lacunas não é crível que se possa
retificar ou completar, por toda a parte, a ordem existente, quer deslocando os
órgãos, quer creando novas funções. Estas transformações por seu turno,
comportam certo abusos.
Cumpre, a respeito, livrarmo-nos, sobretudo da ilusão revolucionária que
considera toda mudança como constituindo necessariamente um progresso.
Como as funções já não são atribuídas apenas pela hereditariedade más por
um complicado concurso de condições, entre as quais o verdadeiro mérito não
intervém de modo exclusivo ou principal, torna-se cada vez mais difícil
determinar todas as razões da escolha, e sobretudo verificar todos os títulos.
As funções mais importantes consistiriam em exames, sendo os primeiros
funcionários os distribuidores. Como há, no destino de todos, influencias
fortuitas (impossíveis de prover, porque ninguém, as poderia prever) que vem
forçosamente modificar as situações, a distribuição será sempre incompleta
sempre a refazer.
Quanto a crear novas funções numa sociedade em que tudo se equilibra, sem
ao certo saber o resultado dessa modificação sobre o conjunto, sem conhecer as ligações
essenciais deste novo elemento com o todo, será usa questão muito delicada.
Para tocar no edifício social, só com temor e respeito. Aliás, não se devem
crear funções: basta desenvolver e cercear as que existem, pois todas elas
apresentam inconvenientes.
Haverá sempre, portanto, imperfeições enormes e abuso inevitáveis,
produzidos pela situação terrestre da Humanidade, pela natureza de seus
elementos, sujeitos à doença, e nos quais nem sempre o altruísmo pode preponderar,
o espírito tudo prever a atividade prover a tudo.
Se a grandeza do homem consiste, entretanto, em resignar-se com o que não
pode impedir, refulge mais ainda quando se esforça para tirar o melhor partido
da situação inevitável.
Para consolidar a harmonia da sociedade, reage o de preferência sobre as
condições modificáveis, isto e, as qualidades pessoais, que mais dependem dele
que dá situação. Por isto, aplica, também, de preferência sua atividade
reguladora ao emprego das e não
à origem dos órgãos, os quais, em
geral, escapam a seu poder, principalmente
nos casos mais importantes, como por exemplo, a formação de um milionário, de um
estadista ou de um filósofo. Aliás, a sua origem nunca os dispensa de regularem
o emprego do poder que devem à herança,
à eleição, ao trabalho ou a fortuna.
Todas as funções sociais são verdadeiros cargos, e exigem que cada
individuo, concorrendo para a manutenção da ordem material e moral, envide os maiores
esforços.
As desigualdades de desenvolvimento, a separação das operação, a
imperfeição da harmonia entre as funções e seus respectivos órgãos, determinam
hábitos, preconceitos, sentimentos, que
são a origem das grandes divergências.
A atividade própria de
cada um dos elementos sociais
tende, de continuo, graças à sua
espontaneidade, a fazê-los divergir indefinidamente, e, por conseqüência, a deter todo o desenvolvimento e
mesmo a dissolver a sociedade.
Estas inclinações pessoais, embora
quasi de igual força no conjunto dos
indivíduos, são sempre mais ou menos
opostas, ao passo que a divisão das
funções sociais e a aptidão para
preenchê-las comportam infinita variabilidade. Mas, como na maioria dos
ofícios sociais os homens necessariamente úteis não são de indispensabilidade
absoluta, o exercício, condição fundamental de toda a arte, compensa a inaptidão inicial; ao mesmo tempo, a educação prepara-os para isto, cultivando-lhes as faculdades morais e mentais.
Concorrem, pois a educação e a pratica, para manter a ordem material, que supõe sempre duas coisas: um sentimento que dispõe a submeter-se, e uma inteligência
que esclarece a natureza e as condições desta submissão uma
vontade eficaz é também necessária,
pois sem ela ,a inclinação e as
luzes permanecem insuficientes: mas,
como por si mesmo, o caráter se põe indiferentemente
a serviço do bem e do mal, no sentimento e na razão é que cumpre ver as bases
da unidade pessoal as condições do cumprimento do dever.
Não há sociedade viva sem sacrifícios, porque não podemos concorrer pêra a
existência coletiva, mesmo nos atos mais simples, sem calcar, de certo modo, a personalidade.
Temos desejos, sem limites, que os nossos pequenos recursos não satisfarão jamais,
sejam quais forem os nossos melhoramentos: não poderemos aumentar a Terra,
juntar órgãos a nosso cérebro, etc. A atividade humana sempre há de encontrar
obstáculos e o devotamento será sempre necessário.
A mediocridade relativa é o apanágio do gênero humano, e aos ricos de coração, de inteligência e força,
nunca faltará objeto para seu devotamento.
Por mais importante que seja
para a felicidade, saber resignar-se, a submissão
ao que se não pode impedir não
exige grande virtude. Mas, como
o homem se eleva quando se sujeita a uma obrigação voluntária
(por exemplo: a pontualidade)
deve, para o bem comum, regular o emprego
de seu tempo, isto é, impor-se uma sefie de precauções e de sacrifícios.
As populações primitivas não eram pontuais, nem
tinham semelhante conceito. Esta regulamentação da atividade ê um
dos grandes progressos da vida moderna, cumprindo estendê-la da vida
industrial á existência mental e moral.
Há circunstâncias em que para o serviço de um ser coletivo, é mister
aceitar a própria morte, o que,
sem dúvida, é muito mais grave. Entretanto a civilização militar obteve esse
desprendimento de um ser medroso, sempre preocupado com a própria conservação á
qual, naturalmente é levado a lidar quanta for para isto necessário. Em 1872,
como em 1792, os franceses morreram pela Pátria, ao grito de; — Viva a Republica!
A existência industrial oferece admiráveis exemplos de devotamento
equivalente; é este espírito de sacrifício que inspira os mecânicos das
estradas de ferro quando, para salvar um comboio, se expõem a perigos
iminentes, fato cuja sublimidade iguala os mais heróicos devotamentos
militares. O amor é, pois, a primeira condição para o cumprimento de um dever,
porque o amor e liberal da antes de ter recebido e mesmo sem jamais receber é a
fonte de toda a unidade.
Somos necessariamente guiados em falta do altruísmo, reinará o egoísmo;
mas, como só o surto daquele deixa livre toda a atividade, será útil ao bem
comum que o egoísmo em tudo lhe ceda o passo. Não há dever sem um esforço sobre
si mesmo em favor dos outros: só se ama desta maneira, e só por ela nos fazemos
amar.
Não podemos, entretanto reduzir o dever, como pretendeu Kant com seu
imperativo categórico, a um simples impulso sentimental, prevalecendo sobre o
resto do cérebro. Assim, tanto nos poderíamos equivocar á sua verdadeira
natureza e confundi-la com uma excitação egoísta, como voltá-la contra seu
próprio destino. Tal o caso, por exemplo, de um amor de família que se
mostrasse exclusivo.
Para cumprir o deva não basta o sacrifício. E necessário que o altruísmo se
eleve e tenha em linha de conta o conhecimento positivo das condições que
tornam o devotamento social eficaz. O altruísmo só triunfa apoiado nas luzes da razão abstrata, a única
que pode determinar, sem arbitrariedade, os seres pelos quais ele manifestar-se
e o grau de subordinação a que deve satisfazer o egoísmo
Não há dever sem o sentimento da harmonia para o qual sua própria função
concorre no tempo e no espaço conhecimento bastante intimo das relações normais
que existem entre esta função e todas as outras. E portanto, obrigação ética
universal inspirar-se no conjunto dos conhecimentos adquiridos em seu tempo. A razão, porem, deve completar o amor sem o
dominar, porque, de outra forma, seremos insensíveis às misérias e as
desordens.
Os geômetras e os biologistas, embora libertos do sobre natural, não se teem
preocupado com o ensino do povo, que poderia prevenir revoluções e estabilizar
a que lhes creou lazeres para melhor uso. Eles sabem, mas ainda não crêem — são
verdadeiros filhos da dúvida. Uma doutrina que não toca os corações e não
possui verdadeira influência social é, indiscutivelmente!
Poderemos, praças à profunda realidade do positivismo, e sem temer os
perigos próprios do misticismo teológico, utilizar uma preciosa disposição de
nossa natureza, em razão de suas inúmeras vantagens intelectuais e morais.
O homem, todas as vezes que se acha sob o império de um sentimento
profundo, tende a personificar as coisas inanimadas, como o solo natal, ou
abstratas, como a razão. Cedendo
a este impulso, chegamos a transformar a noção e o sentimento do dever em uma
coisa real, que amamos, que nós dirige, e pela qual chegamos a dar a vida. O fim
da educação positiva será fazer passar a noção científica de dever ao estado de
sentimento ou pendor, para harmonizar a conduta com as necessidades das
existências coletivas, consoante aos ditames da ciência da Humanidade.
O problema humano consiste em fundar a unidade pessoal no amor e, na fé, a
unidade coletiva. E’ mister, porem, que esta seja comum a todos, e a fé
positiva, como já vimos, tem na universalidade uma de suas característica
incontestáveis. A confiança é,
por conseguinte, condição básica para a existência social.
Por que, efetivamente, em toda a sociedade regular, teem sido sempre os homens
de dever homens de fé? Por que em todos os tempos, teem eles tido a preferência
sobre os homens de razão? E’ que a fé—a razão excitada pelo amor—apresenta para
a prática uma vantagem fundamental. A razão argumenta por muito tempo, antes de
ceda; ora, esta prudente conduta, dificilmente adquirida pela experiência, é necessária,
mas basta, para a coletividade, que alguns a sigam. Isto aliás, é fatal,
porquanto as demonstrações hão de ser sempre o apanágio de um pequenino grupo.
Quem ama pode crer sem grande esforço e facialmente persuadir-se. A fé é
operante, porque une os ardores dó sentimento às luzes da razão. Enquanto a razão pondera, a fé vai adiante e
aplica. A luta contra o catolicismo pode fazer acreditar numa incompatibilidade
entre a razão abstrata e a fé: mas, com a fé positiva, não há mais diferença de
natureza entre elas, porque as leis são as mesmas. A fé é a própria razão que
se expande, tendo ambas, agora, o mesmo campo de atividade.
Ente, razão e a fé já não há mais contraste: elas se harmonizam. Por ventura, o amor de uma
mãe, esclarecido pelo espírito positivo, não faz da criança que sujeitou,
impressionou e persuadiu, sem a intervenção de demonstrações, um homem de
razão? Existiu algum dia individuo verdadeiramente grande, de quem a razão não houvesse
feito homem de fé? E não é justamente este caráter particular que o torna
diretor daqueles para quem as mesmas noções haviam permanecido no estado de razão
pura?
A República não foi fundada pelos que asseguravam seria ela o melhor dos governos,
mas pelos que tiveram fé na sua oportunidade! A própria linguagem testemunha esse
elevado valor: lamentamos um homem sem razão, mas desprezamos o que não tem fé.
A suprema recompensa de uma vida bem empregada, não será poder vê-la cercada
desse conjunto de nobres almas, que lhe têm fé, que lhe acreditam na palavra, embora
sem provas atuais?
A eficácia das verdades demonstráveis é independente da origem das noções,
quer venham elas pela fé, quer pela demonstração o que importa, antes de mais
nada, é subordinar-se, por amor, às leis da Humanidade.
Os resultados essenciais das grandes descobertas escaparam não só a seus
autores como a uma série de cérebros que, a principio, as receberam
simplesmente pela razão demonstrativa - Os Copérnico, os Galileus. os Kepleres,
aos quais devemos o estabelecimento da doutrina do duplo movimento terrestre,
acreditavam em Deus, assim como Gall, a quem cabe a demonstração da existência
dos pendores benévolos - Não perceberam eles que suas descobertas eram o
resultado decisivo do triunfo da Humanidade sobre o absoluto e a eliminação do
poder de Deus sobre o mundo e o homem, coro hoje entende facilmente a maioria
dos espíritos ativos, que receberam ambas essas concepções por persuasão ou
pura fé.
A fé positiva não se subordina, portanto, necessariamente, à razão
abstrata: apoia-se sempre nela, mas pode, graças a novas aquisições, tornar a
mentalidade humana mais clarividente do que era antes, mesmo entre
os seus mais eminentes intérpretes.
A fé. uma vez que exige a participação dos sentimentos benévolos, é uma
virtude. Para consentir em aceitar verdades que ainda não percebe, é mister que
o homem faça um esforço, um sacrifido para a utilidade comum, não de sua razão,
mas do que há de mais pessoal em seu exercício. Os que pretendem obedecer unicamente
á razão, mesmo supondo-os de boa fé, sofrem via de regra, apenas a inspiração
do egoísmo.
Será eternamente um dever, para o filho, ter fé em sua própria mãe, e, para
o adulto, ter fé na palavra de um homem honrado. Não há professor, seja de o
mais raciocinante dos raciocinadores, que não dê preferência à criança bem
educada, isto é, espontaneamente disposta a ter fé em todos aqueles a quem seus
pais a confiam.
E’ que para bem aprender, para bem pensar e bem agir cumpre fazê-lo com o
coração. Só por este meio começamos a exercitar o nosso cérebro. Queiramos ou não.
todas as noções que adquirimos repousam na fé que nos inspirou nossa mãe.
Quando se faz necessário que uma geração transforme as noções básicas da fé
comum, é uma verdadeira calanildade, porque estas gerações serão sacrificadas á
felicidade geral. Mesmo nesta situação, mais depressa o amor nos torna
partidários das novas leis mentais aperfeiçoadas, do que nos leva ao
devotamento social esta elevação de raciocínio. Não se pode ter dúvida de que o
amor da República e da Humanidade acarretara os espíritos generosos para as
soluções positivistas muito mais seguramente do que as demonstrações sobre as
quais repousam.
Quem é desinteressado, raramente se engana sobre o que deve fazer uma vez
tendo conhecido a verdade. Enquanto a maioria dos acadêmicos se preocupava em
saber se o positivismo era possível, uma humilde fabula iletrada praticava essa
fé. Para a religião da Humanidade, o proletário, que vive a devotar-se a seus
companheiros, é encarado como superior, em razão e moralidade, ao sábio
orgulhoso que não reconhece deveres sociais, e vê, nos analfabetos, apenas
pobres de espírito.
Concebendo-a como derivada da noção da Humanidade, a noção de dever toma-se
tão relativa quanto ela. O dever depende, a um tempo, de todas as condições de
desempenho da função por preencher, isto é, de nossa natureza e situação.
Função composta do cérebro, a idéia de dever varia com a elevação dos
sentimentos que o inspiram, da inteligência que o esclarece, e do caráter que o
realiza; varia, também, com a situação do individuo na sociedade, seja ela qual
fõr.
O homem terá tanto mais deveres, quanto mais educado for. A admirÁvel ambigüidade da linguagem vulgar (1)
lembra que o papel da educação é elevar o homem do estado de animal, em que não
reconhece dever algum, ao estado cívico, caracterizado pela aceitação
voluntária e cumprimento continuo de suas obrigações.
(1) — Em francês, o verbo elever significa
elevar, alçar e educar (N. dos
T.)
Quanto mais se educar o homem no Estado; em virtude do nascimento, da
riqueza ou do mérito, tanto mais numerosos serão os seus deveres. O oriente oferece-nos
um exemplo característico. A teocracia indú faz do pátria, que é estranho à
sociedade, um ser sem deveres, submetendo, porem às mais pormenorizadas obrigações o brâmane colocado, por sua função, nó vértice da hierarquia. Do mesmo modo, quanto mais a
civilização, a que pertence o individuo, se aproxima do estado
normal, tanto mais aumenta o número de
seus deveres.
A noção do dever é, com efeito, relativa ao grau de aperfeiçoamento social,
ou seja, às modificações que caracterizam
a evolução do Ser Supremo. Sem isto, a sociedade teria sido
contraditória, poisque o concurso teria diminuído à medida que o homem se afastasse de sua origem e recebesse do
organismo coletivo maiores excitantes e maior número de meios para seu uso e
abuso, tendo, por conseguinte, maiores contas que prestar. Com efeito, a
Humanidade que inspira e formula os deveres, fá-los prevalecer por influência
mental, prática e mesmo fisiológica: há famílias e raças mais ou menos morais. Assim, não só aumenta com as
gerações o número de deveres, mas também a moralidade espontânea, isto é, a
disposição hereditária para aceitá-los e aptidão cerebral para cumpri-las.
E’, portanto, necessário encarar o deva como o conjunto das relações ou
leis que ligam o homem à Humanidade. O deva ata obrigações mútuas, nossas para
com os outros e alheias para conosco. Não há dever sem troca recíproca de serviços,
pensamentos e bons sentimentos, entre o órgão e o ser coletivo.
Que poderá, pois haver de comum entre Deus, que se proclama necessário, e
as criaturas, que declara inúteis ? Ele nada tem de humana, sendo-nos, por conseguinte,
inteiramente estranho ! Sem moral e sem deveres, permanece isolado ! Esse o
resultado da onipotência, a mais absurda das concepções que haja podido surgir
de cérebro humano!
Pelo dever, as questões do espírito são também questões de coração: o dever
ao mesmo tempo esclarece e comove. Jamais o homem fez o bem pela pura razão, porque o dever
supõe o amor, que provoca ou completa o reconhecimento das relações existentes.
Conciliando-o com a Humanidade, o dever dá ao homem todos os recursos de seu
poder, e graças a este apoio é que o altruísmo pode combater as inspirações
viciosas e efetuar os sacrifícios da personalidade que o bem comum exige.
A consciência é a expressão da preponderância habitual de instintos bons ou
maus inspirando a razão, e só deve ser ouvida quando se subordina aos instintos
altruístas, quer dizer, quando respeita a ordem humana.
À grande meta da educação é cultivar a inteligência e o amor, de jeito a
fazê-los ambos concordar, tornando-os, um, o espelho da Humanidade, o outro o eco
de sua voz; quanto mais estes dois elementos se lhe tornam fieis intérpretes,
tanto mais a consciência é educada. O dever é a digna submissão à Humanidade.
Capítulo Sexto
Caráter social da ética positiva
Resumo:
— A
independência tem caráter social em suas condições de existência e resultados;
o direito, portanto, não é absoluto, mas relativo ao grau de submissão
voluntária ã ordem humana. Como todos os seres só teem o direito de sempre
cumprir o dever, o problema da liberdade consiste em tornar esta norma cada vez
mais espontânea. O positivismo satisfaz perfeitamente a tal preceito, exaltando
a dignidade do homem (a recusa de concurso e a suprema sanção) e aconselhando, como medida inevitável
e imprescindível. Viver as claras. Assim, no cumprimento de qualquer dever, o
que ha de liberdade moral se torna cada vez mais preponderante sobre o que for
legalmente obrigatório. Como a opinião se constitui, progressivamente em
supremo juiz, caberá ao proletariado exercer, por toda à parte, as funções de contrôle
de apreciação.
Mister se faz determinar, no concurso universal a parte legítima da
intervenção direta de todos e de cada um para o cumprimento do dever, seja qual
for o órgão, individual, familiar ou cívico. Submeter o homem integral, sem
prejuízo de sua liberdade, eis o problema que o positivismo incontestavelmente
resolve, e que tanto embaraçou os teóricos do catolicismo, impotentes, nos seus
ensaios de representação da realidade, para conciliar o livre arbítrio com a onipotência
de Deus.
A moral positiva humaniza o direito. Ensina cada um a encarar sua vida
intima e privada (pessoal, familiar ou cívica) como a base mais firme de sua função
social, sujeita a normas materialmente obrigatórias ou apenas morais, isto é
livremente aceitas. Prescreve o dever, não consoante às inspirações da consciência,
mas por considerações sociais. Assim, cada ser individual deve considerar-se,
sob todos os aspectos, como cidadão da pátria comum, e os coletivos, como
membros da família planetária. É deste ponto de vista que a doutrina positiva
aprecia e julga os homens, as famílias e as pátrias.
Negar a qualquer elemento social o direito de intervir, tanto em relação
aos seres que lhe esta subordinados como aos outros de que possa depender,
seria negar a própria existência da sociedade. Seja qual for à natureza do
elemento considerado, as condições de sua vida e os resultados de sua independência
são sociais. Nenhum dos seres individuais ou coletivos tem capacidade para,
isoladamente prover as suas necessidades, achando-se, por isto, sem subterfúgio,
na dependência do todo, que o domina. Não pode haver, portanto, deveres
puramente pessoais, familiares ou cívicos, pois todos eles são inseparáveis da idéia
de conjunto.
A atividade destes elementos seria impossível sem o concurso dos
predecessores que lhes fornecem o impulso, as luzes e os meios de agir, ou sem
a assistência dos contemporâneos, cuja proteção lhes assegura o exercício e os
proveitos. De Sato, a vida pública é o meio de conservar e multiplicar todas as
virtudes privadas e cívicas. Nela, é mister que sejamos úteis aos outros, que
nos tornemos em alguma coisa, e creemos certo renome: mas, não e para nós
mesmos que nela trabalhamos.
Para subordinar o egoísmo ao altruísmo, nada melhor do que o serviço de uma
coletividade superior! Os indivíduos, as famílias e os povos que são levados ã
ociosidade pela riqueza ou violência, vale dizer, ao isolamento de seus
semelhantes, caem numa corrupção degradante e inevitável. O quando cedem a uma grosseria
ilusão é que os seres coletivos
julgam poder abstrair-se deste conjunto e subsistir por suas próprias forças. Entretanto
tal isolamento só é possível, por terem eles a herança dos resultados presentes
e pretéritos da vida comum. Podem pois, isolar-se por tempo tanto maior, quanto
maior tiver sido a sua participação hereditária. Longe, porem, de se apartarem
do conjunto por esta interrupção de atividade, apenas aumentar a sua
dependência, vivendo, mais do que nunca, da herança de seus antepassados, para
cujo aumento, entretanto, em nada contribuem.
Seja qual for à situação, os diversos modos de agir teem conseqüências sociais, verdadeiras e
irrecusáveis, que não podem ser indiferentes porque os seus resultado, em última
análise, se dirigem, direta ou indiretamente, a todas as coletividades.
Estamos mergulhados na Humanidade, que é o nosso meio, como os peixes na
água. Eis por que, em qualquer sistema de relações sociais, os atos de cada individuo
exercem influência inevitável sobre o conjunto.
Nada mais absurdo e mais imoral do que o pretenso direito absoluto de
não-intervenção. Como se poderia deixar à prudência de um Estado o regulamento
de atos que se devem incorpora ao conjunto das operações ocidentais?! Para uma
república industrial, será por acaso, indiferente ver os paises ricos de madeira
e carvão de pedra esbanjarem loucamente tão preciosos materiais? Quantas ações
deste gênero, que, embora não constituam um ataque direto e material aos bens à
liberdade e à existência dos outros povos, provocam, entretanto, males tão
difíceis de curar?!
Não é possível deixar a cada um deles, e sob sua exclusiva
responsabilidade, o cuidado de determinar as normas que mais lhe convenham.
Sendo esta reação naturalmente mais lenta quando se trata de um pais, poderia
crer-se que a conduta anti-social, como no caso das guerras coloniais ou do
sistema proibitivo, fosse suscetível de acomodar-se com a felicidade particular.
Isto, porem, de forma alguma é verdadeiro, e tais desatinos já se vão mesmo
tornando impossíveis. A reação, pelo contrário aumenta gradualmente desde que
passemos das nações para as classes e destas para as famílias e indivíduos,
sendo, sem dúvida, mais nitidamente apreciada nos casos relativos à moral destes
últimos.
Quer na regulamentação da existência do ser individual, quer na das classes
e das nações, nunca devem, evidentemente, admitir como ponto de partida a
consideração exclusiva do beneficio particular, que, afinal, corresponde ao
livre surto dos sentimentos interessados.
Por que a sobriedade é um dever? Porque, se ultrapassamos a justa medida no
uso dos produtos alimentares, faltamos,
ao mesmo tempo, com o devido respeito ao trabalho dos antecessores e com a imprescindível
bondade para com os pósteros e os necessitados, pois todo o consumo exagerado
lhes tornará mais difícil à aquisição de substâncias nutritivas. A satisfação moderada
de nossas necessidades alimentares, ou qualquer outra espécie, proporciona
sempre vantagens aos que receberam menos, permitindo que cada um obtenha o que
lhe é devido.
Embora os sábios acadêmicos declarem que todos os animais são nutritivos,
por conterem os quatro elementos, o homem não deve comer de tudo. Seguindo o
exemplo dos predecessores, que deixaram de utilizas seus semelhantes como
alimento, a moral positiva proíbe o uso da carne do cavalo, do cão e de outras
espécies animais, ligadas à nossa por laços afetivos, sendo colaboradores de
nossa indústria e atividade militar. Amesquinharíamos a Humanidade, cuja vida
está associada a estas espécies, se degradassemos as funções de nossos
companheiros e servidores habituais, transformando-os em simples laboratórios
de sustâncias nutritivas.
Por que é impossível mantermo-nos indiferentes aos atos dos que se
embriagam? Porque eles não vivem isolados! Suportando bem ou mal a embriaguez,
prejudicam os outros, e a bebida que os embrutece transforma-se as mais vezes
em atroz sofrimento para sua família e até para seus íntimos.
Em nos colocando no ponto de vista de conjunto, esta reação da conduta dos
seres, uns sobre os outros, é tão evidente, que a censura ou reprovação dos
abusos pessoais, familiares e cívicos não há de ser só dos positivistas. É
preciso introduzir por toda à parte o sentimento social, estabelecendo o devera
não no interesse particular de alguém, mas considerando antes de mais nada,
esse alguém como membro necessário da coletividade.
Até Augusto Comte os princípios éticos parecias individuais, de sorte que
as mulheres faziam prevalecer à sentimentalidade os teóricos a inteligência e
os práticos a política. Doravante tudo deve ser subordinado à moral. Cada ser é
interessado em todos os atos de seus semelhantes Para o cidadão moderno, a máxima
de Terêncio tornou-se uma realidade: Nada há de humano que lhe seja estranho!
A independência, para todos os espíritos racionais, não pode ser
considerada como um direito absoluto, em contradição com a realidade das
coisas. Não há dever sem concordância entre a obrigação e a liberdade, entre o
concurso e a independência. Desde que haja excesso de dependência as funções
não podem ser cumpridas com dignidade, quer a sujeição seja violenta como no
caso do prisioneiro e do escravo, quer resulte da insuficiência de moralidade
ou de razão, como no caso do russo que consome todo o seu trigo, ficando sem as
necessárias sementes ou no da criança de peito.
Para qualquer atividade e progresso, é condição imprescindível certo grau
de independência. A conservação e o renovamento dos capitais sempre dissipáveis
exigem perpétua atividade, cuja plena eficácia supõe a confiança que não se
pode estabelecer nem perdurar sem o livre surto intelectual e moral.
A Humanidade não se teria jamais desenvolvido, se os indivíduos dependessem
sempre, inteiramente, dos poderes constituídos. Enfim, a saúde o dever e a
felicidade dependem do esforço pessoal; mas, para sujeitarmo-nos completamente e
inclinarmo-nos para o bem, precisamos ser livres! A independência deve pois,
ser necessariamente respeitada.
E preciso, porem, que, ao mesmo tempo, haja certa dependência, porque se os
indivíduos gozassem de uma liberdade absoluta, não haveria nem obrigações nem
sociedade, tornando-se os interessados tão incapazes de exigir o seu concurso,
se o recusassem, como de lhes regrar o exercício, se tornassem desabusados.
Os reis absolutos, tais como os deuses, tiveram a pretensão de se julgar
inteiramente livres de obrigações para com os seus súditos, até o dia em que um
Cromwell ou um Danton, batendo-lhes na cabeça, lembraram que sobre a Terra
nenhum homem é independente dos outros. Só Deus refugiado no céu, está livre de
toda a responsabilidade; não se adia obrigado à coisa alguma, não reconhece
deveres para com niguem e só tem direitos sobre todos. Mas esta, concepção da
superioridade é tão indecorosa quanto absurda!
A dependeria aumenta com a elevação moral porque o número de deveres se
multiplica e com ele cresce a liberdade, pois o seu cumprimento se torna mais voluntário
e mais garantido. Tudo quanto não converge para a utilidade geral produz perturbações
perigosas para a saúde, a paz e a felicidade alheias, e todos têm o direito
legítimo de invocar de qualquer órgão o escrupuloso cumprimento de sua função.
Sem esta interferência, os que cumprem o dever senam oprimidos pelos faltosos.
Em que consiste a nossa liberdade? O destino humano é relativo e comporta
aperfeiçoamentos. Sua modificabilidade consiste nas variações de extensio e de
rapidez da marcha comum para a unidade final, variações secundárias e que se
subordinam, sob pena de serem estéreis, à ordem espontânea das sociedades. A
liberdade acha-se, então, ligada a uma outra ordem, que vem completar a ordem
natural, e que tem leis pelas quais podemos prever as ações humanas e
determinar o grau de independência legitima, isto é, compatível com o concurso.
Só podemos agir por egoísmo ou por altruísmo. A liberdade não consiste em
obedecer indiferentemente a um ou a outro. É necessário agir por afeição e
pensar para agir: essa e a lei, e a liberdade consiste em submeter-se, cada vez
mais, ao seu império.
A pretensa liberdade do espírito revoltado, contra o coração limita-se,
realmente, a preferir o senhor mais grosseiro, o mais caprichoso e o menos
eficaz.
Neste caso, a personalidade munia da sociabilidade, a ação do Estado
sobrepuja a voz da consciência e da opinião; em última análise. este engano do
orgulho acaba cedendo apenas à força.
A educação, a liberdade e o poder do homem sempre consistiram na submissão às leis da Humanidade. É fato de
observação constante e universal. Disto resulta que a sociedade não admite
direitos imprescritíveis e inalienáveis, porque o destino e a instituição deles
são puramente sociais.
O direito é a força, é a consagração pelo Estado de um poder sobre outrem,
para proveito comum. Ora. toda a autoridade é responsável pelo cumprimento de um dever, para o qual foi instituída
e consagrada; pode, por conseguinte, ser suspensa ou anulada, tal como foi
concedida.
O homem não foi posto na sociedade por um contrato, que lhe garanta os direitos. Nasceu na sociedade ! Não
trouxe condições e, pelo contrário, já as acho estabelecidas. Tudo quanto pode
fazer, e nem há outra liberdade legitima e eficaz, é aperfeiçoar esta ordem
natural, submetendo-se a ela inicialmente.
A Humanidade só concedeu direitos sob a forma de obrigações. O homem só tem
a liberdade de cumprir o seu dever, e só por este meio escapa ao
constrangimento da opinião ou da força material.
A moral positiva, ao envés de dar preponderância aos caracteres que separam
cada homem de seus semelhantes, insiste sempre sobre sua ligação necessária.
Substitui a discussão dos direitos pela organização dos deveres. De fato, partir
do direito é negar o conjunto, dissociando-lhe os elementos: é encará-lo,
apenas, através de seu próprio egoismo, referindo tudo a si mesmo.
A idéia do direito primordial, de origem divina, é fortalecida pelas preocupações sobrenaturais, O Godofredo da Jerusalém libertada, dedicado e
cavalheiroso para com as coisas da Terra em se tratando de sua salvação,
dirige-se ao céu por uma estrada solitária.
Os autores da Declaração dos
Direitos do Homem inspiraram-se em um principio mais negativo do que orgânico,
contrário à ciência social, que ainda não existia. Os bons sentimentos que os
animavam não eram suficientes para fundar uma ordem social, e a marcha revolucionaria
provou-o exuberantemente. No regime republicano tal como escrevia Augusto Comte
em 1842, ninguém possui mais ‘qualquer direito, se não o de cumprir sempre o
seu dever.’
Mau grado a aparência autoritária desta concepção do dever, o positivismo é
mais liberal do que as outras doutrinas. Sujeitando cada ser, pessoal ou
coletivo, a deveres mais extensos, insite mais particularmente em tornar o seu
aceitamento cada vez mais voluntário, afim de conciliar, por este modo, a subordinação
com a dignidade. Eleva a nobreza de todos os órgãos, ligando os indivíduos, as
classes e as nações à existência
total, encarada no conjunto dos tempos e dos lugares.
Verdadeiramente, não fomos nós quem creamos a Humanidade; ela só é superior
graças ao nosso concurso. Se ninguém
vive isolado, qualquer individuo pode ser útil e, assim, toda existência digna
se torna moralmente um verdadeiro oficio cívico.
O positivismo fortalece a consciência dos homens honestos, dando-lhes a
certeza de que uma existência virtuosa nunca é inútil, e que no caminho do bem
nada se perde. O cumprimento do
dever é recompensado por uma alegria intima e imediata, muitíssimo preciosa,
porque, se os resultados teóricos e práticos na, sempre valem os esforços que
custaram, a fonte única de nossa felicidade não é, por isto, afetada.
A honra, temor infinito de toda a vergonha merecida, apoia-se numa noção
verdadeira, digna da delicadeza de um sentimento, qual o pudor humano. Se
sofremos males inevitáveis, que não resultaram nas de nossas faltas nem das de
nossos antepassados, resignamo-nos com simpatia ao que constitui uma condição
geral da vida. Enfim, o próprio remorso se enobrece, por assim dizer, de vez
que as ficções e abstrações perturbadoras, não vindo mais alterar a nossa
unidade moral, giram eles exclusivamente em torno dos malefícios e erros
cometidos contra a Humanidade.
Nesta concepção, a recusa de concurso e o caráter supremo da liberdade, sua
manifestação sublime! A atividade sendo livre, os resultados de qualquer função
só serão concedidos àqueles que forem julgados dignos. Se assim não fosse,
haveria servidão. O direito, que assiste a cada um, de exigir de todos o outros
o cumprimento de suas obrigações e recíproco, e, se a autoridade que governa é
relativamente independente dos seus subordinados, também estes o são dentro de
certos limites. O dever que liga a Humanidade inteira de baixo para cima também a liga de cima para baixo.
A Humanidade, a Pátria e a Família têm deverá para com os seres que
constituem os seus elementos respectivos. Esta universal reciprocidade de
obrigações, que faz do cumprimento do dever o único ato religioso, não pode jamais
ser invocado em apoio da opressão, da injustiça e do mal. Em semelhantes casos,
a greve se impõe, porque não há dever contra dever: é uma obrigação iniludível
negar o concurso tanto às operações industriais inúteis ou perigosas e às
guerras injustas, como aos atos que ofendam o pudor. Esta recusa de concurso
deve sempre ser reservada aos casos extremos e excepcionais, em substituição da
violência, que prevalecia no regime militar.
O proletariado não deve esquecer que os capitais confiados aos patrões só
podem ser diretamente acrescidos pelos trabalhadores. Cessados, por um
rompimento combinado de sua atividade, os serviços contínuos que estes prestam
à sociedade pelo exercido de sua profissão, dar-se-ia, em breve, o entrave de
toda a existência social. Greve legitima é só a que tem por fim afastar os obstáculos
que embaraçam o destino social de sua função, cujo exercido não cessa de ser o
seu principal dever, O grito de convocação de Nelson deve ser a sua divisa
permanente: A Pátria espera que cada um cumpra o seu dever’.
No estado normal e regular, cada individuo procura completar o apoio de sua
consciência pelo concurso de seus semelhantes. É preceito obrigatório preencher
todas as condições indispensáveis ao melhor cumprimento de sua função especial.
Ora, estas condições nunca fazem abstração dos outros elementos do organismo
presos por um conjunto indivisível de laços ao funcionário que, em cada caso
especial, deve ser encarado como seu ministro, O cumprimento destes deveres não
os dispensa jamais de auxiliar, pelos meios que lhe são próprios, os que, sem
tal concurso, não podem preencher suas funções especiais ou gerais.
O homem de bem, o verdadeiro republicano. só empregará as forças postas
pela sociedade ao seu dispor. fazendo-as concorra para o bem comum. Seus pontos
de vista, tão gerais quanto generosos os seus sentimentos, não os separam jamais
do conjunto. Tem, portanto, direito às vantagens sociais que resultam do cumprimento
do dever, à confiança, ao respeito, à educação, á proteção. O direito, para de,
é o simples apelo ao devotamento dos outros, isto é ao cumprimento dos deveres para
com a sua pessoa, auxiliando-a a melhor cumpri-los e tornando-a, por este meio.
ainda mais útil.
Esta concepção positiva do direito, em lugar de contribuir para o
esmagamento dos fracos, protege-os das violências dos fortes ou dos ricos. Dá,
ao que consagra sua principal atividade a outrem, o direito de contar com a
assistência de todos para a satisfação das diversas necessidades, físicas,
intelectuais e morais, que a sua atividade própria não permite prover.
Este apóio exterior pode
faltar, mas não deixa, por isto, de ser o mais desejável; modera os desregramentos, acresce as forças
e prolonga os serviços.
A magistratura não se entende somente a nossa própria vida, mas a de
muitos: nossa existência. positiva ou negativa, liga-se a dos contemporâneos e sucessores. Só o passado escapa ao
nosso poder. Cada individuo deve, então
considerar-se como uma verdadeira providência, e, de conseguinte,
prever, e prover depois de ter previsto.
É necessário desviar o pensamento e a atividade de tudo quanto não se possa
dizer ou fazer diante de testemunhas; para a consciência esse é o critério objetivo do dever! Quem tiver uma vida de devotamento não
temerá exames nem poderá, sem contradição, ser defensor do segredo da vida privada, em face de um individuo ou de qualquer
coletividade. Cada qual tem o direito de examinar e de julgar a conduta do que
se serve de seu poder, abusando ou não, Julgamos e somos julgados!
A paixão egoísta e cega crê ter escapado as olhares e às apreciações. Vã
ilusão! Haverá sempre olhos para ver, ouvidos para ouvir, línguas para falar. Viver às claras é, pois, um dever tão
inevitável como imprescindível; não para expor uma ignóbil personalidade, porque, neste caso, a publicidade terá um caráter infamante e constituirá também ama vergonha, mas para conter o egoísmo. Só as nobres almas se podes revelar inteiramente: elas nos devem suas inspirações e seus exemplos, bem como os resultados que produzam.
A imperfeição humana exige, necessariamente, um órgão que de modo especial
se encarregue de representar o interesse comum, subordinando-lhe, na forma
conveniente, o interesse particular. Quanto mais extenso e rápido for o progresso,
mais urgente e necessario se torna este órgão, porque as divergências adquirem
um aumento correspondente de intensidade Não há sociedade sem governo!
A função do governo é dirigir as atividades de acordo com o interesse geral, fazendo entrar neste caminho
as que se desviarem. É ele, pois, de uma necessidade constante, inseparável de qualquer associação.
Essa disciplina é de duas naturezas: uma civil e obrigatória, outra moral e
voluntária. Uma não vai alem do governo que a decreta, a outra domina todos quantos participam
das convicções que a consagram.
Nestas circunstanciais, cada uma das fases essências da vida privada, tais
como o nascimento, o casamento e a morte,
reagindo diretamente sobre a ordem pública, faz que o governo nelas introduza legalmente as condições que este órgão exige. São
sempre as mais necessárias e as
menos delicadas, Mas a liberdade será sempre mal regrada por nossos interesses pelos
obstáculos materiais que resultam do Estado ou dos direitos alheios. Este só
atinge, porem, o que já se acha realizado: não vê o que prepara os delitos e os
crimes, não descobre Os males secretos não toca o coração. Não revela, mas
deshonra os que pune. Por este motivo, a moral positiva limita à Consciência,
e, em última estância á opinião, o aceitar condições que seriam opressivas e
ineficazes se não fossem voluntária.
Em tudo quanto não ofenda diretamente a ordem. o positivismo repele formalmente
a intervenção da. lei. A liberdade também é um dos aspectos da ordem humana,
correspondendo, pois, a um uitrage, a uma perturbarão, entregar a violência
para intervir nas ralações intimas de uma família ou de um povo. Em tais condições
cumpre exclusivamente dirigir-se à opinião. afim de estimular ou corrigir, e o
positivismo resistirá com energia à tendência revolucionária de fazer sancionar
legalmente as medidas de qualquer natureza, pela simples razão de serem úteis. O
melhor dos regulamentos só será efetivo e durável pela nossa voluntária
sujeição aos deveres positivos.
É mister respeitar, por toda à parte, o principio da separação dos dois
poderes, um moral o outro material e regrar, por conseguinte, a divisão normal
entre a obrigação da lei e a liberdade de todos os espíritos. Os males
provenientes da sua inexistência devem ser atribuídos aos que repelem, o
princípio e as condições necessárias desta separação.
No domínio físico, intelectual e moral, constitui a opinião o mais perfeito
contról. não lhe escapando ninguém, seja qual for o ser considerado. Se o
individuo abusa, a família e os concidadãos se insurgirão contra ele isto se
observará em todas as classes.
Quando Rousseau perguntava: Se o povo quiser fazer mal a si mesmo, quem o
poderá impedir?” já a experiência e o bom senso haviam respondido que em tais
casos, todos os que recebem o contra-golpe reagem espontaneamente. Por mais
degradado que esteja um povo, haverá sempre uma cidade sobre a Terra ou uma
alma elevada que salvará da prescrição a herança moral do gênero humano.
Em falta da voz dos contemporâneos, haveria sempre a do juiz supremo da
moralidade, os pósteros. anjo tribunal os atos são submetidos. Podemos surpreender
a opinião de nosso tempo, nas não nos imporemos ao futuro.
Por maior que haja sido a celeuma levantada por Bonaparte, protótipo do egoísmo,
durante sua vida, já a Humanidade o eliminou de sua comunhão. A fama, ao passar
diante dele, baixará sua trombeta, como fazia com o egoísta de que fala Milton
no Paraíso Perdido e, pelo
contrario, fará ressoar o nome de muitas
almas dignas, cujas belas ações permaneciam esquecidas no silêncio. Só os atos
praticados de acordo com a lei da Humanidade não sofrem reforma nem apelo. Cabe
aos pósteros ratificar a sentença dos que, de posse desta chave, ligam e
desligam, reformam os injustos elogios e as iníquas censuras.
A inquebrantável fortaleza pertence aos homens de bem. Esses não estão à
mercê exclusiva dos fortes: um homem, mesmo só contra todos. Vencerá indubitavelmente,
desde que com ele esteja a Humanidade! Permanecendo, embora, sob o peso de um opróbrio
imerecido, sabe que as suas obras irão ter ao destino assinalado. A posteridade
acha-se diante dele, o passado sustenta-o: não se abala, portanto, com os clamores
de seus cegos contemporâneos. Só as grandes almas gozam desta estabilidade, e
já as temos visto assim, mesmo em situações extremas.
Embora todos desejem completar esta garantia com a aprovação dos contemporâneos,
há casos em que se faz mister a força de dispensá-la e dizer como Danton:
Pereça a minha memória, contanto que a Pátria se salve!” Aliás, o homem de bem
nunca ficou só, ou abandonado por todos, seja na família, na cidade, ou mesmo
entre os outros povos.
Entre as providencias que concorrem para formar este apoio exterior, há uma
que, por sua situação, pode energicamente despertar vistas elevadas e sentimentos
generosos, apreciar e proteger — é o proletariado. Ligado diretamente a cada uma
das três grandes categorias sociais à mulher pelas afeições domesticas, aos
diretores filosóficos pela educação e aos governantes temporais pelo trabalho,
um de seus palpeis é fiscalizar todos os poderes, controlando-lhes o exercício.
Por sua intervenção, deverá, em cada pátria, prevenir ou apaziguar os
conflitos que resultem dá atividade espontânea de funções, cuja influência
tende a exagerar-se ou a desprezar a das outras. Enfim, a identidade de situação
e de aspirações, fazendo-o superar a diversidade dos trabalhos e das
nacionalidades, chama-,o espontaneamente para tudo controlar.
Pelo exercício desta função geral, o proletariado salvar-se-á de sua
própria opressão e do estado degradante que resultaria de sua exclusiva
atividade material. Para preenchê-la, de deve livremente renunciar não apenas
ao emprego da violência, mas também a tornar-se elemento exclusivo ou mesmo preponderante
ao governo, civil ou político.
Saindo de sua situação, o proletariado perderia todas as suas vantagens.
Lutas indefinidas, entre os seus diversos elementos, quebrariam, a
homogeneidade da massa; ignóbil cupidez leva-lo-ia a considerar-se come o fim
da existência humana, quando, pelo número e pela atividade direta e social. de
constitui a base, a verdadeira providência planetária. Não é no exercício do
poder, mas no cumprimento desta função, que o proletariado alcançará a
verdadeira nobreza — a nobreza do devotamento.
Capitulo Sétimo
Caráter religioso da moral positiva
Resumo:
Sempre
houve necessidade de dirigir a opinião
privada ou pública. Este tem
sido o destino das religiões, sem as quais não haveria sociedade. Qualquer transformação
progressiva, oriunda de uma questão social, termina sempre por uma reforma
religiosa, ou em última análise, por
uma nova concepção do conjunto das relações existentes. O respectivo
poder espiritual é tão imprescindível quanto inevitável. Seus elementos
existem. não os reconhecer corresponde a deixá-los sem direção e sem base. Eles
tendem para as condições normais de existência que sempre poderá ser determinadas sem arbitrariedade. O papel deste
sacerdócio consiste em fazer predominar
a religião positiva, que tem como culto o amor da Humanidade, como dogma
a ciência moral, e como regime a República pacifica. Tudo referir a
Humanidade, eis o dever universal prescrito por esta religião, a única que apresenta provas do que assevera. Viver
para outrem é a lei deste Ser
Supremo. Não é dar seu patrimônio para os outros.
Se todos os atos são retificados ou sancionados pela opinião, dela
unicamente depende que os seres, individuais ou coletivos, nunca pratiquem o
mal. Devemos entretanto ter presente que a opinião tanto pode dirigir como perturbar. Não convém, pois, deixar moral
dos povos entregue à sua atividade espontânea.
Faz-se-lhe mister um guia,
para que essa liberdade de ação não entregue os pobres à opressão dos ricos
afastando os obstáculos que embaraçam a atividade de ambos, e, principalmente,
a dos primeiros.
A liberdade, sem um governo moral que obrigue a reconhecer e amar a ordem por
ela completada, leva no despotismo da indústria ou ao monopólio comercial.
Felizmente o estímulo social nos domina e faz os elementos do poder
moderador. órgão que os deveres gerais, defendendo as liberdades pública proteção
dos pobres. Fornece de um apoio pacifico contra a força e nada pode fazer sem a
aqui essência dás famílias, das classes e dos governantes.
A opinião é o único braço secular.
Este poder moderador concilia a ditadura com a liberdade, pois consagra o
poder temporal, limitando-o convenientemente. e amplia a independência, assegurando
melhor a participação de cada um na obsta coletiva. Por este modo, enobrece, ao
mesmo temp, a obediência e o comando.
Julga-se o homem muito digno para obedecer a um simples homem. Só se
submeterá, portanto, quando perceber um órgão qualquer o reflexo da Humanidade.
Assim, a sua consciência permanecerá em paz e a nobreza ficará salvaguardada.
A Humanidade é que determina e formula o supremo contrato que liga o
mandatário aos dirigentes sem servilismo para o primeiro e sem opressão para os
outros. Este liame universal é expresso pela religião.
Afirmar que não há sociedade sem religião
e reconhecer que não existem associações sem estatutos, sem regras entre seus
diversos elementos. Sem religião não pode mais existir um só individuo uma família
ou um Estado, como sem o sol não se compreende o dia.
É inadmissível que alguém se prevaleça da ignorância dos deveres de sua
situação, porque ninguém tem o direito de desconhecer a lei. É este um princípio
constante e universal. Entretanto, a mãe, que educa uma nova geração, o proletário,
que produz a riqueza material e o industrial que a administra, o homem de Estado,
que governa, são absorvidos por suas especiais.
Como conciliar estas duas necessidades? Quem conservará as verdades da
moral abstrata? Quem as á aos filhos do pobre? Quem lembrará os princípios desconhecidos
e olvidados? Em suma, quem auxiliara cada qual a cumprir seu dever, dizendo-lhe
em que consiste ele e por quais, meios poderá consegui-lo?
A lida continua dos diversos produtores de utilidades deu origem a uma
indústria mais genérica, uma função espiritual. tendo por fim aperfeiçoar os
agentes de todas as operações, afim de os fazer mais sãos, mais inteligentes e
mais honestos. A reclamações cada vez mais impetuosas do proletariado é a necessidade
desta educação mais perfeita, cuja falta caracteriza a crise moral que atravessamos.
Como o principio da hereditariedade regula cada vez menos a transmissão de
funções, a educação domestica já não basta para presidir o estabelecimento de
preconceitos profissionais. No desenvolvimento das aptidões espontâneas,
tornando-as mais utilizáveis, no estabelecer da crescente e necessária divisão
das funções, na apreciação dos progressos que devem ser facilitados e dos
desvios que convém reprimir, em uma palavra, para tornar convergentes todas as
atividades, só vale o ensino universal das relações fundamentais deste
conjunto, que, sem cessar, se vai complicando.
Nunca houve transformação progressiva, da Humanidade sem o acréscimo de
novos deveres, cuja sistematização, por novo poder espiritual, constitui a
religião correspondente. Com efeito, sempre que o desenvolvimento da civilização faz surgir novas desigualdades e estas
se acentuam de modo a romper a
dependência anterior tornando-se preponderantes, nascem graves conflitos, dai
resultando nova questão social.
Em tais crises nunca pretenderam os homens constituir um governo de libertos.
ou do diretores que conservassem os costumes servis
próprios de sua antiga
situaçÃo, pois isto equivaleria a fazerem-se escravos de outros escravos. Procuram, pelo contrario, dirimi-las por uma nova
solução do problema religioso vale dizer, as cabeças filosóficas colocam-se,
outra vez, no ponto de vista do conjunto das relações existente, porque é pouco
satisfatória a antiga concepção. em virtude da troca das desigualdades.
Observar o que se está passando, apreciá-lo, formular certas leis,
submeter-se a essas leis e propô-las aos povos, tal é. ao caso, o papel do que
eternamente há de conservar o nome de fundador de religião.
Examinemos, com efeito, á luz do
método cientifico, os problemas resolvidos por Moises, Buda, Confúcio, S. Paulo
ou Maomé, e havemos de notar, que a reforma religiosa sempre foi
provocada por uma questão social. A religião não se inventa, verifica-se a
forma é um simples regulamento, cuja exatidão depende da época e das luzes do fundador.
Encarado sob este ponto de vista, o advento da república, que supõe pelo menos a superioridade moral das
novas desigualdades mentais e praticas sobre as antigas cidades dirigentes,
deve impor a umas e outras novas regras de ética. Ora, a tal respeito, já não ha
nada a inventar. Os meios
existem e presidiram ao sinto dos elementos da ordem moderna; falta, apenas, desenvolvê-los.
As relações convergem deles. e basta
dirigir esta convergência, de acordo com os princípios gerais e uniformes,
derivados da fé positiva.
Será necessário, como, no passado, recordar todas as condições gerais do bem comum, que tendem para o reconhecimento
das divergências habituais da prática
diária. É preciso, porém, determinar exatamente
as funções dos órgãos novos, trabalhadores e filósofos.
Devem todos, por exemplo, participar indiferentemente do eleitorado?
Em que condições e dentro de quais limites? Aos proletários, assim chamados a apreciar e controlar todas as coisas, caberão grandes deveres. Quais serão eles? Do mesmo modo quais serão as funções que as antigas classes dirigentes deverão preencher, afim de,
embora subordinadas, poderem socialmente
utilizar sua indispensável decadência? Só
com o conhecimento preciso do assunto poderemos guiá-las ou
mantê-las numa situação não perturbadora.
Estabelecer regras para todos
os órgãos desse conjunto de funções
indivisíveis é, de fato, o
problema religioso, que, em todas as épocas
e para cada situação profundamente modificada, se tem procurado solucionar por formas efêmeras, astrolãtricas. politeístas
ou monotéicas, simples aproximações da solução
geral, única definitiva, surgida
no século XIX.
Este conceito positivo da religião
nada apresenta que possa ser contrário aos espíritos cultos.
Permite explicar como a religião,
instituída em prol da Humanidade, constitui, em todos os estados
normais. a maior garantia do cidadão
contra os excessos de quaisquer
poderes.
Os revolucionários. sempre incompletamente emancipados. não sabem abstrair-se das lutas do seu tempo, e foi cedendo aos ódios por elas
suscitados, que tentaram suprimir os govêrnos
e pretenderam abolir as religiões. Os positivistas.
pelo contrário, vivendo no futuro, téem toda a calma e imparcialidade necessárias,
e, sem esquecerem o respeito ao passado, executam desde o presente as substituições indispensãveis,
começando pelo objeto de seus
sentimentos e pensamentos, afim de as realizarem
mais seguramente nos atos.
Desde que estas
substituições sejam efetuadas, a Revolução estará finda porquanto isto compreende a vitória da solução religiosa, a principio
entre os chefes e depois entre os
outros cidadãos. Destarte, o regime republicano, longe de conduzir à supresdo, do poder espiritual, torna-lhe a
existência mais necessaria do que nunca.
Numa sociedade mais rudimentar, coagido péla situação, com um dogma imperfeito, surgiu. de S. Paulo a Hildebrando. um
poder moral distinto do poder temporal, que se impõs a missão de ensinas
uma fé. a todos emprestando origem e fim comuns. A sociedade republicana não
pode ter organização menos
perllia que a do século IX. Suprimir a separação dos dois poderes, principal superioridade dos tempos moderno
seria fazer da República ocidental um corpo sem alma, uma verdadeira monstruosidade, pois sempre que o
Estado ê o distribuidor das
verdades comuns, retrogradação teocrática.
Todos quantos pretendem reunir, nas mesma, mãos, a
educação e o govêrno cometem uma dupla inconseqüência. A primeira, é que o
poder espiritual. por eles
négado. pertence-lhes claramente: são os padres democráticos, jornalistas, romancistas e dramaturgos. transmitindo
aos proletários e ás mulheres a única instrução superior que possuem, fora da educação teológica. No cafarnaum revolucionário, são
eles que aconselham. consagram, julgam e pontificam; cada qual e papa de um pequeno rebanho, que
não exige de seus pastores nem moralidade, nem competência. O positivismo. sem
prejudicar qualquer situação legitima, vem trazer luz e ordem para
esta grave anarquia espiritual.
A segunda contradição está em não reparar que
existe, por toda a parte, hoje como em todos os tempos, grandes desigualdades de força e inteligência, mais ou menos regularmente investidas do govêrno.
existe, por toda a parte, hoje como em todos os tempos, grandes desigualdades de força e inteligência, mais ou menos regularmente investidas do govêrno.
O estado atual resultou da preponderância de novas desigualdades. espirituais e temporaís. sobre as
antigas que elas substituíram, quer diretamente quer por meio de órgãos transitários. Assim, o governo temporal
tenderá progressivamente para os industrias,
porque as funções relativas à vida prática passaram mãos dos guerreiros para as dos trabalhadores.
Do mesmo modo, as funções concernantes
a cultura da sociabilidade e do espírito passaram da direção dos teólogos a dos filósofos positivistas levados, pela necessidade universal de
princípios morais relativos, a fundar este sacerdócio científico, pelo qual Holbach, com o grande
século XVIII, fazia ardentes votos e o grande Frederico não hesitava em qualificar de novo papado.
Consequencía inevitável da atitude
preconizada pelos revolucionários é deixar os órgãos mais poderosos. isto é, os mais capazes de abusar, sem
outtas peias que não as sugeridas pela sua própria conciência. a qual nem sempre distingue o dever
da mera satisfação.
Recusar-se, entretanto a reconhecer as funções de
tais órgáos seria simplesmente absurdo e imoral. Ver a coisas
como, de fato se mostram, é
a primeira cláusula para exercer uma ação
real. É necessário submetermo-nos
ao que não podemos impedir, se quitezermos tirar o melhor partido possivel. O governo tenha lá que forma tiver, monocrática, aristocrática
ou democrática, depende sempre de uma
infima minoria; comumente, quem dirige
é um só, seja qual lar o rotolo. Sempre foi assim, e assim há
de ser eternamente. Cumpre pois moderar suavizar e regrar, vale dizer, sujeitá-los
a deveres, porque as desigualdade se vêem
tornando cada vez mais pronunciadas.
A pretensa liberdade dos revolucionários, fruto ignorãncia destas condições,
faz que este governo seja deixado ao acaso, aos seus caprichos, dispensando os mais altos funcionários de deveres e
até mesmo de qualquer responsabilidade. So aceitam normas de ética as essoas de
bem, justamente as que menos precisam disto.
O mesmo acontece com respeito ãs funções espiriuais. Os revolucionários
ainda não viram que os prindpios capazes de terminar a revolução já se acham formulados,
que a fé positiva, sobre a qual repousam. espontaneamente aceita pelo povo; que bastaria, enfim, repartir
com todos estas verdades abstratas para prevenir ou abrandar as nossas crises
políticas e sociais. E isto só não foi feito ainda pela falta do órgao espiritual
correspondente.
Em vão dizem eles que temem os abusos, como se fossem perfeitos os outros
poderes, como se o pior abuso não fosse dispor de uma grande força e não reconhecer
regra de especie alguma!
Estando todas as sociedades expostas a divergência entre governantes e gõvernados, a antagonismo à
interesses, a desvios de ambiosos e descontentes, serã licito convir que devam
ser abolidos? Seja qual for á harmonia
que se suponha existir entre os diversos orgãos
industriais (agricultores. fabricantes e comerciantes), entre estes e os
banqueiros. entre patrões e operáríos. haverá sempre conflitos. Seria isto o bastente
para a supressão destas diferentes funções iadustriais?
Então, como nunca os interesses materiais consegutram constituir uma ordem
social, sendo necessárias verdades comuns, deve entregar-se ao Estado a incumhência de formulá-las e
difundi-las, sob o pretexto de que, assim, se evitariam os abusos do sacerdócio,
suprimindo o antagonismo entre os homens de pensamento e os homens de ação?
Mas, como há abusos inseparáveis da função. o Estado, que a usurpa,
tornando-se juiz e parte na sua Causa torna-os mais graves, pois são mais
diretos e menos facilmente remediáveis. Alem disto, o que aconselha está com a
dava na mão!
Semelhantes doutrinas não se imporão definitivamente ao proletariado! Se só
abusos bastassem para motivar exterminios, submeter-se-iam todas as instituições
sociais e aniquilar-se-ia inteiramente a indeptndencia. para levar, afinal, a
sociedade à mais ignóbil escravidão Algum dia, o operariado compreenderá que,
sem religião, não há liberdade para os povos.
A existência de filósofos, que ensinassem sem poder instituir uma
organização sistemática sob um directo: exclusivo, seria a última contradição:
equivaleda a reconhecer a existência dos rios, recusando, entrétanto. admitir
que as suas águas corressem para o mar.
Por um estranho temor, a mais alta função moral, a que consiste em fixai,
transmitir, ensinar e prescrever os deveres próprios para assegurar a unidade humana,
seria a única privada de suas condições de existencia. Os teóricos
verdadeiramente honestos procuram sempre colocar-se nas condições mais
favoráveis ao pleno exercicio de sua função, de que são responsáveis perante a
Humanidade.
Reclamam todas as forças necessárias ao cumprimento de suas obrigações
morais, pelo mesmo motivo que o proletariado ou qualquer outra classe social.
Contestar-lhe este legitimo direito, seria negá-lo a todos. Eles repelem tal
pretensão, em nome da ética positiva, que impõe a todos os homens deveres
mútuos, de acórdo com suas funções recíprocas. Não há religião sem sacerdócio!
Essencialmente redutivel a um único árgão. Só exigirã uma multiplicidade de
agentes para melhor assegurar a universal comunicação de seus ensinarnentos;
aas haverá uniformidade de funções e de deveteu. Essa uniformidade necessita
de um certo conjunto de condições, às quais Augusto Comte se submeteu. Seus
sucessores, seguindõ-Ihe o exemplo, hão de aceitã-las e nenhum poder
conseguirá impedi-los, porque ata atitude corresponde a ser honesto e devotado,
isto ao cumprimento do diver.
Para determinar as condições de existência que se impõem a todos os
filósofos, pela própria força das circunstanciais, basta considerar o que seja
necessário se bom exercido de sua profissão. Educados sob a proteção da pátria. são levados a cumprir, a seu
respeito as obrígaç5es comuns; por consequinte, no dominio temporal, é
necessário que dêem exemplo de submissão.
Tendo o dever de ensinar a moral positiva, que abrange todos os aspectos da
natureza humana, devem ter a competência necessária para isto, possuindo
conhecimento geral destas relações.
Chamados, por esta própria educação, a desempenhar o papel de juizes em
todos os conflitos cívicos. importa que não participem de nenhuma função política
ou industrial afim de que se imantenham impardais e dessinteressados. e não se
desviem da consideração do conjunto. Será preciso. mesmo, que, para
permanecerem livres de qualquer atividade prática, não possuam capitais de. Espécie,
alguma. Os princípios a impor, devendo ser comuns a todas as nações
ocidentais, será indispensável, para evitar o desfazer conflitos, que os
filósofos sejam independentes de seus govêrnos respectivos.
Suas funções sendo, sobretudo, destinadas aos pobres, e não exigindo sua
atividade bens materiais o oficio que desempenham deve ser essencialmente gratuito
e público. Dai resulta que sua existência deve-ser garantida pelos donativos
voluntários dos que partidpam de suas crenças.
Vê-se. destarte. por estas poucas indicaçaes, como tal conjunto de
exigências está longe das habitualmente feitas pelo clero católico, ao qual é
possivel encorporar desde a idade de vinte e cinco anos, sem renunciar aos direitos de propriedade, sem nenhum
preparo
científico, e em vittude de uma graça invisível. que coloca o padre acima do
Estado, o dispensa dos áveres dvicos e lhe proibe o casamento, por ser Iacowpativel com as suas funções.
Augusto Comte fixoa em quarenta e dois anos a idade em que podem ser
preenchidas as funções supremas
do sacerdócio positivista: consagrar e julgar!
Depois de ter satisfeito às obrigações cívicas costumeiras e provado sua
vocação, o aspirante deverá justificar aptidões mentais e morais, pela renúncia
de qualquer herança, pelo casamento, e sobretudo pelo ensino do conjunto do
saber abstrato. Será conformando sua conduta com esta série de deveres que os
membros do novo poder espiritual conquistarão, junto das mulheres e do
proletariado, a estira e a simpatia indispensáveis a seu oficio.
Só pelo apáio que estes lhes derem, na família, no Estado e na República
Ocidental, é que os filósofos positivistas conseguirão, repartindo elogios e
censuras, e, em caso de necessidade, recusando o próprio concurso, fazer que
pacifieamente prevaleça a consideração do bem comum, na conduta habitual de
todos os chefes.
Os homens sempre empregaram, universalmente, o mesmo processo para
conciliar o concurso e a indedência, a ditadura e a liberdade, isto é, para
conseguir a prevalência do dever. Como seus predecessotes, o sacerdócio
positivo colocar-se-á sempre no ponto de vista religioso, vale dizer, considerará
o conjunto de nossa natureza e de nossa situação. Terá sabre todos eles,
porem, as vantagens que dá a concepção racional sobre a empirica.
A Humanidade exerce uma ação incontestável sobre o homem
integral. Por suas instituições fundamentais, transmite a todos certos
hábitos; pela língua, comunica-lhe as verdades que constituem a fé comum Em
poueas palavras, cada qual aprende da Humanidade, em conjunto de noções, sõbre
seus deveres, passado e destino, que, embora recebidas sem discussão, aproxima
seu espirito das soluções positivas muito mais dó que acredita a presunção dos
letrados.
É assim que a Humanidade, por intermédio da familia, se apodera da criança
no berço.
A igreja positivista reformará este universal ensino espontãneo, e,
coroando-o com o conjunto das noçães abstratas, lhe dará a clareza, a precisão
e a generalidade que lhe faltavam. A educação, a que deve satisfazer, consiste
em regrar cada individuo. subordinando suas afeições ao amor da Humanidade, ligando-o,
depois, pela fé, aos seres coletivos.
O individuo assim preparado, estará apto a concorrer, sob a protego da
pátria, por uma fungo di.tinta e de maneira durável, para a atividade comum.
ou seja, para o aperfeiçoamento universal. Nisto eque consiste essencialmente,
o destino da religião.
O princípio e o fim de toda a vida, o escopo da moral positiva, consiste em
aceitar a Humanidade como o verdadeiro ser supremo, o único que devemos atuar,
conhecer e servir. É necessário amar a Humanidade, sob pena de nos
aniquilarmos.
Quanto mais cresce o nosso amor por este grade ser, mais os homens se
inclinam a estimar-nos. E como poderia ser de outro modo?! Quem deseja tornar-se
feliz com os outros, nada tirando, seja a que. fêz,’ consegue sempre sufocar as
resistências do egoismo. Por fim, todos só desfrutarão sentimentos e afetos.
A Humanidade disto nos dornece prova. Sem interesse
algum, tudo nos deu no inicio trabalhando principalmente para os mais infelizes
A mãe de familia, obra-prima de suas creações, oferece-nos o tipo prinøtdial e
eterno dessa providéncia simpática, de que pátria se aproximará cada vez mais,
a ponto de substituir o seu próprio nome pelo de mátria. expressio melhor dó caráter impresso pela atividade
pacifica.
A igreja da Humanidade represénta-nos este mundo do futuro, que.
contrariamente às concepções do passado, no qual o género humano parecia ter
nascido so para alguns, devotará aos pobres todos os fortes, que se tórnarão
seus ministros e servidores.
A fé da Humanidade nos domina como o seu amor; é eficaz e real — portanto,
verdadeira! não 6 obra do capricho, mas das idades decorridas, que detuonstraram,
transmitiram e desenvolveram este dogma do bom senso, eterno e perfectivel,
enobrecedor do nosso espírito e do nosso coraçãó.
O exame longe de enfraquece-la, confirma-a, e a submissão que lhe é devida
cresce com os séculos! Havia uma fé especial para Jerusalem, para Benatés,
Atenas, Roma, ou para Meca. Há uma só lei para a Humanidade, e o seu reflexo
está em cada um de nós. Vem de tinia essa luz! Só a Humanidade põde construir a
‘fé positiva que um só homem, um único século e um único povo não souberam
edificar!
A esperança da. Humanidade num futuro melhor nunca foi desmentida. Onde encontrar um destino mais extenso que
no seu verdadeiro serviço? Vemo-la, por uma imensa cooperação, tender para o
melhor, em todos os modos de atividade, sem que jámais haja recuado. mesmo nas
situaçóes que parecem extremamente desesperadoras.
Quem conhece e respeita suas leis e a elas subordina seus próprios atos adqnire
a certeza de haver contribuido para um futuro melhor, não apenas na ordem
material, mas principalmente na humana, até então reservada aos deuses. Assim,
com a Humanidade, e graças ao seu amor, o homem aproveita a energia
naturalmente inspirada na vastidão de seus beneficios; encontra a calma,
decorrente da previsão das coisas, na sua fé; e na esperança segura de um
porvir feliz, a perserverança, que completa e prolonga a eficácia das boas obras!
Tudo devemos referir á Humanidade porque tudo dela provem. Composta do que e
bom, verdadeiro e representa um conjunto de ideal sem mácula e de pevfeição
verdadeira; seu nome exprime, a uma só vez
o amor, a ordem e o progresso.
A Humanidade é o exemplar de todos os seres e de todas idades. É modêlo
que deve ser contemplado e meditado e meditado, imitado e desenvolvido. Tudo concilia,
sem nada estorvar! Todas as concepçées fictícias se subordinam à sua, que as
contem no que apresentam de socialmente eficaz; utiliza-as na poesia e mesmo na ciência, reservando os antigos
aparêlhos bélicos para brinquedos das crianças.
A. Humanidade é a
inspiradora de todas as boas ação e
a fonte de todas as leis civis, intelectuais e morais. Reconhecemos nela o
próprio mundo do qual certamente depende, e, sem a consideração déste fato, não
poderíamos amá-la, riem conhecê-la e muito menos servi-la.
A Humanidade representa, portanto, esta série de laços morais, intelectuais
e físicos, que nos prendem indissoluvelmente a nossa semelhantes, à Terra e ao
Espaço.
Todos os povos e todas as raças algum dia proclamarão livremente o seu
império: será o advento definitivo de seu reinado! Mas desde agora, os que se reconhecem
como seus servidores, podem participar de sua vida, pois ela representa o
conjunto dos seres convergentes.
Aproximar-se da Humanidade deve ser o ideal das famílias e das nações. Quem
na ofender ou renegar, põr-se-á em perpêtua contradição consigo mesmo. pois,
sem que o saiba e a seu pesar, a Humanidade se traduz em seus atos, em sua
linguagem e afeições. Quando o homem dela se aparta, entrega-se à irresolução. à inconstãncia. A loucura !
Conciliaremos a nossa própria felicidade com o dever, votando-nos pelo
coração, pela inteligência e pela atividade, a este Ser Supremo, e isto
equivale a confiar-lhe a única coisa que perdura depois de nossa morte e que
permite atingir essa grandeza moral que. mesmo na velhice, conserva em nossos
corações o viço da eternïdade. No oceano de realidades em que vivemos, ela é a
única praia em que se devem fixar as nossas afeições pensamentos e projetos.
A Religião da Humanidade é a
única que pode dar provas de suas afirmativas; só ela é demonstravel.
Por ela inspirados, como não se deixarão empolgar mesmo aqueles que
julgavam para sempre ter petdido a fé?! São precisos fatos? Em fatos é que ela se estribal Há necessidade
de princípios? Ela é a proptia
razão! E se quizermos sentimentos? O coração transbordará! Reune os caracteres
do passado, do futuro e da mocidade; ninguem a precedeú, ninguem poderá sobrevivê-la,
e ela continuamente se renova. Não hã existência que a ultrapasse em número e
poder. porque ela cresce, conquista e se eleva todos os dias!
Não teme a luz, porque sua existência é às claras: nasceu do exame da
verdade. Quanto mais preciso e extenso fõr este exame, maior e mais saliente
se torna aos nossos olhos.
Atemorizar-se-á ante as verdades novas? Não! Fóra dela a verdade não
existe, porque está sempre em dia. Aqueles que revelaram as verdades descidas
do céu, sem atender ao passado, chegaram muito tarde: a Humanidade os havia
precedido.
Só ela possui universalidade. Nada se fez nem se lará sem que era tome
parte, seja para desenvolver e consaarar, seja para conter ou eliminar.
Está ligada a tudo! Não foi feita por um povo. por uma raça ou por uma classe: destina-se a todos: é a Religião
da Humanidade! Embora tenha tido por intêrpretes diversas naturezas
excepcionais, nenhuma lhe poderá dizer: eu fui quem te creou! Augusto Comte não
a inventou. reconheceu-a, e isto bastava para que a sua glória fosse única nos
fastos da Humanidade: so houve uma religião, como só haverá um
Augusto Comte!
A regra universal do dever é referir tudo à Humanidade. Satisfazendo a este
preceito, tomamos a unidadé pessoal e coletiva mais completa e mais estável do
que se nos esforçássemos para tudo atribuir a Deus. Assim, o bem será tudo
quanto servir A Humanidade, material, intelectual e, sobretudo, moralmente;e o mal,
quanto lhe fõr contrário.
O mérito consiste em empregar dignamente todos os esforços no serviço da
Humanidade. Esta a verdadeira santificação. A estima não se reparte mais, de
acórdo apenas com o cargo mas segundo o gráu da aptidáo total para concorrer a
prol do bem comum. Nesta elevação moral há lugar para todos, porque, em nos
aproximado deste Grande Ser, não deslocamos nem empobrecemos ninguem.
Quem, por amor efetivo da Humanidade, pensa e
age para seu serviço sem nenhuma esperança de recompensa neste ou noutro mundo,
é verdadeiramente religioso, pois, em verdade, religioso sempre exclusivamente
foi o homem que cumpriu os seus deveres.
Esta noção real da santidade foi pressentida em todas as épocas. Dois
exemplos bastarão aqui para prova-lo.
Nos meados do século Xl, São Bernardo escreveu o Tratado do Amor de Deus para estabelecer que os verdadeiros
fieis deviam amar a Deus sem a esperança
de recompensa ou sem o temor
de castigos,
mas unicamente pelo seu próprio amor, por um amor puro e desinteressado.
Um século depois, uma mulher muçulmana desejava acabar com o paraíso e o inferno, afim de que, dai por diante, os homens servissem a Deus só por amor.
Bossuet, o último órgão importante do catolicismo, julgou de seu dever
reproduzir estas nobres palavras, que haviam despertado a admiração de S. Luís (1).
em seu Resumo da História da França. O
infterno e o céu, como a história demonstra, só foram feitos para as almas
vulgares.
Era mistre resumir em uma lei a existencia de todos os homens de bem, dos
que, por intermédio da família e da pátria, votaram sua personalidade
necessária ao serviço do Ser Supremo. Augusto Comte condensou todos os deveres,
toda a moral, nesta suprema fórmula: Viver
para outrem! Esta é a lei
da Humanidade.
(1) Assim
refere Joinville a reposta desta mulher e um Embaixador que S. Luis, estando em
Acre, enviara ao sultão de Dantas: “ele encontrou, no meio da
rua, uma mulher muito velha, que trazia na mão direita uma concha com fogo, e
na esquerda uma vazilha cheia dágua. Perguntou-lhe o irmão Ivo o que pretendia
fazer com esses elementos tão
contrairios. E ela lhe respondeu: Com o fogo queria queimar o Paraiso e com a ãgua
estinguir o Inferno, afim de que, para sempre, deixassem de existir. Ao que, o irmão Ivo de novo a interrogou, levando-a dizer o seguinte: Por isto, porque não quero mais que ninguem faça
o bem neste mundo para ter o
Paraiso em recompensa, nem que, tambem.
pessoa alguma deixe de pecar por medo ao fogo do Inferno; mas o bem devemos faze-lo
por um completo e perfeito amor de
Deus!’ (Histórias de S. Luis)
TERCEIRA PARTE
Princípais aplicações da moral positiva
Capítulo Primeiro
Ética positiva individual
A moral do individuo tem por fim desenvolver os sentimentos altruistas por dois processos convergentes;
de modo indireto, egoistas, porque devemos
aperfeiçoar e nao destruir a pesonalidade indispensavel de cada um; de
modo direto cultivando os instintos simpaticos, como propos S.Paulo e o Positivismo,
consagrou. Sujeitando a mesma lei o culto
e a ativida, Augusto Comte identificou a idéia de felicidade á de dever.
Completaremos este trabalho com a exposição a sumaria, mas suficientemente genérica,
das principais aplicações da moral positiva. As três fases sucessivas da existência:
individual, doméstica e social, harmonizando com o presente os deveres que lhe são
peculiares.
A prática constante das vírtudas çessoaís foi, em todas as épocas,
considerada como a melhor base das virtudes domésticas e sociais. A principio a
familia e depois a pátria educam o homem para a Humanidade, e só por uma
abstração necessária pode a sua conduta ser estudada independentemente delas.
Colocar a ética individual dentro de uma religião que encara o homem
propriamtnte dito como entidade é tão razoável quanto a ela encorporar a moral
doméstica e civica, uma vez que as familias e as nações, como os indivíduos são inseparáveis do conjunto.
A ética positiva individual tem como objetivo a predominãncia, cada, vez
maior, da sociabilidade sóbre a
personalidade, e, para isso, utiliza dois processos convergentes: purificar os
instintos egoistas e excitar o altruismo. Ensina a combinar a pmtreza e o devotamento.
para instituir e manter os rudimentares hábitos que servem de base a todo o
surto moral posterior.
No entender dos doutores católicos, os instintos pessoais são essencialmente
nocivos. Os esforços de cada individuo devem realizar-se no sentido de destrui-los,
e seus votos aspirar o
rompimento das ligações incompativeis com
a graça.
O bom senso reagiu contra tais aberrações, e o positivismo, consagrando esta resistéacia, retomou as tradições de seus predecessores
teocráticos, assaz desconhecidas pelo catolicismo.
O espírito positivo impõe ao filósofo a obrigação de ser médico para nunca separar. na diteção da natureza humana, o cerebro do corpo, vale dizer, o moral
do físico. Sendo a personalidade, por suas relações com a vída
vegetativa, a principal responsável pela
conservação do individuo e da espécie, torna-se impossível, sem ela, conceber qualquer gráu de vida coletiva. As funções corporais devem realizar-se de
modo que permitam a vida completa do cérebro
e suas manifestações exteriores. A sociedade tem interesse na saude de cada um
de seus componentes, tão só para que possam desempenhar seus misteres mtstno
com risco da vida, como nas perturbaçóes terrestres, corporais e sociais, mas
tambem para que os suoissores sejam higidos, e tho sensatos e honestos qnanto
corajosos.
A atividade própria dos
instintos de aperfeiçoamento
não e menos dispensável para a
civilização que as exercita, a mais e mais na sua crescente complexidade.
Aliás, a própria vida é menos nossa que os bens materiais, por ser obtida
diretamente da Humanidade. Se a considerarmos em sua origem ou seu destino, notaremos
que a nossa existência não foi creada para nó. Mesmos, e sim para outrem. Eis a
razão pela qual o positivismo condena as privações e penitências que diminuem as fórças, já por si insuficientes.
Repudiando todos os meios de
suicídio, tnstitrn conho um dos deveres fundamentais do individuo a consetvaçio
da saude: e necessário ter saude para agir
Com segurança.
A personalidade é tão
inevitável quanto imprescindivel. Não nos podemos alistar no pacto contra esta
parte do cérebro, naturalmente preponderante na vida comum, mesmo em as
naturezas de escol. Alem disto, este conjunto de instintos acha-se permanentemente
excitado pela necessidade fundamental de alimentação e pelas exigências,
satisfeitas ou. vencidas, do meio em que vivemos e que dirige a nossa atividade.
Qualquer outra influencia, por mais nobre que seja, só terá ação modificadora sõbre
nossa conduta.
A personalidade deve ser atendida, não só como base indispensável de nossa
atividade, mas porque concorre diretamente para o desempenho de nossas funçoes.
É preciso afastar este modo de ver absoluto, que apresenta como inconciliáveis
o altruismo e o egoismo, e só encontra no último a fonte de todos os males. Auqusto
Comte, em um teorema basilar, que completa as idéias de Gall, foi o primeiro a
perceber a ligação direta entre os instintos egoistas e simpáticos. Em virtude
desta correlação, confundem-se emoções sociais e pessoais, emprestando a estas
mais encanto e àquelas maior força.
É por efeito destas relações espontãneas, e não como resultado de cálculos
sutis ou deduções complicadas, que a criança fica estimando aquela que dispõe
de sua vida; o pobre respeita o rico que provê sua existência material: o
feiticista adora o Céu e a Terra, sentindo-se dominado por suas forças
invendveis. Pelos mesmos motivos é que as funções domésticas ou sociais,
inicialmente utilizadas na satisfação da penonalidade, acabaram constituindo
para os que não do indignos, um meio favorável ao surto da simpatia. Sob este
ponto de vista, a ambição não é menos indispensável que o interesse. Por não
aceitar o poder, foi que Dantoo, sem embargo de sua superioridade moral e social, perdeu para um competidor
rancoroso e medíocre, falto de
qualquer aptidão de govérno. Tão preciosa correlação permite utilizar, em
beneficio do altruísmo, a superior energia dos instintos egoistas.
Eis uma prova da grandeza da Humanidade que. por uma prévia e digna
submissão, soube tirar meios de aperfeiçoamento de atributos que pareciam
votá-la a uma eterna inferioridade, O positivismo consagra nossas inclinações
pessoais como, necessárias a uma vida integral e sõmente para melhor servirmos
ao próximo.
Qualquer moral que não leve em conta os nossos instintos mais enérgicos e
perigosa e puramente declamatória, leva-nos à hipocrisia porque, se a
quizermos seguir e fazer-nos anjos, nos degradamos, tornando-nos imbecis.
Originário de uma sociedade moralmente corrompida, o sacerdócio católico,
não obstante seu dogma. tentou regulamentar o conjunto das funções cerebrais
que compõem a personalidade. Apesar entretanto, dos seus louváveis esforços,
não resolveu completamente o problema da purificação, embora conseguisse, néste
sentido, resultados apreciáveis.
Evidentemente, não seria possível determinar o verdadeiro papel do egoismo,
com um dogma absoluto que, pretendendo suprimir ou refrear cegamente a
personalidade, de fato a estimulava.
A origem dogmática desta incapacidade foi verificada desde o fim da idade
média. Basta, para isto. lembrar, entre outras provas, a exaltação da vaidade
nos misticos e a do orgulho nos servos de Deus, tão insolentes para com os
inferiores quanto servis aos poderosos; o desenvolvimento generalizado do amor
próprio, característico da doença revolucionária dos povos ocidentais; o desdem
cada vez maior pela higiene corporal; a paixão doentia pelo sofrimento, que
levou Pascal a considerar a doença como estado normal do cristáo. porque o
estado patológico desenvolvia algumas qualidades morais. Este modo de ver é contraditório
porque, se a consideração de doentes implica na de pessoas com ptedictdos para
tratá-los, são estas em relação à moral, na mór parte dos casos as mais
interessantes.
Era urgente, portanto cuidar outra vez do problema da purificação. Antes
de mais nada, cumpria. evitar cuidadosamente o desenvolvimento dos instintos
tjue exigem sempre excitantes. Reprimi-los seria ainda pior porque dobrariam de
atividade, sem levar em consideração que ísto exigiria o restabelecimento da
ineficaz e opressiva policia de costumes.
A satisfação exagerada da personalidade determina perturbaçõs não só porque
altera as forças físicas do organismo, mas principalmente por ameaçar as
faculdades mentais e morais as mais fracas e mais preciosas, e isto mesmo
quando a saude estivesse ao abrigo das consequèncias funestas da intemperanca.
Por sua natureza própria, os diversos pendores egoistas são inconciliáveis,
donde a necessidade de regulá-los, isto é, abrandá-los, orientando-os para uma finalidade elevada e
inacessivel às paixões. A Ëtica positiva faz a pureza consistir na subordinação
habitual dos instintos pessoais aos sociais, tendo em vista o serviço contínuo
da Humanidáde. Ela os enobrece, eliminando todos os caprichos contraditórios ao
bem comum e só os satisfazendo com este objetivo.
Tal resultado é obtido à custa de muito esfórço, mas só assim o homem se eleva,
e tudo quanto restringir seus apetites, dentro de proporções razoáveis
aumentará suas forças. Como multo bem salientou de Maistre: o homem aos 30 anos
domina a paixão mais violenta porque aos 5 ou 6 anos lhe ensinaram a desistir
voluntariamente dum brinquedo ou duma gulodice.
Embora. de inicio, seja penoso não satisfazer livremente a todos os
desejos, e pareça preíerivel entregar-se aos inzpulsos variáveis do
sentimento. é sem.pre útil submeter-se a preceitos. mesmo quando as leis
naturais ainda são ignoradas. A idade e a expertenclã nos mostram tal vantagem.
Se, por toda a parte, os mais nobres atributos estão subordinados aos mais grosseiros,
é aconselhável, para reduzir ao minimno o arbítrio, procurar, para as normas
que voluntariamente instituimos, certa precisão numérica. Estas as bases dos
deveres de purificação, instituidas pelo positivismo, e ponto de partida de
toda a moral.
Libertando os instintos egoistas do que têent de vicioso, é meio caminho
andado, porque lucramos tudo quanto perderiamos se cedessemos aos seus
influxos.. Ainda assim, sem um real devotamenito, isto seria insuficiente para
conseguir uma base de moralidade. A purificação, é bem verdade, contribui
indiretamente. por si mesma, para o surto dos bons sentimentos, de vez que
reduz de modo sensivel o domínio da personalidade.
Aconcelha o positivismo, déste modo, uma justa parcimonica porque. Sendo
necessário assegurar a subsistencia quotidiana da familia, so se deve gastar o
capital, reservando os juros do porvir. Ao mesmo tempo, ê este o único meio de
nos podermos tornar generosos, satisfazendo o dever da esmola.
Para, entretanto, evitar as más ações é preciso, antes de tudo, cultivar os
mais nobres atributos da alma. A moral positiva propóe ao homem, como destino
supremo da vida, seu aperfeiçoamento intelectual, e, acima de tudo, moral,
visto que dele dependem todos os outros.
O trabalho e o cultivo dos bons sentimentos conduzem em conjunto, à virtude, se os não afastarmos, da ciência,
porque as opiniões falsas dão lugar aos desregramentos. Para ser feliz é
preciso ter pensamentos sadios.
Torna-se, portanto, necessário cultivar o espirito por uma instrução
enciclopédica, completada ou subo.. tituida, durante a fase de transição, pela
série de leituras escolhidas, aconselhadas por Augusto Comte e sabiamente
reduzida, graças ã sua competéncia sem par, a um pequeno número de obras
primas, cuja reunião constitui o catálogo da Biblioteca Positivista.
Este aperfeiçoamento intelectual, porem, pressupõe a educação da
sociabílidade. Nossa existência privada e pública só se mantendo por uma série
continua de abnegações e sacrificios, a
prática habitual das boas ações foi e será sempre o melhor processo de cultivar
os instintos altruitas. Mas, como os resultados de nossa contribuição para a
vida comum, raramente dependem de nossos esforços isolados, mesmo porque êles,
nas mais das vezes, não estão ao nosso
alcance, é indispensável, para ficar no ãmbito da ética individual, levar em
conta, principalmente, os meios de culttura que cada um dispõe de per si.
Esta a razão pela qual devemos apegar-nos aos bons sentimentos que inspiram
nossas açoes. e cujo valor é bem grande aos nossos olhos, para suprir a y fatal
intermitência de nossos atos. Cultivando-os constautemente, redobraremos
nossas forças. Fazer o altruismo preponderar sõbre o egoismo é a aspiração maxima
para a qual o homem deve tender, embora sai
jamais a atingir.
Foi isto o que pretendeu o catolicismo e a de devemos a instituição do
cultivo metódico dos instinto, simpáticos. O sacerdócio romano escolheu, para pedra
angular de seu edifício, a teoria de S. Paulo sóbre a mais natureza, a mais bela
concepção da Humanidade até Gall e Augusto Comte. A distinção básica entre o
egoismo e o altruismo está assim formulada pelo fundador da religião católica:
“A carne tem apetites contrários aos do espirito, e este desejos diversos daquela.
São opostos um ao outro e, como resultado
dêles, praticamos o detestado mal ao envés do querido bem”.
São Paulo, apoiado nesta concepção decisiva, imaginou audaciosamente o
problema de transformar o homem, fazendo, para isto, apesar da energia superior
dos sentimentos em jõgo, prevalecer a Graça ou isto é, os instintos simpaticos,
sobre a Natureza ou a carne, personificada pelos sentimentos egoístas.
A eficiencia desta teoria, infelizmente, foi muito prejudicada pela sua
feição teológica. A distínçãó entre a Graça e a Natureza, na concepção pauliana,
é absoluta: não admite concordãncia e procura mais comprimir os instintos
pessoais do que exaltar os sentimentos sinpãticos. Foi ao mesmo tempo um erro
efetive e um vício de metodo. ambos inevitáveis. O importante, porem, era
instituir, pelo exercício especial. a cultura dos bons sentimentos, quaisquer
que fossem as insuficiências dos primitivos métodos.
Esta doutrina entravou o surto dos sentimentos desinteressados,
reduzindo-os exclusivamente à caridade,
e dirigindo as preocupações individuais para uma salvação egoista. Com efeito, para São Paulo, a Graça é uma dádiva
exterior, um estimulo direto da
divindade, outorgado a quem fõr de seu agrado. Não somos capazes,
escrevia ele, de formular bons pensamentos,
mas é Deus quem nos torna capazes
de tal coisa’.
O homem seria, desta maneira impelido a procurar um ponto de apelo fora do
Ser Supremo e do mundo, vale dizer,
Fóra da realidade. No ponto de vista moral, como em todos os outros, os transformar dos pelo catolicismo não o foram graças à doutrina. mas apesar dela.
Todos os homens desfrutam a Graça só pelo fato de. existirem; e isto ficou provado quando Gall sbstítuir
a hipótese teológica pela teoria
que demonstrou serem inatos os
sentimentos altruístas, até entao aujeitos aos caprichos divino.. Dai por diante, o aperfeiçoamento do homem dependeria de sua providencia; ele poderá
desenvolver concientemente a benevoléncia. fazendo-a adquirir uma intensidade
até então inatingida.
Em virtude da fraqueza natural do altruísmo. serã sempre necessário
excitá-lo por exercícios apropriados e puramente morais. Se ates exercicios
são, a principio, menos eficazes que os atos propriamente ditos, seu surto pode
tornar-se continuo, adquirindo. por fim, um valor inestimável, visto não
exigirem materiais e estarem sempre ao nosso alcance. Para esses exercícios
morais costumados, em que o pensamento e a atividade se reunem à preponderante
afeição, o positivismo, eliminando todos os caracteres dos processos transitorios,
conserva o qualificativo de preces ou práticas religiosas, de há muito
consagrado pelo uso geral.
Sistematiza seu emprêgo pela instituição do culto privado. no qual o homem
exerce sobre si mesmo um esfõrço quotidiano, afim de desenvolver os sentimentos
afetivos. Este culto intimo, em que cada um se torna seu próprio sacerdote, repousa na seguinte lei moral: os
sentimentos são fortalecidos e excitados pela expressão, com intensidade que
aumenta tempo e com a harmonia dos esforsps correspondentes._de maneira que
tornam frequentes impulsos até então acidentais. Dai, cada qual poder apreciar
a influencia dos menores atos que se repetem
todos os dias, e saber que a perseverança faz dos mais fracos
esforço. resultarem os mais assinalados progressos.
Só por este culto habitual podem os homens realizar em si mesmos, com
segurança, a transformação mora! prévia de que necessita a livre preponderancia
da religião da Humanidade.
Quais as vantagens desta cultura moral intima? Tornármo-nos, desde logo,
mais capazes de viver para outrem
presentemente e no futuro: aperfeiçoarmos e fortalecermos todo o nosso apardho
cerebral, e, portanto, a saude que esta intimamente ligada a unidade afetiva;
melhoramos a raça porque todas as grandes modificações do organismo são
transmitidas pela hereditariedade. Trabalharemos, enfim, para a nossa felicidade.
deliciando o nosso espitito pelo cultivo da lembrança que ficou de fatos
passados em nossa vida, e que ligamos à
imagem querida dos que nos cercam e dos que se foram.
Concentrar as afeições no presente, sem relembrar o passado e cuidar do
futuro, seria, por acaso, viver! Só o amor sabe tirar partido de tudo, descobrindo,
prazeres; seus desvelo” vão alem da éspecie humana e alcançam os seres que lhe
prestam auxilio, a Terra que habitamos, o Espaço que personifica a fatalidade
das leis Gerais. Tudo concorre para o desenvolvímento da afeição, tudo conspira
para despertá-la.
A felicidade do homem está nos atos nobres que ela inspira e nas doces emoções
que os acompanham. Amar é a dito
com a felicidade dos outros, é viver para outrem, se não no presente, pelo
menos confiante.
Augusto Comte, reunindo, assim, na mesma formu-la as leis da felicidade e
do dever, conciliou pela primeira vez o que parecia contraditório. Demonstrou
o que os espiritos superiores haviam pressentido: o que inspirou à Marquesa de Lambert esta máxima: A perfeição
e a felicidade se confundem”, Só pelo coração o homem é estimável e feliz,
porque só nêle se encontra a sua verdadeira grandeza!
Augusto Comte fez da educação direta dos sentimentos altruistas, isto é, do amor,
o principio da moral positiva e da religão da Humanidade, que é o coroamento
indispensável daquela. A ética positiva individual concorre, portanto, para
estabelecer a tinidade coletiva, purificando e, ao mesmo tempo, exaltando as
inclinações naturais de cada um.
Capitulo II
Moral doméstica positiva
— O
Objetivo da moral doméstica é educar o homem para a Pátria e para a Humanidade,
sob a presidencia feminina. A desenvolve,
cada vez a diferenciam do homem. Livremente dedicada ao lar doméstico, a mulher ai se torna a providência moral do homem
como dona da casa, esposa e amiga, e principalmente
como mãe. O positivismo elimina as utopias que confiam ao Estado a função educadora, pertinente ás mães, bem como as
que seduzem a mulher para a vida pública. É no seio da familia que ela
participa melhor da existencia social; e, justamente para esta função precipua,
o homem deve sustentar a mulher.
Seria impossivel fazer de cada individuo um ser, isto é, puro e dedicado,
se o não mantivésse-se dentro dos meios espontãneos, que alimentam, controlam e
estimulam suas afeições, pensamentos e atividade.
A familia e a pátria elevam o homem até à Humanidade; mas, na vida privada
é que, de inicio, se faz o aprendizado da vida pública. O filho mau, o esposo indigno
não poderiam ser bons cidadãos!
O amor do mulher será sempre necessário ao homem inspirar, criar e manter as
virtudes sociais, em meio dos seres para quem mais deseja viver, é que o homem
aprende a submeter-se, a gozar os prazeres do devotamento e a viver às claras.
Cumpre conceber a familia como o elemento social especialemente destinado a
educar o homem sob a direção da mulher, seu órgão precipuo. Dar regras a moral doméstica
equivale, pois, a resolver a questão feminina.
Sob todos os pontos de vista, a familia atual é o simples desenvolvimento
da familia primitiva. No começo, a mulher nao existia, e as condições da
especie humana nao diferiam, absolutamente, das que se observavam entre os
diversos animais: os machos sobressaindo em força e beleza.
Na fase inicial, ainda representada pelas populações mais atrasadas, os sexos são apena
distintos A mulher sobrecarregada dos trabalhos mais penosos e qrosseiros, tida como simples animal
doméstico, e o primeiro escravo: apenas, um homem inferior, mais magro e mais
feio. Eis o estado em que a Humanidade
se encontrou este ser anõnimo, de que faz sua creação mais perfeita, a Mulher, que assim lhe deve toda a nobreza e
poder.
Em virtude da evolução social, e ao mesmo tempo que suas funções mais se
diferenciam, os dois sexos apresentam desigualdades crescentes, sob o triplo
ponto de vista — físico, mental e sobretudo moral. Este evolver, contudo,
fá-los progressivamente cooperar para o mútuo solevamento. o homem pela atividade
exterior, espiritual ou material e a mulher por sua açào doméstica e moral.
Semelhante concurso torna a união mais completa e mais estável. A nulher liberta-se gradualmente do
brutal dominio do homem, que, por seu turno, concentrando o apégo, cede mais facilmente à influência moral.
De todos os caracteres que a familia apresenta, o aperfeiçoamento reciproco dos
dois sexos e o mais frequente e o que se torna cada
vez mais preponderante.
Sem embargo das exceções, sempre mais raras e passageiras, e que não cessam
de conciliar a vida extesto? com as virtudes privadas, desde que estas sejam deveras
eminentes, é na família que a mulher encontra seu mais elevado destino.
Torna-se, com efeito, necessario, considerar a família como a oficina onde se faz
a obra admniràvél, e a mulher
como o industrial por excelencia.
Livremente votada ao lar doméstico, por suas difeentes funções de dona da
casa, esposa, amiga e máe, ela educa o homem, purifica-o. exalta-lhe os bons sentimentos,
tornando-se, a um tempo. consolo, conselheira e providencia.
Assegura o bem estar dos seus como dona da casa e, por sua previdencia faz
ressaltar a importància da conservação dos materiais e a imoralidade do esbanjamento.
Cuidando sempre de suas ocupações habituais, no seio da familia, participa da atividade industrial mais dignamente do que como simples operãria,
nestas grandês fábricas que alteram a delicadeza
feminina e põem em perigo sua
própria moralidade espontãnea. Tornando-se esposa, a mulher enobrece o homem, disciplinando-lhe os mais
enérgicos instintos. “nessa união constitue a mais perfeita amizade, embelezada por uma incomparável posse
reciproca” (Augusto Comte - Catecismo Positivista).
Aceitando voluntariamente a obrigação da vida comum ambos — homem e mulher
— se impõem incessantes sacrifícios, guardando mútuo respeito qelas suas funções.
Quanto melhor se achar garantida a indissolubilidade do laço matrimonial contra
os caprichos individuais, mais este destino beneficia os esposos. determinando
um constante devotamento. Entre dois seres tão complexos e tão diversos, como o homem e a mulher, a vida inteira
nunca será demasiada para se bem conhecerem e amarem-se dignamente” (Loc. Cit).
Semelhante união, quando verdadeiramente digna, torna-se mais forte do que a
morte, e sobrevive à existencia objetiva de um dos cõnjuges.
Restabelecer o divórcio seria comprometer tio precíosos resultados, pois.
máu grado a lura livremente feita, éle suprime, ao mesmo tempo, as funções de
mãe e de espõsa. O divórcio só é admissível quando um dos esposos haja sido
condenado a uma pena infamante,
que lhe determine amorte social. No que concerne ao caso em que os cõnjuges se
acham efetivamente separados, será razoável, a seu pedido justificado, legalizar a dissolução do primeiro casamento, mas este fato, por si mesmo, demonstrará a incapacidade definitiva
de contrair segundas núpcias.
Seguindo o desenvolvimento natural de sua alta dignidade ética, as mulheres
são levadas a interessar. se pelas coisas que as conduzem mais longe e mais
alto do que suas respectivas famílias. A Humanidade juntou à sua providencia
afetiva um novo órgão — a companheira —
cuja fórça se baseia na reunião da mais profunda ternura com o mais profundo
respeito.
Graças a esta creação, o género humano realizou um imenso progresso moral;
os membros das outros famílias deixaram de ser encarados como estranhos, e são
acolhidos no lar, onde a honra se acha vigilante. e com ela a dignidade, a liberdade e a paz.
Esta transformação, que se realizou entre o escol da Humanidade, distingue
os ocidentais de todos os outros povos; foram elas que Voltaire descreveu em
sua formosa tragédia Zaira.
“Companheiras fieis, reinando em toda parte.
“E livres sem deshonra e puras por vontade,
“A virtude que têem não procede do médo.”
Agindo por conselho e afeição, e não por vontade imperativa, é sobretudo como amigas que intervém nas questões
de seu tempo, quer sejam politicas, quer sociais ou religiosas. Só
particularmente, como nos salões, das preparam a opinião: mas seja onde fõr, no
templo, na escola ou nos clubes, sua assistência deve sempre permanecer
passiva.
Rainhas no lar, é ai que atuam tão poderosamente sãbre o coração dos
iotnens, e realizam a concepção positiva, segundo a qual a mulher personifica a
Humanidade.
Jàmais os espiritos revolucionados, que. à força de procurar alhures os
meios de melhorar a instrução da mocidade, acabaram por se não compreenderem,
hão de conseguir roubar às mães sua função educadora.
Só a mãe é capaz de educar o homem, porque só da tem essa força de coração
que forma o caráter para a vida e determina costumes, apesar da preguiça do
corpo e do espírito e à despeito dos apetites selvagens.
O princípio de toda a educação está em ver em cada mãe a diretora perpétua
dos filhos. Até a puberdade, devem eles depender, exclusivamente, da mãe e
quando as coisas assim não se puderem realizar será, para ambos, uma
infelicidade. Durante o resto da existência, a mãe deve procurar superintender
sua educação.
Baseado no culto materno, pelo qual os dois sexos se elevam ao amor da
Humanidade, o culto intimo tem como principal resultado prolongar, alem da
morte, a doce e salutar influencía déste anjo da guarda. comum a todas as
idades. Não foi ela a primeira que amou o filho e por de sofreu? Não foi ela
que arriscou a vida para lhe dar a luz?
Os primeiros balbucios, olhares e sorrisos são para aquela que é sua carne
e seu sangue; que, durante dias e noites, lhe prodigalizou carinhos tão delicados.
cuja multiplicidade e duração fatigariam qualquer outra pessoa.
Deixemos, pois, as crianças com suas próprias limes; no existe ninguem, sob
todos os aspectos, qúe tantos laços lhes esteja tão preso, haja tanto vivido
para elas, e a quem tenham custado mais!
Os inovadores pedagógicos. invariáveis partidário, da instrução
obrigatória, que procuram persuadir ser a criança de mais no lar e que é
necessàrio confiá-la a um estranho, afim
de transformá-la em homem e cidadão, não fazem mais do que repor na, ordem do dia
os processos jesuiticos do encarceramento da mocidade. Diremos com De Maistre:
“Fazer crianças, é apenas custoso: mas a grande honra é fazer homens, e é o que
as mulheres conseguem melhor do que nos Néste particular, o Estado é
incompetente.
Tal a aptidão da mulher para desempenhar este papel, que nêle atinge o
limite da perfeição humana; para esse pequenino sér, tão fraco de inteligência,
tao incapaz de reação, e que se encontra na sua absoluta dependência. a mãe
terá afeição sem limites. E mais do que isto: terá todos os cuidados e encherá
de carinhos a criancinha enferma, embora sem esperança e pelo contrário, certa
de que nunca receberá a retribuição de tantos atos de devotamento. Não; não é
por intermédio de um diretor de conciência, sacerdotal ou leigo, ‘nas
exclusivamente pela mae, que os conselhos morais devem ser transmitidos à criança. E assim, na verdadç, será
preferível para ambos.
Únicas intermediárias pelas quais a sóciedade põde, sem perigo, fazer
sentir sua ação à criánça, coube sempre ás mães a glória de tei formado o que a
pátria e a Humanidade têem obtido de mais puro e de maior: os Santo Agostínhos
sempre foram filhos das Santa-Mónicas e só as Cornélias puderam produzir os Gracos.
Súmula da perfeição, a mãe, pela excelência de sua natureza, tornou-se a imagem
querida da pátria e da Humanidade.
Os teóricos puramente revolucionários só repetem tantas tolices nos seus
projetos de reforma da educação popular porque não levam em conta a
necessidade dos preconceitos, isto é, da digna subordinação ao se»timento,
cuja importãncia não compreendem.
Outra é a diretriz materna, que desenvolve toda a energia no sentido de que
prevaleçam tais preconceitos, cujo alcance os homens melhor hão de compreender
quando forem demonstrados pela ciência, e durante um período mais longo, se
tenham tornado habituais.
Os homens, não levando em conta os sentimentos benévolos, renovam a
pretensão de educar sem preconceitos, que Rousseau põs em moda no Emilio. Esta concepção brutal não só
incentiva o desprezo à mulher, pela radical ignorãncia de suas funções. como,
ao mesmo tempo, traz para as mães o descrédito da verdadeira emancipação.
Ótima observadora de uma realidade com a qual está em tão intimo contacto,
a mulher encara piedosamente estes
partidãrios da observação, que, entretanto, não véem equivaler a supressão dos
preconceitos a deixar o campo aberto à besta-fera que todo homem esconde em si
mesmo.
Não será estranho que ésses mesmos revolucionários, autores de êrros tão
grosseiros, se deixem levar a requintes de pieguice, cujos vestígios se
encontram em todas as corrupções contemporãneas, por imitação de Rousseau. Os
pais, que, eu, caso de necessidade, não desprezarem as correções corporais,
estarão sujeitos, sem dúvida, a ser encarados, por estas almas sensiveia,
como individuos sem coração. Crearam das, sob a qualificação de direitos das
crianças, una das mais extravagantes concepções de um século já da si tio rico
cm coisas déste gênero.
Sempre que os processos pacificos não bastarem, á necessário recorrer a processos mais eficazes.Dá-se na educação
das crianças o que se dá na vida cívica: cumpre submeter-se em todos os pontos
essenciais. O pior mal que possa acontecer a um homem é sido um menino mal-educado. Em matéria de educação, é necessário desconfiar destes
pretensos progressos, que são, em geral, modificações perturbadoras,
inventadas por espíritos sem coração.
Em resumo, as solicitações dos revolucionários não se mostram capazes de
facilitar a solução do problema moderno, porque aumentam as repugnãncias da
mulher para com todas as renovações, ora, sem sua conversão, não poderemos
resolver nenhuma das questões de nosso tempo, quer sejam religiosas, quer
se-dais ou pohticas.
Nas suas tentativas de assimilar os papéis do homem e da mulher, estes anarquistas
propõem uma obra anti-social, porque, se tais tentativas pudessem triunfar, terminariam
reconduzindo nossa espécie à igualdade
primitiva, isto é, abrogando a obra da Humanidade.
Universalmente, a pretensa igualdade dos sexos correspondè à inversão de
suas funçaes: a esposa trabalha aos campos e o marido tece em casa, o mestre
educa os rapazes, enquanto mãe se acha na oficina. Só mesmo um alienado pode
ver benefício em semelhante subversáo!
Como o progresso torna as mulheres cada vez menos aptas à vida exterior,
só podemos melhorar—lhe a sorte, consagrando essa tendéncia: a questão não consiste,
portanto, em influir para que sejam eleitoras. advogadas, deputadas, médicas ou
industriais. Agindo na família, como órgão da providência moral da Humanidade
não devem participar nem da vida exterior, como cidadães ou operãnias. nem
tomar parte no govêrno ou na prédica. So podem ser superiores permanecendo como
mulheres, e no dia em que elas o queiram ser à maneira dos homens, seráo,
apenas. simples caricaturas do homem.
Todas as declamações sõbre a pretensa escravidão das ocidentais. feitas
peios paladinos dos direitos das mulheres, demasiadamente zelosos para serem
de veras desinteressados, estão em contradição com os fatos e com o método que
elas constantémente empregam para
aumentar sua independência.
O que se faz mistér é ausiliã-las a desenvolver sua propria natureza, como
fizeram no passado. Cumprindo seus deveres. mau grado todos os obstáculos, elas
obtiveram a melhor garantia de seus direitos - a existéncia doméstica.
Estaremos sempre certos de ser aceitos e ouvidos por elas, invocando os
deveres que as votam à família, onde encontram meio para desenvolver plenamente
sua atividade fisica, intelectual e moral, porque só ai se sentem
verdadeiramente felizes. Nunca procuraremos tirá-las dai, por excitações
artificiais. para colocá-las em situação que altere sua superioridade ética e
entrave seu papel social. Isto sería, ao mesmo tempo, degradar-lhe a natureza e
atentar contra sua própria felicidade.
Satisfazer à aspiração universal das pessoas de bons sentimentos,
assegurando a todos o surto pacifico das afeições domésticas, fonte única da
verdadeira felicidàde, tal é o meio mais eficaz para aperfeiçoar o homem, e
exaltar a mulher. Fazer companhia ao marido, tomar conta da casa crear o
corpo, o espirito e o coração de alguns deste seres, cuja formação e
desenvolvimento são tão delicados e morosos, eis em que a mulher deve empregar
a existëncia, com exclusão de qualquer õutra atividade.
Tal é a ocupação que constitue seu dever e a que
se deve devotar, porque, neste particular, ninguem a pode substituir. E
justamente para lhe garantir os ensinamentos. os lazeres e a disponibilidade exigidas por sua função que a Igreja e a sociedade Civil
intervêm na existencia da familia, que elas, por sues reações, concorreram no
passado, para elevar e desenvolver.
A função que o sacerdócio positivo terá de preencher para com a mulher,
será incorporá-la ao surto mental da Humanidade. Para atender a tal princípio
é que a ciência da Humanidade lhe será ensinada como ao homem, (exeçãø feita
para a matemática. que terá menor desnvolvimento) pelos mesmos mestres, embora
em cursos separados.
Sem esta iniciaçáo enciclopédica correr-se-ia o risco de comprometer á
própria razão geral, deixando enfraquecer, por desuso heeditário, a capacidade
de abstração naquela que a transmite.
Poder-se-ia fundar um regime racional e padlico se o novo cidadão continuasse
a tratar como criança, ou como criatura inferior aquela que é sua amiga. que se
tornará sua companheira, e que finalmeate contribuirá, por seu turno, para
formar o corpo e a alma de uma nova geração?
Ao lado do dever que consiste em dispensar a mulher do trabalho exterior, não nos devemos esquecer,
embora isto caiba À sociedade
civil, de que só por intermadio
do pai e do espõso pode de
sersatisfeito. Só e possível excetuar os casos em que esses protetores naturais
venham a faltar lima vez seja ëste deva plenamente cumprido para com elas, as
mulheres dignas livremente renunciarão o pernicioso uso do dote. tão contrário
á dignidade, quanto nocivo à atiddade indnstrial.
Todos os deveres sociais para com a mulher resumem-se essencialmente em
garantir ao proletariado. em geral, a plenitude da vida de família, até aqui
privilegio das classes abastadas. Cumpre, pois, encarar este dever universal,
que a prende à moral civica, como o resumo da moral doméstica positiva: O homem deve sustentar a mulher!
Não podemos encorporar o proletariado à sociedade moderna sem a realização
geral desta regra; so quando o proletariado obtiver aumento de salário, poderá
ser associado ao duplo movimento intelectual e moral. pelo lazer que de motiva
e consagra. Reconhecemos, portanto, que os dois sexos, distintos um do, outro,
concorrem necessariamente e cada vez em melhores condições, um pelo trabalho e
o oatro pela educação, para seu mútuo aperfeiçoamento e para a formação de dignos servidores da pátria e da Humanidade.
Capitulo Terceiro
Moral Civica Positiva
Resumo:
- A ética
social desenvolve o homem formado pela familia. A pátria cuja noção foi tardia,
assegura o concurso de todos os cidadões para a obra comum, por meio de um
duplo orgão espiritual e temporal. O novo regime exclue a autonomia comunal e
as grandes naconalidades, por serem incompativeis com a extensão normal da patria,
cujo tipo pode ser fornecido pela Holanda; exclue também o comunismo e o individualismo,
como contratidos a dignidade civica. Todos os serviços humanos sendo livres e
gratuitos, o trabalho deve libertar-se dos costumes servis. Consagrando a
hierarquia industrial e a divisão entre os empreiteiros e os trabalhadores,
que, respectivamente, constituem a providencia material e a providência geral
da Humanidade, a moral civica positiva regula os diveres correspondentes por
intermedio do poder espiritual, mediador de todos os conflitos.
Cumpre-nos agora examinar a moral da socíedade, isto é o conjunto de
deveres que o positivismo institui relativamente à existência civica e
universal.
E necessário ver na atividade pública o verdadeiro destino do homem; o da
mulher encontra-se na vida privadã.
A família, com efeito, é muito pouco extensa para dar ao sentimento e à
noçào de existência coletiva a força
necéssãria, pois, embora o culto do túmulo lhe seja inseparável, a continuidade
e a so1idariedade, em seu ãmbito, ainda não sao suficientemente apreciadas.
Todos os instintos simpáticos. nao há negar. saõ cultivados pela familia,
mas só o apêgo. que é o mais enérgico. pode nela exercitar-se
satisfatoriamente. A veneração pelos superiores e a bondade para com os
subalternos só com a vida pública adquirem seu pleno desenvolvimento. Apesar
disto, as principais vantagens da vida pública seriam andadas se o homem tivesse
que passar diretamente da existencia doméstica à universal: os laços se
tornariam, ao mesmo tempo muito fracos e muito indeterminados, para apresenta-rem a eficácia indispensável.
Entre a familia e a Humanidade, para o triplo aperfeiçoamento do coração,
do espírito e da ativida~it, Faz-se mister a pátria, menos limitada do que a
primeira e mais intensa do que a outra.
Mais perceptível que nos
outros seres coletivos, esnhora este caráter possa ser observado em todos, a
pátria resulta, por funçóes distintas, do concurso geral para uma - obra comum
A divisão básica, espiritual e temporal, do orgão encarregado de garantir tal
concétrso, pela reação do todo sõbre as çartes, já distinto na família, é, na
pátria, cada vez mais destacado. 0e comêço. imperfeito e espontãneo,
tende a tornar-se completo e sistemático.
O fim da moral civica positiva, o limite da evolução da sociedade é
instituir um regime industrial pacifico, compatível com a separaØo çositiva
dos dois poderes, e no qual
todas as funçóes sejam referidas ao Ser Supremo.
Nascendo primitivamente no
seio de uma horda ou de uma tribu, o homem só um pouco tarde alançou a noção
de pátria Esta noção manteve-se mesmo inacessível a moral monoteica, que se
não podia colocar no ponto de vista coletivo.
No Decálogo nao se cuida de
pátria. para os judeus, como para os cristãos e muçulmanos, a nacionalidade é puramente
religiosa: dai, suas tendências espontãneas para a teocracia.
Evidentemente, neste
particular, o politeismo progressista foi muito superior. Devemos a noção de
pátrio e seu principal desenvolvimento à civilização milIitar, esboçada na
Grécia pelos Temistocles e Alexanárea, e plenamente ampliada pela
conquistadora Roma, que lhe formulou os principais deveres e forneceu os tipos
mais característicos, nos Cipióes e Trajanos. ou em Cesar, o maior de todos êles.
Apoiando-se nos incomparáveis
resultados desta civilização, o sentimento e a idéia de pãtria puderam
sobrepujar o dogma do cristianismo, garantir a separação dos dois poderes. e
transmitir-se até nós, através da idade-média e do período revolucionário.
Insçirando-se inteiramente nos
sentímentoc mais generosos e nas noções maia gerais, a pátria nunca cessará de
constituir, como no mundo romano o verdadeiro centro de nossa vida, a grande
unidade pela qual devemos lutar e morrer, quando necessario.
Cumpre fazer com que tudo
convirja para tal desmais importante dos deveres é devotar-se ao bem da
pátria. Para a Religião da Humanidade, o homem é. antes dé mais nada, um
cidadão!
Tao nobre escopo faz que a
maior missão do sarcedocio positivista seja instituir e vulgarizar deveres referentes
á existência civica. tal como vimos realizando em França, ininterruptamente, há
vinte e um anos.
Dissemos como a Sociologia,
tendo formulado as leis do concurso das diversas naçóes no tempo e no espaço,
ensina a todos, franceses, ingleses e demais povos do Ocidente, o que devem
pensar e a maneira de amar sua pátria, para servir a Humanidade.
Da instituição do sacerdócio
positivista depende o advento de um regime industrial sistemático. As
convicções nào se achando devidamente maduras ê mister, antes de agír,
estabelecer o acórdo unãnime. para poder
realizar pacilicamente a obra
real, útil e durãvel. para a cjual o positivismo convida todos os cidodões.
Um primeiro passo seria dado
neste sentido, suprimindo-se tudo quanto dificultasse a mais completa liberdade
de reunião, afim de que as questões fossem expostas e discutidas de maneira que
se deixasse a opinião privada e pública julgar livremente todas as doutrinas.
Neste particular, é um dever
reagir contra as tendências atuais dos dos governo republicanos, porque seria
absurdo retomar ou consolidar as mais desastrosas medidas de Bonaparte. Será
indispensável suprimir todas as subvenções e privilégios que o Estado concede à
Igreja e à Universidade, embora levando ela conta as justas indenizações e os
direitos adqniridos.
Secundados por êstc conjunto de
medidas provisórias, destinadas a afastar todos os obstaculos à liberdade
espiritual, os que sabem consolidarão e completarão pelo ensino e pela prédica, o trabalho móral da família, para o
bem comum da pátria e da Humanidade.
Respeitando
a ordem e o progresso, condições inseparàveis de qualquer
atividade pacífica, o positivismo afasta
espontaneamente as tendencias
revolucionárias para a restrição ou ampliação exagerada da
pátria, que lhe tornaria a existeacia estéril
ou perturbadora.
Não só a utopia anárquica
da autonomia politicà da comuna, mas tambem a concepção retrógrada
das grandes nacionalidades são igualmente
eliminadas por êle, como contraditorias com o regime
positivo.
A comuna. sem dúvida, e a intermediária
obrigatória entre a familia e a
patria. Nela é que se faz
o aprendizado da vida pública a se desenvolve o sentimento social. em boa hora vinculado ás tres sedes
materiais (casa comum, templo
e cemiterio), que recordam, sem
cessar, a união, a unidade e a continuidade.
A existencia da comuna resulta
do concurso, e este seria dificultado por
qualquer tentativa para exagerar sua independencia. Creação da pátria,
ela representa um grução
secundário que depende do que se
decidir na metrópole, ém torno da qual
múltiplos elementos análogos se gruparam
gradualmente, à forçà de um passado comum.
E necessário conceber a pátria como um organismo. cuja base vegetativa se acha
representada pelos campos. Sua coordenação se opera graças à ação das grandes cidades,
sob a presidencia de uma capital, que governa por ser
socialmente superior. Essa é a ordem espontanea. que a autonomia comunal viria
perturbar.
O que se preconiza em nome da teoria metafísica das raças ou das fronteiras
naturais ê hoje um puro anacronismo. As grandes nacionalidades só tiveram razão
para existir, no ponto de vista militar: voltaram ao cartaz com a decadência da
fé teológica, que assim se tornou cada vez mais impotente para coordenar as
populações políticas distintas.
Pela falia de principios
comuns não se poderia manter a ordem em Estados de superficie tão grande sem
exagerar a ação do govêrno tempóral; dai, este despotismo administrativo que
caracteriza o Ocidente revolucionário. As nações, como os individuos, não se
resignam à dissolução prematura.
De acórdo com Augusto Comte, é
mistér conceber a pátria normal como uma Cidade preponderante Com o território
necessário à sua nutrição no qual vive certo número de famílias tendo
antecedentes comuns e trabalhando para uma posteridade comum.
A Holanda, entre os diversos
estados atuais, pode ser encarada como o tipo mais próximo deste padrão, suas
dimensões são suficientes para a existência durável de um regime pacifico e
industrial, regrado por uma fé demonstrável. Em que poderá consistir a utilidade
das nações mais extensas, quando já não nos batermos no exterior para manter
internamente um regime de opressão?
A pátria só inspira um amor
eficaz quando suas diversas partes se acham reunidas, sem nenhuma violência,
por tma ativa solidariedade, que permita aos seus filhos se conhecerem
suficientemente para se amarem com
todas as veras da alma.
Assim, com o regime do
trabalho, desde que a plena liberdade espiritual seja estabelecida e o sacerdócio
da Humanidade se ache suficientemente desenvolvido, haverá, ao mesmo tempo,
decomposição das nacionalidades muito extensas e concentração dos poderes
legislativo e executivo. Durante a transação, caberá ao govêrno temporal manter
a ordem e impedir todos os atentados contra a família e contra a propriedade.
A França, tambem, não escapará
a esta leil Oportunamente, isto é, quando a religião da Humanidade se firmar
no Ocidente. o positivismo pedirá a sua decomposição política, preparada
administrativamente
pela ínstituição civil da comuna e dá província, penhortes da liberdade social.
pela ínstituição civil da comuna e dá província, penhortes da liberdade social.
Nisto, como em tudo, o
positivismo é relativo: nessa doutrina, cada modificação se acha determinada. Dizemos
o que será necessário fazer daqui há cem anos: pregamos inicialmente, para
realizar depois. Nossos sucessores atenderão mais tarde as exigencias de sua
situação, continuando a empreitada que lhes deixarmos, do mesmo modo que
aceitamos a dos nossos antecessores.
Determina-se melhor á caráter
da nova atividade clvica. mantendo-se sempre juntas a idéia da redução final
das diversas pátrias a suas dimensões normais e a consideração de um regime em
que o trabalho prevaleça sobre a guerra.
A transformação social é
igualmente dificultada, embora sob o pretexto de fortalecer o concurso geral,
quer tendendo para o monopólio, com o industrialismo, quer reprimindo a independencia,
com o comunismo.
Como só há sociedade
progressista quando o concurso é voluntario, torra-se dever, tanto para os pobres
como para os ricos, considerarem-se colaboradores de uma obra destinada ao
conjunto dos sucessores, para os quais, de lato, trabalham, como os predecessores
trabalharam para des.
A distinção metafísica entre
as funçães privadas e públicas deve ser suprimida. Todas as profissões qut
caráterizam o regime industrial, devendo ser encarardas no ponto de vista da
sociedade, resulta que os serviços humanos devem ser considerados como gratuitos.
Trabalhar e dar, ao mesmo
tempo, a sua própria cxisténcia e os resultados que se hajam assimilado da existência
dos antecessores. Ora, em tais condições, como tarifar uma atividade que poe em
perigo a vida do trabalhador, vitima frequente dos elemento ou dos aparelhos
mecãnicos, semelhantes aos antigoa deuses, que, por vezes, devoravam seus
próprios servidores?
Vulgarmente, ainda se
conservam as falsas distinções introduzidas pela vaidade servil, para caracterízar
a retribuição das diversas funções sociais.
Mas em caso algum, o dinheiro paga o serviço prestado quer seja esta
retribuiçáo qualificada de honorário, ordenado ou salário. Em esséacia, este
dinheiro representa a indenização netessária ao renovamento dos materiais
empregados na conservação e regeneração de todas as forças, basicas, intelectuais
e morais utilizadas no serviço da sociedade.
Com ou sem conhecimento de
causa, o salário e, em todos os casos, um adiantamento feito à custa dos
capitais atados pelas gerações, passadas e presentes. Cumpre, portanto, calculá-lo de acórdo com as necessidades
da existência da família, de fórma a assegurar o lazer na infãncia. o repouso na velhice, e, em todas as
idades, a vida doméstica à mulher. O que sóbra patrimõnio do gênero humano.
Patrões é trabalhadores, sem
terem o sentimento social de suas funções respectivas, creem e pretendein
sempre, pelo menos a maioria, só trabalhar para si proprio. Isto equivale a
perpetuar cegamentehabitos que so convinham ao periodo guerreiro, no qual os
industriais eram simples instrumentos servis nas mãos dos chefes militares.
Usar do capital, de que se
dispõe, para satisfazer apetites estimulados pela ociosidade egoista, é certamente
censurável; mas, encarar tão ignóbil existência como escopo de sua emancipaçáo
será ainda mais indigno, em se tratando de um proletário. Com efeíto, o rico inativo desfruta, ate
certo ponto, da calma da posse, enquanto o operário terá ainda o ardor rapace
de na penúria ávida de gozos.
Encarando ambos o trabalho,
não como um dever, rasa como coisa servil, de que se devam livrar tanto quanto
possível, descarregando-a, em parte ou totalmente, sõbre ombros alheios,
permanecerão ambos como verdadeiros escravos. E, com efeito, escravo o que
serve a seus semelhantes de má vontade: o que usa arbitrariamente das riquezas
comuns; o que, desconhecendo aprópria origem e destino delas, se vinga das pretensas
ou verdadeiras injustiças, inutilizando o material de seus detentores atuais.
Proletários e empreiteiros,
fatores da existência humana, devem evitar o esbanjamento dos materiais e dos
produtos do trabalho. A sábia economia sem que a finquem empobreça, enriquece a
sociedade, que, verdadeiramente, deve a seu fiel servidor uma parte maior de
benefícios,
Há, entre os ricos, mais
apreensões do que ódio. mais dúvidas do que mêdo. O proletário pode contribttir
em muito para determinar costumes mais nobres entre seus diretores, vencendo a
desconfiança e a inveja pertubadoras.
Representará isto, sem dúvida
alguma, penoso esfórço para muitos, mas certamente de grande proveito porque,
sendo ao mesmo tempo o passo decisivo na elevação de proletariado à dignidade civica, déle sultarã a
verdadeira liberdade.
Considerar como degradante ou
humilhante o devotaniento aos pobres ou o respeito aos ricos é ainda um resquicio dos costumes
servis. Ninguem pode deixar de dar o exemplo de dispasições simpáticas, que o
seu oficio exige, e que o seu poder torna legitimas. Só se é cidadão, concorrendo fraternalmente
para a atividade comum.
Será necessário, duranve a
transição, para facilitar este renovamento moral, dar grande valor a tudo quanta
mantiver os hábitos e os preconceitos sociais que dirigiram, com felicidade, o
primeiro surto do trabalho, e que, entre nós, ainda continuam os benefícios
das civilizações romana e feudal.
Os primórdios têem caráter
pessoal e dispersivo, no regime da indústria. Os materiais nêle se apresentam
sempre sob a fórma de resultados adquiridos, que não parecem exigir
participação coletiva. Aprecia-se, pelo contrário, imediatamente, o caráter
social do regime militar: como não guerreamos sõzinhos, dependendo cada
soldado diretamente, dos outros, o mérito se distingue com facilidade, e cada
função, da mais genérica -à mais especial, é logo compreendida e respeitada.
Racionaimente, estas mesmas
propriedades caracterizam a atividade industrial. Para descobri-las, porem,
será necessário que, por um surto decisivo, ela envolva o planeta inteiro e,
sobretudo, que o espírito abstrato tenha atingido, de modo perfeito, a
concepção da Humanidade. E este caráter social que o sacerdódo posiúvista
mostrará a todos, colocando o ensino à altura da situação.
Mantenhamos, pois,
cuidadosamente as intituições que ainda conservam os laços morais entre patrões
e trabalhadores, entre os pobres e os ricos. Conservemos as festàs especiais
das diversas corporações de artífices, as festas nacionais, o culto dos grandes
homens, que ligam as famílias. à comuna, à pátria e à Humanidade e que,
recordando o caráter social da
atividade, concorrem para regra-la pacificamente.
O surto pacifico da indústria positiva
supoe o respeito à divisão
necessária e fundamental entre os
empreiteiros e os trabalhadores.
Para
a boa ordem é necessária a conservação e mesmo o aumento dos tesouros
materiais da Humanidade, sendo
condição inetutável de sua aistência que essa função se torne tao concentrada quanto as forças individuais o permitam.
Apesar
dos sofismas revolucionários, cunmpre facilitar a marcha normal da concentração
dos capitais e não procurar, debalde, impedi-la, pois, é evidente que; quanto menõres forem as despesas com a gerencia
e com a responsabilidade indireta ou convencional, mais facil será assegurar ao proletariado o
salário e os lazeres indispensáveis á sua existência.
Podemos,
aliás, verificar ter sido a necessidade de prover a atividade renovadora que
estabeleceu, desde os últimos séculos da idade-média, esta
divisão entre os que dirigem e os que
executam. Do meio proletário foi
que surgiram, gradualmente, os agricultores. os fabricantes, os comerciantes e,
em último lugar, os banqueiros que desempenham a função industrial mais generica.
Naturalmente
determinada pela
multiplicidade das operações prãticas,
o número dos chefes independentes uns dos outros, em cada grau desta
hiérarquia, serã sempre considerável, embora tanto menor quanto menos
especial for à função.
E
preciso que os novos pàtricios
se tornem. os dignos executores das leis da Humanidade par. que suas vontades sejam geralmente consagradas e respeitadas.
Aceitando voluntariamente a
regra universal que consagra a divisão entre
empreiteiros e trabalhadores, satisfazendo
de todo às legitimas aspirações deste.
dois elementos inseparáveis do novo regime,
os chefes Industriais podtrão
controlar o bom emprêgo de suas forças.
Encarar
a riqueza como social em sua origem e em seu destino, e
a sua apropriação pessoal como o
melhor meio de empregá-la dignamente. por intermedio da família e da pátria, em prol da Humanidade —eis a lei fundamental. A riqueza ímpoe obrigações!
O
papel dos industrais é repartir a riqueza material, cuja
administração e conservação se propuzeram, Instituidos como providencia material da sociedade, seu dever genérico
consiste em assegurar a existencía
doméstica do proletariado, tao indispensável à sua dignidade mental e moral,
como à atividade física.
Detentores
dos bens comuns de uma sociedade que será sempre muito pobre, sendo
os únicos a possuir os elementos
da estatística econõmica do mundo
inteiro, e as forças suficientes
para prover depois de ter
previsto, cabe-lhes necessariamente evitar as crises. Se a miséria aumenta, é porque fizeram uso estado ou
abusivo de seu poder, pondo-o a serviço de operações prematuras ou
prejudiciais.
Devemos considerar sujéitó ao
mesmo dever de previdência a transmissão dos ofícios inseparáveis dos capitais
necessários ao seu desempenho.
No regime republicano, uma
mesma lei preside a sucessão das funçóes industriais e politicas. Esta sucessão
deve depender da livre iniciativa dos órgãos atuais, sendo sempre reservada a
aprovação dos superiores.
Tal o método espontaneamente
praticado no tocante às mais simples funções: qualquer proletário digno é
considerado por seu chefe imediato como o melhor juiz de seu sucessor.
No que concerne às supremas
funçóes políticas, o contról do superior é substituido peio público, que deve ser prevenido da escolha com
bastante antecedencia para confirmá-la ou anulá-la, conforme seja o caso.
Havendo dissidência, caberá exclusivamente ao público resolver a escolha dos
governantes.
E’ necessário considerar o
proletariado que desempenha as tarefas materiais; êle é que reforma o corpo social, reproduz todas as coisas
necessárias à vida e atua
diretamente sõbre os objetos e animais pertencentes ao patriciado. Preenche uma
função mais geral. pois controla todos os atos dos poderes públicos. Conta com
o número e o desinteresse. Por sua situação, está em contacto com tudo e sofre
a reação de todos os abusos. Cabe-lhe, pois, tudo apreciar.
Ora, o proletariado nao pode
exercer este contról. universal, com a força e á utilidade necessárias, sem uma
instrução enciclopédica, que lhe garanta conhecimentos gerais, estendendo-se
do escol a todos os membros.
Põr a seu alcance o ensino
geral é o dever basilar do sacerdócio positivista. O plano, segundo o qual o
cohjunto da ciência da Humanidade lhe deverá ser ensinado, foi prescrito por
Augusto Comte.
Em 378 liçoes gratuitas,
efetuadas a noite, durante um periodo de sete ano, o sacerdócio ensinará aos
filhos dos proletários, dos quatorze aos vinte e um anos, sem criar
dificuldades ao séu a a instrução indispensável ao cidadão moderno.
Educado com esta diretriz, o
proletariado exercerão o contról com a sua máxima eficácia, consagrando a
tendência da civilização que consiste em desviar para as coisas a atividade
destruidora do homem, e em limitar ao, bens as repressões outrora exercidas
contra a liberdade e a vida.
Seu dever é renunciar
inteiramente ao emprêgo da violência para sancionar suas decisoes, reduzir sua
resistência à recusa de assentimento ou concurso, e só recorrer a isto por
motivos sociais.
Ao proletariado pode parecer
uma simples concessão leonina o rèduzír-lhe apenas à greve a extrema resistência, isto é, a uma luta entre os capitais concentrados nas mãos de alguns
ricos e os de um número considerável de pobres.
Regular o emprego das forças
equivale a multiplicá-las. Todas as vezes
que uma reclamaçao proletária lar justa e realizável, basta a digna adesao de
um empreiteiro para determinar, em breve, a de seus confrades.
Encontrar-se-ão, aliás, no
patriciado industrial almas cavalheirosas que porão, não mais os braços, mas
as fortunas ao serviço dos oprimidos, como durante o feudalismo a nobreza deu
tão belos exemplos.
Desde que todos os cidadãos participem do culto ensino da
Humanidade estabelecer-se-á, entre os diversos funcionários sociais, relações
diretas de todos os gêneros, que poderão ser invocados de fõrma a tornar as
relações industriais cada vez mais conciliantes. Se, entretanto, se derem
conflitos, competirá ao sacerdócio da Humanidade, indicado por sua função,
para supremo moderador e regulador da sociedade e defensor de todas as causas
justas e dignas, intervir, com o concurso das mulheres como mediador entre os
novos beligerantes, apelando para a conciencia e para a opinião.
Substituir a confusão
revolucionária dos dois poderes pela sua separação normal, a única que convem
ao regime baseado na ciência e na indústria, eis a atitude por toda a parte
preconizada pela moraf cívica positiva, tanto na existência habitual como nos
confli-tos por ela suscitados.
Esta moral distingue o que se
deve à função do que se acha ligado ao órgão, resultando dai a possibilídade de
respeitar sempre ó oficio, seja qual fõr a indignidade do funcionário. Assim, a
administração será consiliável com a ordem e a subordinação compatiivel com o
progresso.
A separação dos dois poderes,
que está em tio perfeita harmonia com os nossos costumes, sendo o único meio de
vencer o espírito de revolta e o servilismo,
deve ser encarada como a instituição fundamental da República positiva
e a garantia de todas as outras.
Capítulo Quarto
Moral Positiva do Ocidente
Resumo:
A moral positiva de Ocidente tem por fim
dirigir a existencia de suas diversas populações, solidarias desde Carlos Magno
e que compoem a República Ocidental, Esta regulamentaçao nao pode dimanar de processos revoludodrios, como seja a
politica das nacionalidades, o industrialismo, o sentimentalismo etc. O
restabelecimento da ordem no Ocidente
depende de uma transformação religiosa, dirigida pelo sacerdócio da
Humanidade, e que os diverso. Estado hao de secundar, adotando uma politica de pacifismo. A França, regenerada
pela República, devera tomar esta dupla iniciativa, moral e politica.
O reino da Humanidade não pode
ser instituida diretamente por uma só pátria. Entre a existencia civica e a
planetária, está colocado um aparelho especial que é o mais admirável até agora
construído para agente supremo de seu poder.
Nasceu com éle o último termo
da revoluçao, iniciada há trinta séculos, e caracterizada pelo rompimento, cada
vez mais acentuado, com o regime teocràtico, atingindo, sucessivamente, a
inteligência, a atividade e; por fim, o próprio sentimento.
Esta lenta evolução fez que as
nações desempenhassem na história o seu papel caracteristico, ocupando,
atualmente. gratas a ela, um lugar determinado na civilização moderna.
Essa mesma evolução dividiu a
espécie humana em dois grupos principais: o Ocidente e o Oriente, O primeiro,
caracterizado pelo desenvolvimento do regime científico e industrial: o outro,
abrangendo o restante da Terra, ainda mais ou menos sujeito ao regime teocrático
ou mesmo puramente feiticista.
A moral positiva do ocidente
tem por escopo regra a existéncia das diversas pátrias que constituem o escol
da Humanidade, referindo-se ao conjunto planetario, que teem por missão
dirigir.
Historicamente, a República
ocidental só no século IV se completou
em seus elementos essenciais. Todos participaram, em comum, do regime católico feudal e do duplo movimento
orgánico e critico, que caracteriza a era moderna.
Anteriormente a esta evoluçáo
comum, tres destes elementos haviam sofrido as incomparãveis efeitos da
civilização romana, que, ao demais, estendera os resultados da dvilização
grega, por ela assimilados da Itãlia, à Espanha e a Gália.
O impulso que essas populações
receberam foi tio poderoso, que puderam conservar, até nós, uma sensivel
comunhão de costumes de opniões e de linguas. comunicando-a às populações
septentrionais.
A parte final desta encorpotação
foi obra de Carlos Magno, que deve, por isto, ser encarado como o fundador da
República Ocidental. Respeitando e consolidando a separação dos dois podercs,
estabeleceu ele uma uniao voluntária de populações politicas distintas,
ligadas espiritualmente pelo papado, O que escapara à força, põde realizar-se
pela aliança do sentimento com o bom senso.
A República Ocidental, nela
incluidas as colõnias, compõe-se de cinco grupos de nações: a França, no
centro; a Itália e a Espanha, ao sul; a Inglaterra e a Alemanha ao norte.
Paris, que foi o seu foco desde o tempo das cruzadas, tornar-se-á, quando
perder o carater insurreccional, a metrópole religiosa.
Bem mais ligados pelos aspectos aspectos
esteticos, cientificos e industriais, do que separados pelas cresças teologico-metafisicas
e pelos antecedentes militares, estas diversas populações constituem um todo
solidário Realmeste, os ocidentais são compatriotas.
Com o positivismo, será
necessário eliminar, como expressão politica, a qualificação puramente geografica
de européia, que, irracionalmente, se tem dado um conjunto de populações mui
distintas uma das outras. Assim empregada, esta denominação peca, ao mesmo tempo, por excesso e por falta.
Mau grado as alucinações deaocrãticas,
não pode haver Estados Unidos do Europa, porque esta parte do mundo compreende
populações orientais, como Turquia e a Rússia, e não abrange os diversos apendices
coloniais do Ocidente, sobretudo americanos, da qual evidentemente fazem parte.
Alem disto, as cinco
denominações, que usam para designar os elementos da República Ocidental, sao expressões
gerais, destinadas a representar grupos de Estados politicamente distintos.
Assim, a palavra Alemanha designa uma coletividade que conpreende, alem da
Alemanha propriamente dita, a Suiça, a Holanda, a Dinamarca, a Noruega. a Suecia,
a Hungria e a Polõnia. Seria, com efeito, absurdo prete der fazer um só Estado
destas populações. A diversidade de interesses exigirá sempre governos temporais
pouco extensos, distintos e independentes uns dos outros. Quanto mais se
expande um govêrno alem dos limites normais da pátria, mais se torna absurdo e opressivo, tanto interna como
externamente.
Desde que terminou a
encorporaçao dos elementos ocidentais, todas as tentativas feitas nos tempos modernos
para renovar a obra conquistadora de Cesar e de Carlos Magno tornaram-se tão
inúteis quanto impotentes. A ação destes dois grandes homens foi tão legítima e
progressista quanto perturbadora e retrógrada a de Luis XIV e Bonaparte.
Sem jamais perder de vista o
futuro o verdadeiro homem de Estado secundará a conservação das pequenas
nacionalidades e a restauração das que foram, há um século, brutalmente
dissolvidas por uma criminosa paródia da civilização militar.
Organizar sob novos preceitos
estas diversas populações é uma questao de grande urgência, e tanto mais
quanto os processos revolucionários concernentes sao de uma insuficiência
deplorável, ameaçando constantemente a paz.
Nao será, evidentemente, pela
politica das invasões, baseada na teoria metafisica das nacionalidades, que se
restabelecerá a ordem no Ocidente esta teoria desconhece o caráter complexissinio
da raça e subordinação ao fenõmeno social preponderante — a continuidade.
Este materualismo politico,
que se julga desobrigado de tudo que não se preocupa com Deus e muito menos
com a Humanidade, considera a luta como o fim único da exisstencia, em proveito
exclusivo dos forte, so ve os individuos isoladamente, uns destinados á exploração e os outros a
exploradores.
O positivismo, colocando-se de
permeio, apela para os republicanos franceses e ocidentais, afim de que reajam contra os resultados
monstruosos de uma concepção arbitrária, que se serve fraudulentamente do metodo
científico, e que, em nome do direito, arruina, sacrifica e finalmente
extermina os fracos, para terminar
sempre com o triunfo dos bárbaros.
A política da ocidente não foi coordenada de
modo mais satisfatório com o industrialismo nacional. A experiência provou o
que a teoria confirma, vale dize qte sem moral positiva o comércio corresponde a
guerra interna e externa, em virtude de sua tendencia para fazer de cada pais
uma oficina, tendo o resto do mundo para consumir. Mas, com um regime tão artificial,
qualquer produto similar é considerado como um concorrente que se deve
necessariamente exterminar. Basta a mudança de hábitos dos consumidores, ou o fechamento
de um dos mercados para reduzir o proletariado à miséria e tudo transformar em
ruinas.
Só é conveniente, para populações
historicamente análogas como as nações ocidentais, a livre permuta com as suas
disposições indispensáveis, cada qual produzindo
as mercadorias que estiver mais apto para fornecer, trocando-as com os outros.
Caberá aos praticos exercerem, no particular, o contról de que necesitarem as
diversidades econõmicas.
Não menos prigosas são as
invocações à fraternidade para aplainar os principais óbices.
A opinião nao deverá aceitar, sem desconfiança, que os governantes
invoquem o patrocinio respeitável da Humanidade, pois nenhum povo é
suficientemente, puro pára falar em seu nome. Ate agora, esses apelos, que, pretendem
destinar-se ao restabelecimento da ordem e da paz, só têem contribuido para aumentar
as dificuldades, depois de terem feito correr ondas de sangue.
Tratemos a politica como uma
coisa racional ! Nas controversias internacionais, cumpre introduzir luzes e
nao paixóes. Em qualquer caso, importa sobretudo, simplificar e não aumentar a
complexidade das questões.
A reorganização do ocidente supõe a determinação racional dos deveres
que ligam entre si as diversas classes e nacionalidades; de acõrdo com os seus
antecedentes e o seu destino. Semelhante solução exige estudos profundos, que
o sacerdócio da Humanidade realizarã, e para os quais pede o desvelo de todos
os homens superiores.
Esta regulamentação torna
ainda mais necessária e urgente a separação dos dois poderes. A tal respeito,
se fõr possivel conceber alguma incerteza no ponto de vista cívico, já nao
haverá mais dúvidas desde que nos coloquemos no ponto de vista internacional.
Na realidade, o concerto
ccidental só pode resultar da adoção de deveres demonstráveis, dominantes das
telações correspondentes, de acordo com um sistema uniforme de educação
positiva, conveniente á manutenção das opiniões e dos costumes que devem presidir
a atividade comum.
Moral e não politico — esse ha
de ser, entre as populações ocidentais, o caráter da união que se tornara cada
vez mais sistematica, soba ação direta do sacerdócio da Humanidade, votado ao
govêrno da Republica Ocidental, com exclusão de todos os poderes os poderres
politicos.
A principio, isto é, enquanto os
espirito não estiverem suficientemente prearados para esta solução, rodos os
projetos de ação coletiva fundamental, interna ou externa, deverão ser
desprezados como prrematuros.
Mesmo ao que diz respeito às
instituições práticas mais elementares, como seja o estabelecimento de um
sistema universal de medidas e moedas, os governos só podem intervir por seu
concurso pecuniário; a determinação e a adoção detes melhoramentos dependem do
sacerdócio positivista.
Afim de que a conversão das
populações à Religião da Humanidade seja tão rápida e tão completa quanto
possível, importa que cada Estado adote uma atitude pacifica, que, ao envés de
entravar, facilite a renovação organica.
O dever dos vários membros da República
Ocindetal enquanto durar esta situação transitoria, e nao se olvidarem, em caso
algum, da obrigação de contribuir para o estatu territorial. Entrar no caminho da
paz com esta senha: E inadmissivel a
anexacão, seja qual fór o pretexto!
Grupar as pequenas
nacionalidades em torno de um Estado preponderante, afim de garantir, ao mesmo
tempo, sua independência e a paz geral, eis a marcha a seguir.
Sem dúvida, antes de atingirem
a harmonia, estes povos continuarao a odiar-se e a destruir-se mutuamente, mas
essas lutas serão consideradas, cada vez mais, como guerras civis. Marchamos
para a unidade!
Em virtude de seus
antecedentes, a França está destinada a fornecer o impulso diretor, de preferência
a todas as outras nações do Ocidente que menos comprometidas, podem esperar o
cumprimento de sua transformaçao orgãnica. Antes, porem, de pretender modificar
o mundo, deve ela fazer suas provas em casa, vencendo a anarquia que
periodicamente a esgota.
Cumpre-lhe manter a República
custe o que custar, que é tão imprescindivel como inevitável, e que lhe
permitirá efetuar as modificaçóes capazes de obtes a concorrencia de todas as
fórças para o bem comum.
A República francesa deve
tornar-se positivista pelos seus chefes e dispor de uma força militar suficiente
para fazer respeitar sua elaboração interna e assegurar a manutenção da paz no
exterior— dupla condição temporal para o estabelecimento da nova religiao no
Ocidente.
Vivificada, regenerada pela
República, a Praça. tornando-se bastante forte para põr o direito a serviço do
dever, poderá asseverar aos pértubadores: Não admitimos invasões e anexações! e
isto em seu nome e no dos seus aliados naturais, vale dizer, no de todas as pequenas
nacionalidades, cuja independência se acha ameaçada.
Realizar-se-á, assim, o voto
do grande Danton:
— Consolide-se a República e a França, por suas luzes e energia,
exercera verdadeira atração sõbre todos os
povos.
Capitulo Quinto
Moral planetaria positiva
Resumo:
- O fim da moral planetária positiva é consolidar
sistematicamente as tendencias universais para a unidade terrestre. A regulamentaçao das relaçoes planetárias tornou-se tao imprescindivel, por sua
crescente complexidade, quanto inevitavel, pela reaçao dos orientais contra os
abusos dos ocidentais. Neste particular, só o espirito simpático e relativo do positivismo consegue satisfazer. Considerando
os povos orientais como elementos retardados, em face do movimento comum, o
positivismo encorpora-los a civilízação
ocidental, por uma sábia transição. Esta obra exige o profundo respeito ao seu estado
presente e a instituição de uma marinha ocidental, para assegurar a polícia dos
mares.
O destino
da politica positiva é fazer reinar e paz sobre a Terra, regulando todas as relações
humanas, de acordo com a fórmula sagrada: O amor por rpincipio e a ordem por
base; o progresso por fim ( objetivo).
O fim da moral planetaria
positiva e organizar sistematicamente a unidade que de modo espontaneo tende a estabelecer-se
sõbre a Terra.
Bossuet, na Política extraida
da sagrada escritura, muito bem exprimiu a importancia da sede comum que
faz de todos nós compatriotas: a Terra que habitamos, serve de liane entre os
homens e forma a unidade das nações os homens, com efeito, sentem-se ligados
por algo bem forte, quando se recordam de que a Terra os sustenta e nutre,
enquanto vivos e os recebera em seu seio, depois de mortos!”
A este amor do solo, comum
profundo, junta-se uma fé, tamhem comum, a do bom senso, cuja sistematização
fundamental e representada pelo feiticismo. Enfim, a luta da vida contra a
morte completa a comunhão necessária, no que diz respeito a atividade. Essas as
bases gerais em que o positivismo se apoia para estabelecer a exploração do
planeta, em serviço da Humanidade.
Nada faz sentir melhor a
tendencia inevitavel da especie humana para a unidade final do que a ligação
crrescente de todoas as partes do planeta, tornando impossivel o isolamento das
populações e nao permitindo mais separar da vida ocidental a existencia
economica e moral do Oriente.
Nada pode acontecer no ponto
mais obscuro da Terra que não se venha refletir em qualquer outra de suas partes.
O que se passa em Pequim tem influência sobre a população ruanesa e as
perturbações da América do Sul repercutem na Inglaterra.
Qual a nação que, hoje, se
poderia bastar a si mesma, sem
o concurso das outras, quando a atividade da mais afastada é frequentemente
necessária à satisfação das nossas humildes necessidades nutritivas? Do mesmo
modo, essa, por seu turno, não deixará de apelar para os nossos serviços!
Um laço ainda mais forte
concorre para estreitar semelhantes relações. As populações orientais nos imitam,
iniciam-se em nossas concepções científicas e filosóficas, em nossos processos
industriais, Enfim, as vantagens que resultam desta encorporação sobrepujam, de
modo geral, no Oriente, as diferenças de costumes e doutrinas abrido um vasto
campo às naturezas elevadas, dignas de se porem ao serviço de tais populações.
Foi por seus conhecimentos
científicos que os jesuítas conseguiram fixar-se na China. Todas estas ações e
reações dos povos, uns sobre os outros, irão aumentando pouco a pouco.
Trata-se, sem comprometer os resulados adquiridos de fortalecer sabiamente a
tendência para a unidade, fato já agora reconhecido por todos.
E indispensavel, com efeito,
regrar sistematicamente estas relações, que um desastroso empirismo ameaça
complicar, provovando provocando entre populações muito diferentes, contactos
prematuros superexcitando, assim a anarquia industrial. Por este motivo, os acidetais
afeitos a certos hábitos de vida, acham-se, pela imigração dos chineses, em
concorrência com homens capazes de viver de maneira mais simples e mais economica.
Ora, tais dificuldades resultam inevitavelmente, da ingerência perturbadóra dos
ocidentais na vida de nações a que eram
estranhos, até entao, e que nao sabem apreciar ou servir, por falta de preparo
moral suficiente.
Encontrámos no México, no
Perú, nas lndias, na Malasia, no Japão na China e na Africa, povos que, sob
muitos aspectos, valiam mais do que nós. A moral de Confúcio não é bem superior
à do evangelho, embora seja seiscentos anos mais velha? Está um pouco mais perto
de nós, o regime islamico não foi superior ao regime cristão nas relações
exteriores, como testemunham o seu espirito governamental e a sontante
tolerancia?
Odiosos prevaricadores os
aventureiros cristões levaram-lhes a miséria, o vício, a escravidão e finalmente
o exterminio, no dia em que a ardente caridade dos Las Casas e dos S. Francisco Xavier foi substistuida
pela hipócrita perversidade dos missionários industrialistas, que se tornaram a
guarda-avançada dos bandidos ocidentais
Certamente, os primeiros
conquistadores foram. por vezes, rudissimos. mas, uma vez vencidas as resistencias
deram provas de unta sociabilidade superior à dos pretensos progressistas que não
recuam diante de nenhuma monstruosidade, desde que a mesma possa servir para
facilitar a exploração do oriente, para maior proveito de sua rapacidade.
Os industrialistas, que assim
perturbam populações dignas de respeito a ponto de suscitarem a mais ligitima
execração contra os ocidentais não recuam diante da apologia de suas ações e
pretendem merecer coroas cívicas!
A crer no seu ignóbil
materialismo, seriam eles simples executores de pretensas leis naturais, que
destinariam as populações negras e amarelas a desaparecer, Propõem-se a
facilitar semelhante evolução, azendo-as morrer de fome! Não se lembram de que
se os brancos aplicam tais processos evolucionistas às populações orierttais,
estas hao de aplicá-los algum dia a nós mesmos, quando conseguirem o segredo de
nossa força; e, desde já, trucidam os mais turbulentos desses estrangeiros civilizadores,
sempre que encontram oportunidade para isto.
Cedo ou tarde, havemos de nós
aperceber de que nunca se faz o mal impunemente. Já várias vezes o Ocidente
sofreu a reaçáo dessa ferocidade, que tao
cegamente havia mantido no exterior.
Por seu lado, essas populações,
inteligentes, ativas e numerosas, armam-se aproveitandó os nossos meios industriais,
e, se não mudarmos de conduta, poderão, algum dia, lazer-nos pagar bem caro as
nossas crueldades. Aliás, esta explaçáo inevitável já começou. A tremenda invasão econõmica dos
chineses, que anciamos há dezoito anos (*), quando tal previsão era ainda considerada um
sonho, exerce uma ação perturbadora considerável sõbre a vida interior dos Estados
Unidos e da própria Inglaterra. Surge, assim a ameaça de guerras sociais.
Em face destes perigos, urge
que o Ocidente proveja pacificamente, e sem demora, as necessidades creadas pelo
concurso cada vez mais completo e exnso das
nações. Para obter esta regulamentação, nao é possivel dirigirmo-nos aos
industrialistas, que encaram as populações orientais como composta de imbecis e
salteadores. Já lá se foi o tempo em que a fatuidade cristã tratava de bárbaros
os povos que não consegue encorporar!
Graças á sua relatividade,
preservado do desprezo degradante e opressivo inerente ás doutrinas absolutas,
positivismo faz, neste caso brilhar a sua ina
(*) Laffitte referia-se a três
lições do Curso de 1859-1860, sobre
Jistoria Geral da Humanidade, que
foram depois eunida em volumes, com o título: “Considerações gerais
sobre o conjunto da civilização chinesza e sobre as relações do ociente com a
China”. Estas lições são geralmente consideradas como a sua obra-prima.
contestával
superioridade sobre o budismo, o catolicismo, e mesmo o islamismo, que antes dele
tentaram uma religião planetária. Só o positivismo pode compreender e amar as
populações orientais, guiando-as, sem dificuldades, à harmonia univêrsal. Com
efeito. das relações recíprocas entre o Ocidente e o Oriente, subsistem, apenas,
os resultados têcnicos ou cientificos, e a lembrança de devotamentos
excepcionais. Só fortalecendo os laços de simpatia; intelectuais e materiais,
que nos unem ao Oriente, é que o problema planetario pode ser resolvido.
Referindo cada instituição sociãl à
sua verdadeira época, a doutrina positiva permite determinar as posições que
todos os povos ocupam, atualmente, em sua marcha para a Humanidade. Ela
considera as populações orientais como etementos simplesmente atrasados, que,
no movimento comum, permaneceram numa das diversas fases, semelhantes ás que
nossos pais e nós mesmos atravessámos, porque os individuos reproduzem a
espécie. Dá, assim, a cada um o seu papel, tendendo a prevalecer sobre todos.
Encarando semelhantes elementos como
fatores verdadeiros da civilização total, diversamente evoluidos, a religião
da Humanidade so terá que dirigir, sem interrupções prejudiciais, o seu
desenvolvimento espontãneo, fazendo-os concorrer para o destino comum.
Possuimos
os doís elementos basilares, sem os quais as tentativas para estabelecer o
concurso das nações permaneceriam ilusórias: um essencial, a fé positiva, e o
outro complementar, o trabalho pacifico.
A indústria e a ciencia téem ambas o
caráter da universalidade. A primeira; como a segunda, utiliza todos os
antecedentes humanos, e a todos desta os resultados que obter. Como a ciência, a industria vem preparando
poderosamente o reino da Humanidade, e por isto mesmo, devemos considerar, cada
vez mais, como simples utopia todoas as concepções que encarem a atividade como
limitavel a uma província ou a uma pátria.
Concebendo o planeta inteiro como a
única realidade, sob o duplo aspecto teórico e prático, os sentimentos de
fraternidade universal acabarão por dominar as relaçóes até aqui entregues à
ferocidade, á cúpidez e aos caprichos.
Regulamentar as relações terrestres
supõe, então, que se hajam prèviamente determinado, à luz das leis positivas, a
constituição hodierna, econõmica, mental e moral, das diversas partes do
planeta, para dai deduzir, em seguida o modo que mais convem á sua encorporaçáo
ao movimento do Ocidente.
Cóntudo, este vasto campo de
atividade só podera ser abeirada pelos governos, depois da renovação religiosa
do Ocidente, em que se concentrará, a principio, a elaboração filosófica
essencial. Até lá, cumpre ser extremamente reservado na escolha dos empreendimentos
coletivos e no estabelecimento de relações muito íntimas, sem perder de vista,
principalmente, o futuro que se trata de preparar.
Não devemos cuidar, realmente, de
submeter os oríentaís a uma imitação, tão vã quanto absurda, da marcha
ocidental, que, aliás, não é suscetivel de reproduzir-se. Cumpre, pelo contrario,
poupá-los a ensaios inúteis, graças a uma assistência fraternal. Só por lentissimas
modificações, principalmente morais, será possivel aproximar a sua
constituição da ocidental.
Acelerar esta marcha, eplicando o
principio da livre troca, equivaleria, no tocante às castas industriais das Indias,
a condená-las à morte pela fome, porque suas crenças se opõem a que mudem de
profissão.
Poderíamos estender esta observação
aos costumes propriamente ditos. Uma transição será, pois, absolutamente
necessária, se quizermos evitar catástrofes, cujas primeiras vitimas seriam os
orientais, mas que não tardariam a refletir-se sõbre o proletariado ocidental.
Só ao sacerdócio da Humanidade
caberá dirigir as relações planetárias e estender a fé positiva, sob formas apropriadas a seu estado
atual, a principio entre os muçulmanos e russo, depois entre os indús e as populações
do Extremo Oriente, e, por fim, ao resta da terra.
Por meio dê missfles confiadas a
almas de escol, ele intervirá junto dos chefes, para consolidar, nas populações
que governam, tudo quanto houver de convergente em seus costumes e em suas
instituições. Oferecendo as garantias mentais e morais necessárias, os
missionários positivistas obterão dos governos ocidentais o auxilio legitimo,
principalmate financeiro, que devem dar a todos quantos contribuirem para a consolidação da ordem planetária.
Enquanto se efetuar esta obra religios,
o Ocidente completá-la-á politicamente,
respeitando sempre a condição das populações atrasadas, ao enves de desagrega-las
prematuramente, como se fez na
Turquia, ou de destrui-las, como na Oceania e na Africa.
Reagir contra o proselitismo revolucionario
é um dever não menos urgente. Cumpre auxiliar os chefes orientais nas medidas
de proteção contra os missionários e contrabandistas, que, em nome de
principios cristãos, industrialistas ou humanitários, vém envenenar, embrutecer
e oprimir suas populações.
Em resumo, as únicas operações
políticas coletiva, serão temporárias e destinadas, sobretudo, a manter a ordem
sóbre a Terra. Supõem uma creação importante e indispensável para vigiar e
reprimir os perturbadores — a da
marinha ocidental — isto é, de uma policia dos mares.
O positivismo, órgão da civilização,
pela fé demonstrada, apela para o Ocidente regenerado, afim de que desempenhe
uma nobre missão: repudiar o sistema de conquistas, sustentar os benefícios da
paz contra as violências dos fortes, e só defender sobre a Terra os interesses
gerais da Humanidade!
Tal politica, rompendo com o
estreito egoismo nacional, necessário ao passado, para subordinar-se à ética
universal, prosseguirá seus grandes designios com a inflexibilidade do justo,
com o espírito conciliante do sábio, permanecendo em tudo fiel à lealdade da
moral, que tem por divisa — Viver Às
claras!
Possa a França republicana tomar essa grande
iniciativa a tempo de conjurar novas tempestades e prevenir irreparáveis
desastres!
O Amor por principio e a Ordem
por base; o Progresso por
fim — tal é a fórmula
verdadeiramente sagrada que resume o conjunto da moral positiva. Por ela,
quaisquer elementos da ordem humana serão regrados sob todos os pontos de
vista: diretamente, consoante à sua subordinação imediata a uma existência
mais geral: universalmente, conforme à dependência para com o Ser Supremo,
que, por seu turno, está sujeito à fatalidade terrestre.
A necessidade da moral positiva se
acha inteiramente determinada, tanto pelas condições da situação, quanto pelas
tendencias universais da natureza humana. Fornece aos homens de pensamento e
aos homens de ação um terreno comum, que permitirá assentar sóbre bases
indestrutiveis a existência feminina e proletaria.
O destino da pnlitica positiva, é estabelecer sistematicamente o reino
pacifico da Humanidade, á vista do aperfeiçoamento universal.
O novo poder espiritual construiu os
principies gerais de direção, que fará preválecer no govêrno da natureza
humana. Os deveres que teen por fim regularizar a evolução do conjunto dos
elementos sociais o estado normal não podem ser nem adivinhado, nem revelados; só poderão ser instituidos
depois de estudos geral e profundo dos fenõmenos humanos, cujas leis será
necessário descobrir e coordenar. Para só há um caminho — a Sociologia — sobre a qual futuramente, tenciono dizer-vos
alguma coisa.
Graças a esta exposição, pode
fazer-se juatiça às concepções vulgares
sobre a Religião da Humanidade. Essa vasta construção de Augusto Comte aparece
agora como uma doutrina livre
de todos os conceito, heterogêneos, que comprometiam suas grandes noçõs e
morais.
Respeitando as individualidades,
pessoais, familiares e civicas, faz convergir as naturezas de escol, de ambos
os sexos, de todas as classes e de todas as nações.
Constituirá, assim, a livre opinião
pública, cujo papel será fazer aceitar e respeitar, integralmente e por toda a
parte, as regras da moral demonstrada, e
realizar, com o apõio de todos os homens de boa vontade, o reino da paz
sobre a Terra.
Resta-nos agradecer-vos a atenção e
a liberdade que nos concedestes durante tão longa conferência na qual,
entretanto, só pudemos indicar, em termos gerais, um conjunto considerável de concepções e trabalhos destinados ao
serviço da Humanidade.
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